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Seca amazônica de 2010 é a mais severa do século. Entrevista com Paulo Brando (Ipam)

A seca registrada na floresta amazônica no ano passado foi ainda mais devastadora do que a de 2005, considerada, até então, a mais agressiva dos últimos cem anos. Segundo o pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Brando, responsável pelo estudo, dois ciclos climáticos causam secas na floresta: o El Niño e o aquecimento do Atlântico Norte.

Em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone, ele explica que a cada 30 anos, a Amazônia passa por ciclos de secas severas como as que aconteceram recentemente. O desafio, no entanto, é descobrir se as últimas secas fazem parte desse processo ou são ocasionadas em função das mudanças climáticas.

Surpreso com a intensidade das secas, Brando diz que ainda não é possível contabilizar os danos no ecossistema. “Não fomos a campo avaliar os impactos da seca de 2010, porque normalmente demora de um a dois anos para ocorrer a mortalidade de árvores. Com base nos impactos da seca de 2005, supomos que a última seca deve ter ocasionado uma mortalidade de árvores bastante acentuada na Amazônia, com a liberação de mais ou menos cinco bilhões de toneladas de CO2 nas próximas décadas”.

Paulo Brando é coordenador do projeto Savanização do Ipam.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A seca na Amazônia em 2010 é considerada a mais grave da região nos últimos cem anos. Qual foi a extensão dessa seca, como ela se manifestou?

Paulo Brando – Dois ciclos climáticos geram secas para a região amazônica: o El Niño e o aquecimento do Atlântico Norte. O El Niño, que é o aquecimento do Pacífico, normalmente tem ciclos de mais ou menos três a cinco anos. Assim, a seca de 1997 a 1998 e algumas anteriores a ela ocorreram por causa do El Niño.

A seca de 2010, como a de 2005, foi causada pelo aquecimento do Atlântico Norte, que trouxe ventos úmidos para a região amazônica. Em 2010, cerca de 57% da Amazônia teve uma precipitação mais baixa do que a média geral, contra 37% em 2005, que tinha sido considerada a pior seca do século.

IHU On-Line – O senhor afirmou que a seca de 2005 foi tida como um evento que acontece a cada cem anos, mas ocorreu outra pior cinco anos depois. Por que essa seca é ainda mais severa?

Paulo Brando – Ficamos surpresos com duas secas tão próximas em 2005 e 2010. Sabemos que elas foram causadas por causa do aquecimento do Atlântico Norte, mas ainda não sabemos dizer se isso é causado por mudanças climáticas ou não. A Amazônia normalmente passa por ciclos de seca que se repetem a cada 30 anos. Então, pode ser que a floresta está passando por este ciclo ou, do contrário, pode estar iniciando um processo de frequentes secas na região.

IHU On-Line – É possível fazer uma comparação entre as secas de 2005 e 2010? O que as diferenciam?

Paulo Brando – Esse é o principal ponto da nossa pesquisa: averiguar se as duas secas se comparam. Segundo a nossa análise, a seca de 2010 atingiu mais da metade da região amazônica, enquanto a de 2005, atingiu cerca de 37% do território. Além disso, a seca que poderia causar a mortalidade de árvores na área é muito maior em 2010 em relação a 2005. Ou seja, enquanto a seca de 2005 causou danos terríveis para diversos setores da economia e danos ecológicos na região do Acre, a seca de 2010 atingiu mais da metade do Mato Grosso.

IHU On-Line – Como o senhor descreve a produtividade das florestas da Amazônia, hoje, depois do registro das secas?

Paulo Brando – Em 2005, a floresta liberou muito mais carbono em relação aos outros anos. Na década de 1980, 1990, até 2004, a floresta estava capturando em torno de 1,5 toneladas de CO2. Em 2004 e 2005, houve uma reversão desse processo.

Ainda não fomos a campo avaliar os impactos da seca de 2010, porque normalmente demora de um a dois anos para ocorrer a mortalidade de árvores. Com base nos impactos da seca de 2005, supomos que a última seca deve ter ocasionado uma mortalidade de árvores bastante acentuada na Amazônia, com a liberação de mais ou menos cinco bilhões de toneladas de CO2 nas próximas décadas. Esse é um número significativo e pode contribuir para a elevação do aquecimento global.

IHU On-Line – As florestas da Amazônia estão reduzindo a capacidade de ciclar e armazenar carbono?

Paulo Brando – Diria que não é uma tendência. Entretanto, um estudo recente mostrou que duas secas severas podem reverter o processo de absorção de carbono para um processo de liberação de carbono das florestas. Ainda não sabemos como esse processo vai afetar o clima nos próximos dez, vinte anos.

Pode ser que daqui dez anos essas florestas absorvam mais carbonos do que o que elas liberaram durante a seca de 2010. De qualquer modo, se essas secas se tornarem frequentes, isso provavelmente não irá ocorrer. Nossa principal preocupação é de que as secas frequentes estejam relacionadas às mudanças climáticas.

IHU On-Line – O senhor pode explicar qual é a relação da seca com a emissão de CO2?

Paulo Brando – Parte significativa dos estudos mostra que, provavelmente, o El Niño irá ocorrer com mais frequência e, em função disso, aumentarão as secas. Vários estudos mostram também que, provavelmente, haverá um aumento na frequência do aquecimento do Atlântico Norte, o que implica também em mais seca para a região amazônica.

Eu não faço a modelagem climática, então, também estou tentando entender o impacto da seca sobre a dinâmica das florestas da Amazônia. Segundo a literatura, com o aumento de CO2 na atmosfera, há uma diminuição de precipitação em partes da Amazônia, principalmente no sudeste e na região leste. Conforme aumenta a quantidade de CO2 na atmosfera, há uma redução das chuvas. A questão é saber como as florestas que estão no limite da seca irão responder a um clima mais seco.

IHU On-Line – Caso eventos dessa envergadura se repitam regularmente, quais são os riscos para a floresta amazônica?

Paulo Brando – Pode haver um aumento na configuração de CO2 na atmosfera devido à mortandade das árvores. Além disso, várias florestas da Amazônia que, normalmente, são resistentes a incêndios florestais podem ficar mais vulneráveis a queimadas.

IHU On-Line – Há alternativas para se mitigar ou prevenir o fenômeno dessas secas?

Paulo Brando – Para reduzir a frequência e a incidência das secas é preciso um esforço global de redução da quantidade de carbono na atmosfera. Mas, no caso do Brasil, as secas também têm relação com os incêndios florestais na Amazônia. Esses incêndios dependem muito do manejo da paisagem.

IHU On-Line – Que medidas o Brasil deve tomar diante deste novo estudo acerca da seca na Amazônia?

Paulo Brando – Essa é uma questão que vai além do nosso trabalho. Nós mostramos as consequências e o efeito da seca para reciclagem do carbono. Cabe ao governo investir em políticas públicas.

IHU On-Line – Resumindo, qual o diagnóstico do estudo em relação à saúde da floresta?

Paulo Brando – As florestas na Amazônia, principalmente as que sofrem secas sazonais, perderam árvores grandes, liberando uma quantidade excessiva de carbono para atmosfera. Além disso, a floresta está mais vulnerável a incêndios florestais. Ainda é cedo para relacionar as secas com qualquer mudança climática, então, o simples fato de mostrar que as secas estão acontecendo, já demonstra que é preciso dar atenção às florestas.

(Ecodebate, 04/03/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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