Lobby da energia nuclear influencia decisões políticas na Alemanha
Fontes primárias de energia na Europa
“Segura” e “verde” são adjetivos que o lobby alemão usa para defender a energia atômica. Termos que não convencem mais ninguém, desde Fukushima. É quando a tática muda e surgem ameaças de encarecimento da eletricidade.
A ameaça de catástrofe nuclear no Japão obrigou Berlim a puxar o freio de mão em sua política de energia nuclear. Há apenas alguns meses, o governo de Angela Merkel prorrogara o prazo de funcionamento das usinas do país. Agora, a decisão foi suspensa, e sete das 17 centrais alemãs serão desligadas por três meses.
Mas a palavra de ordem dentro da coalizão conservadora cristã-liberal continua sendo “repensar a energia nuclear” – o que faz soar os alarmes entre as operadoras de eletricidade. Após a prorrogação pelo governo federal, no final de 2010, esses fornecedores já se consideravam totalmente seguros. Mas agora têm motivos para temer por sua mais rica fonte de lucros.
“Contribuição à preservação do clima”
Ao se referir à energia nuclear, Ralf Güldner, presidente do Fórum Atômico Alemão, normalmente usa termos como “valiosa”, “excelente” e “exemplar” ou formulações como “indispensável contribuição à preservação do clima” e “grande potencial de desenvolvimento tecnológico”. Desde a catástrofe nuclear no Japão, o maior representante dos interesses do setor se mostra bem mais contido.
“‘Seguro é sempre um conceito relativo, e aqui nos encontramos numa área do risco residual”, argumenta. “Talvez seja preciso discutirmos também na Alemanha se devemos relacionar certas ocorrências entre si, e aí dizer: é necessário elevar o nível de segurança, para alcançar uma redução adicional do nível de risco residual. E se isso não for tecnicamente possível em certas centrais individuais, então haverá consequências.”
Está claro que, na qualidade de lobista, a atual preocupação de Güldner é limitar os danos. A decisão do governo alemão por uma moratória de três meses significa uma inegável guinada na política atômica do país, as sete centrais mais antigas poderão ser desativadas. E o Fórum Atômico também sabe disso.
Cartas marcadas
Rebelar-se justo agora seria pouco inteligente. Berlim já tem problemas suficientes para justificar sua mudança de rumo na energia nuclear. Somente submetendo-se, o lobby atômico pode ter esperança de ainda manter pelo menos as usinas mais modernas funcionando por mais algum tempo.
“Agora é preciso discutir se seguiremos podendo dar nossa contribuição no futuro: possivelmente com menos centrais, porém com um nível de segurança mais alto”, tenta explicar o presidente do Fórum Atômico. “Mas a política de energia é sempre um complexo temático em que os políticos estabelecem as condições de base que as operadoras têm que respeitar.”
Um jogo que as operadoras de energia, no entanto, não deixam de tentar influenciar por todos os meios possíveis. Aliás, há um bom tempo elas evitam confiar qualquer aspecto do processo político ao acaso. Um exemplo é o Conceito de comunicação para a energia nuclear – Estratégias, argumentos e medidas, do final de 2008: a publicação de 100 páginas foi elaborada por uma agência de assessoria empresarial para a gigante da energia E.on – fato que esta, no entanto, desmentiu após a divulgação pública do documento.
Lobby atômico domina Berlim
Essencialmente, o Conceito demonstra como orientar políticos e jornalistas numa direção favorável à energia nuclear, e como influenciar o debate público sobre o tema: minimizar seus perigos, destacar sua indispensabilidade e vantagens para o abastecimento de eletricidade e a proteção do clima, são algumas das táticas.
Tarefas essas que ocupam em Berlim não apenas os lobistas do Fórum Atômico, mas também as quatro grandes operadoras de energia do país: E.on, RWE, EnBW e Vattenfall. Recentemente, o presidente da bancada parlamentar do partido A Esquerda, Gregor Gysi, comentou o fato de forma lapidar:
“A indústria atômica não possui apenas poder financeiro e econômico e detém influência considerável sobre as decisões políticas: ela as domina. E com isso, domina também o governo federal alemão e um grande número de deputados.”
“Lavagem a verde”
Nos últimos anos, especialistas de marketing trataram de mostrar as unidades termonucleares de produção de energia sob a ótica mais favorável possível. Por exemplo, na campanha: “Os mal amados ambientalistas da Alemanha”.
À primeira vista, parece tratar-se de uma série de paisagens, potencialmente tiradas de um prospecto de turismo. Somente olhando-se com atenção descobre-se a presença das usinas, ao fundo das fotos, e sempre bem pequenas. Uma das imagens mostra ovelhas pastando num campo verde, com uma central nuclear alemã diante do céu azul. Em primeiro plano, a mensagem: “Este ativista do clima luta 24 horas por dia pelo respeito ao Acordo de Kyoto”.
A campanha mereceu o EU Worst Greenwash Award, prêmio para as manifestações mais descaradas de “lavagem a verde” de práticas ecologicamente questionáveis, dentro da União Europeia. A justificativa para a escolha foi: aqui se tenta instrumentalizar as preocupações públicas sobre as transformações climáticas com o fim de fazer propaganda para a energia nuclear.
Nuclear = renovável?!
Consta que argumentos de ordem econômica representaram um papel de peso na decisão de prorrogar o funcionamento das usinas atômicas, em novembro de 2010. As unidades geram lucros bilionários e valia a pena para o setor nuclear acenar ao governo com uma participação, diante da época de “vacas magras” dos cofres públicos alemães.
Mas até isso ocorreu a portas fechadas, denuncia o líder dos social-democratas e ex-ministro do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel. “Quando chegou a hora de decidirmos no parlamento, o assunto já estava encerrado há muito. “Nem Bundestag [câmara baixa], nem o Bundesrat [câmara alta] participaram seriamente do processo de decisão. Eles já haviam acertado tudo com os senhores da indústria nuclear, na salinha dos fundos”, acusa.
A campanha de relações públicas do lobby atômico já está tão avançada, que a energia termonuclear tem sido sempre mencionada e apresentada no mesmo contexto das energias renováveis. “Unidos pela preservação do clima”, reza a foto que mostra unidades eólicas lado a lado com centrais nucleares.
Após a catástrofe no Japão, tais recursos dificilmente bastarão para salvar a desvalorizada imagem do setor. Os lobistas, com certeza, encontrarão outras linhas de argumentação para impedir o abandono rápido da energia atômica na Alemanha: um processo que, a rigor, já se iniciou.
Senão, como interpretar as discussões sobre a alta dos preços da eletricidade, num país que produz mais do que consome?
Autoria: Sabine Kinkartz (av)
Revisão: Marcio Damasceno
Reportagem da Agência Deutsche Welle, publicada pelo EcoDebate, 24/03/2011
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