População e o preço dos alimentos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O consumo e a produção econômica mundial tem crescido muito acima do aumento da população. A preços constantes, o PIB mundial era de US$ 10 trilhões, em 1960, para uma população 3 bilhões de habitantes. Isto representava uma renda per capita de US$ 3,3 mil dólares. Em 2010, o PIB mundial era de US$ 70 trilhões, para uma população de quase 7 bilhões de habitantes, representando uma renda per capita de cerca de US$ 10 mil dólares. Para 2050, estima-se um PIB mundial de US$ 280 trilhões para uma população de 9 bilhões de habitantes, resltando em uma renda per capita de pouco mais de US$ 30 mil dólares. Portanto, em 90 anos, a economia mundial vai crescer 28 vezes, enquanto a população deve crescer 3 vezes, no mesmo período.
Evidentemente, a concentração da renda faz com que parcelas minoritárias da população se apropriem de grandes parcelas do PIB, enquanto a maioria da população fica com parcelas menores. Supondo que os 50% mais pobres da população fiquem com apenas 10% do PIB, isto significa que 1,5 bilhão de habitantes, em 1960, detinham US$ 1 trilhão de dólares (667 dólares per capita entre os 50% mais pobres); que 3,5 bilhões de habitantes, em 2010, detinham US$ 7 trilhões (2 mil dólares per capita entre os 50% mais pobres); e que 4,5 bilhões de habitantes, em 2050, teriam 28 trilhões de dólares (6,3 mil dólares per capita entre os 50% mais pobres).
Este exercicio numérico é apenas para mostrar que mesmo considerando um alto grau de concentração de renda, o crescimento da população e da economia implicam em aumento do poder de compra mesmo para os estratos mais baixos da pirâmide de renda da população. Em 2050 teríamos a metade da população de menor renda 3 vezes maior do que em 1960, mas com uma capacidade de compra, em termos reais, quase 10 vezes maior.
Desta forma, o crescimento da população e da economia mundial tem permitido que as parcelas privilegiadas da população diversifiquem seus padrões de consumo e adotem um estilo de vida com muito luxo, riqueza e desperdício. Os 50% mais ricos da população mundial (classes altas e médias) eram 1,5 bilhão de pessoas apropriando US$ 9 trilhões em 1960, passaram para 3,5 bilhões de pessoas e 63 trilhões de dólares, em 2010, e devem passar para 4,5 bilhões de pessoas e US$ 250 trilhões em 2050. Esta metade da parte superior da pirâmide de renda é a grande responsável pela degradação do meio ambiente e do aquecimento global.
Mas também a população de baixa renda tem aumentado o acesso aos bens industriais, mas principalmente, o acesso aos bens de primeira necessidade. A metade mais pobre da população mundial era de 1,5 bilhão de pessoas com renda de US$ 1 trilhão, em 1960, passou para 3,5 bilhões de pessoas com renda de US$ 7 trilhões, em 2010 e deve chegar a 4,5 bilhões de pessoas com renda de US$ 28 trilhões de dólares, em 2050. Portanto, trata-se de uma parcela que é pobre em termos relativos, mas não tanto em termos absolutos. Nas próximas décadas, o poder de compra desta parcela dos 50% mais pobres (mesmo tendo apenas 10% da renda mundial), será maior do que o de toda a população mundial em 1960. Por estas e outras, a esperança de vida ao nascer da população mundial passou de 52 anos, em 1960, para 68 anos, em 2010, e deve chegar a 76 anos, em 2050.
Embora haja, hoje em dia, cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo que passam fome ou vivem em situação de insegurança alimentar, existem 6 bilhões que consomem cada vez mais produtos da agricultura e da pecuária, pressionando as resevas de terra e água. Por exemplo, o alto crescimento econômico da China e da Índia tem possibilitado que os cerca de 2,5 bilhões de habitantes destes países aumentem o conteúdo nutricional de suas dietas alimentares. Os países em desenvolvimento (e mais populosos) são os que apresentam maior crescimento econômico hoje em dia. Portanto, a pressão do consumo alimentar sobre os recursos naturais é crescente e evidente.
Para aumentar a produção de alimentos muitos países tem recorrido às reservas de água dos aquíferos para sustentar a expansão da agricultura e da pecuária. A Arábia Saudita, por exemplo, conseguiu quase a auto-suficiência na produção de grãos utilizando os aquíferos fósseis (não renováveis) do país. Acontece que as reservas de água destes aquíferos estão se esgotando. Calcula-se que a partir de 2015 a Arábia Saudita terá que recorrer totalmente ao mercado internacional para o abastecimento alimentar do país. Também a China e a Índia sofrem com a sobreexploração dos seus recursos hídricos. Para piorar as coisas, o aquecimento global tem aumentado a frequência dos fenômenos climáticos extremos, com o aumento das secas e enchentes, o que prejudica as safras agriculas e a engorda do gado.
Neste quadro, não é surpresa o constante aumento do preço dos alimentos no mundo à medida em que a economia dos países mais populosos cresce. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), divulgou em março de 2011 que os preços globais dos alimentos, depois de sofrer aumento pelo oitavo mês consecutivo, alcançaram o nível recorde em fevereiro de 2011, chegando a 236 pontos, diante da média de 100 do período 2002-2004. Parte deste aumento pode ser creditado ao efeito da especulação e da posição monopolista de algumas grandes empresas mundiais. Romper com o poder dos atravessadores e eliminar os estoque especulativos é uma tarefa urgente.
Porém, não se pode desconsiderar que parte do aumento do preço decorre do crescimento da demanda – que é o resultado do aumento da população e do seu poder de compra – e da exaustação dos recursos naturais. Para agravar a situação, o aumento do preço do petróleo eleva ainda mais o custo da produção de alimentos. A produção de biocombustíveis também é outro fator de pressão.
Até 2050, o mundo terá mais 2 bilhões de pessoas, passando de 7 para 9 bilhões de habitantes. Será que a agricultura, a aquacultura e a pecuária vão ser capazes de suprir as necessidades alimentares da humanidade, a preços acessíveis? Será possível aumentar a produção dos meios de subsistência da população sem comprometer ainda mais a capacidade regenerativa do planeta Terra?
José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. As opiniões deste artigo são do autor e não refletem necessariamente aquelas da instituição.
E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br
EcoDebate, 22/03/2011
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