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Complexo Termelétrico de Candiota. Um retrocesso ambiental. Entrevista com Lucia Ortiz

Com as primeiras pesquisas de aproveitamento do carvão mineral para geração de energia elétrica, surgiu, nos anos 1960, o Complexo Termelétrico de Candiota, no Rio Grande do Sul. A Fase A, com duas unidades, entrou em operação em 1974 e, doze anos mais tarde, a Fase B foi inaugurada, totalizando 446 Mw instalados. Trinta anos depois, a última etapa do projeto, a Fase C, acaba de ser concluída e está sendo testada. “Temos como primeiro grande feito neste início de governo, a inauguração de uma obra tão poluente, como se fosse um elemento de sucesso, quando, na verdade, é um grande retrocesso”, disse Lucia Ortiz, do Núcleo Amigos da Terra Brasil, à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone.

De 1999 a 2001, Lucia participou de estudos acerca da viabilidade de Candiota, realizados pela Fepam e é enfática ao contrariar o projeto. “É um grande retrocesso usarmos essa fonte de energia na situação em que o mundo está hoje, à beira do caos climático e quando todos os esforços giram em torno da transição para energias renováveis e sustentáveis”.

Lucia lembra que Candiota III foi financiada com dinheiro público francês na década de 1980, quando o país estava descartando o uso do carvão mineral por razões de saúde pública, “má qualidade do ar e situações insalubres em toda a etapa de processamento do carvão, desde a mineração até a queima”.

Lucia Ortiz é coordenadora do Núcleo Amigos da Terra Brasil. É geóloga e mestre em Geociências pela UFRGS e membro da coordenação da rede Brasil sobre instituições financeiras multilaterais.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O Rio Grande do Sul necessita de uma usina termelétrica como a de Candiota?

Lucia Ortiz – Acreditamos que nem Rio Grande do Sul nem o Brasil necessitam utilizar um “combustível de ontem”, como chamamos o carvão mineral, o combustível fóssil mais poluente e que mais emite gases de efeito estufa. É um grande retrocesso usarmos essa fonte de energia na situação em que o mundo está hoje, à beira do caos climático e quando todos os esforços giram em torno da transição para energias renováveis e sustentáveis. O debate sobre a demanda de energia não pode considerar simplesmente a fonte que iremos utilizar, mas é preciso analisar para quê e para quem a energia é produzida.

Indústrias elétricas consomem parte significativa da energia do país e, inclusive, compram energia para produção e exportação de commodities subsidiadas pelo governo. O uso do carvão mineral não atende à necessidade real da população para suprir a demanda por energia e pela boa qualidade de vida.

IHU On-Line – Candiota surgiu para beneficiar algum setor específico? Pode contar como surgiu esse empreendimento?

Lucia Ortiz – Candiota beneficia principalmente o setor carbonífero que, há muitos anos, vem tentando se reerguer de uma forma bastante ineficiente. Candiota, além do combustível ultrapassado, tem uma tecnologia absolutamente obsoleta; também foi comprada com o dinheiro público da França na década de 1980, quando o país estava fazendo uma transição, livrando-se do carvão mineral justamente por problemas de saúde pública, má qualidade do ar e situações insalubres em toda a etapa de processamento do carvão, desde a mineração até a queima.

Hoje, quase 30 anos depois, Candiota está sendo reativada com equipamentos e tecnologias paliativas para reduzir a emissão de poluentes que não atendem aos padrões, porque o carvão mineral do Rio Grande do Sul é de baixíssima qualidade. Devido às suas condições geológicas de formação, 50% do carvão corresponde a impurezas.

IHU On-Line – Segundo alguns técnicos, as concentrações emitidas de dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e material particulado estão acima dos limites máximos estabelecidos. Quais as implicações desses minerais para a população da região?

Lucia Ortiz – O Ministério Público entrou com uma ação pedindo a suspensão da licença de operação não só de Candiota III, que é a fase C, mas também das fases A e B, que nos últimos cinco anos não conseguiram cumprir com os padrões da legislação que trata da emissão máxima de poluentes. Esses poluentes não são apenas material particulado, mas também óxidos de nitrogênio, que podem causar doenças respiratórias e de pele, mas principalmente óxidos de enxofre, que são precursores da chuva ácida. Na região há uma acidificação da atmosfera e da chuva; os agricultores mostram relatos impressionantes de como o pasto fica coberto de fibras, como as cercas de metal são corroídas em uma velocidade muito mais acelerada do que o normal.

Nesse momento, os mais prejudicados são os agricultores e a população em geral daquela região, que há anos vêm sofrendo com a intensificação das secas e a escassez de água. Para se ter uma ideia, a Usina Fase C de Candiota, por ter uma tecnologia ultrapassada de resfriamento das torres, necessita de uma quantidade absurda de água, que chega a ser 40 vezes maior que o consumo de toda a população do município.

Além disso, pensando no planejamento de instalação dessa e de outras usinas, como era o caso de Seival, seria necessária a construção de uma barragem somente para suprir o consumo dessas usinas. Essas barragens, por sua vez, iriam afetar as famílias que vivem da agricultura, os assentamentos da reforma agrária da região de Herval, Hulha Negra, Asseguá, Candiota. O setor carbonífero acaba sendo beneficiado, mas a população, que mais gera renda para o município através da produção de alimentos, sementes crioulas e agroecológicas, acaba sendo prejudicada.

IHU On-Line – Segundo a informação de técnicos, antes da fase C, parte da termelétrica de Candiota funcionava com capacidade aquém da prevista. Com a conclusão da fase C, Candiota irá produzir a energia esperada? Por que dar continuidade a esse projeto se a tecnologia já está ultrapassada?

Lucia Ortiz – Há uma estratégia que vem sendo utilizada desde que ocorreu a nacionalização da CGTE, que fazia parte da CEEE, ou seja, os processos A e B passaram à União com a confirmação com a CGTE.

A então ministra de Minas e Energia, hoje presidente Dilma Rousseff, pediu dedicação a esse setor e a essas obras, financiamento público, inclusão da obra no PAC, convênio com a China – que não é nenhum exemplo no que diz respeito a energias renováveis –, abrindo portas de negociação entre os dois países. Existem interesses diversos que não os 350 megawatts máximos que a usina pode gerar e que o Rio Grande do Sul tem condições de economizar, criando um programa de conservação e eficiência energética.

No RS existe uma planta piloto de painéis fotovoltaicos que merece mais atenção e investimento, inclusive do PAC, mas que não tem evoluído, enquanto uma indústria suja como a energia do carvão é incentivada e subsidiada.

IHU On-Line – Quais as vantagens para China e França na parceria com Candiota? Quais os benefícios para esses países?

Lucia Ortiz – Os investimentos são beneficiados com retorno financeiro e não importa se é a população brasileira quem está pagando por esses investimentos com o uso de recursos públicos. Desde a década de 1980, os franceses transferem indústrias poluentes para os países do Sul, onde os custos com as medidas ambientais são menores. Devido à própria condição ambiental nesses países, nos quais a poluição já alcançou índices inaceitáveis, acabam exportando esses investimentos.

Isso é triste, pois o Brasil tem capacidade tecnológica inovadora, uma sociedade civil forte e há tanto tempo apresenta proposta para fontes alternativas de energia. Mas, temos como primeiro grande feito neste início de governo, a inauguração de uma obra tão poluente, como se fosse um elemento de sucesso, quando, na verdade, é um grande retrocesso. Nós escutamos muito esse discurso do ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, no qual diz que os ambientalistas não querem grandes barragens da Amazônia e que, por isso, terão de passar para investimentos como a usina do carvão. Mas, na verdade, a solução não está dada. No Brasil é sim ou sim.

IHU On-Line – Quais as implicações ambientais de um complexo termelétrico que produz energia a partir de carvão mineral, como o de Candiota, no Rio Grande do Sul?

Lucia Ortiz – Em todo o ciclo de processamento, o carvão tem uma cadeia de impactos ambientais. Se considerarmos desde a mineração, que na região de Candiota é feita a céu aberto, centenas de hectares de terras agriculturáveis ou utilizadas para outros fins são descobertas e a rocha que está embaixo e que contém o carvão é exposta às intempéries. Os minerais que estão contidos nessas camadas de carvão são oxidados, liberando óxido de enxofre, que forma os sulfatos e sedimentando os cursos d’água. Quando esses minerais são dissolvidos, tornando o ambiente mais ácido, fica mais fácil a dissolução de outros minerais que contenham metais pesados tóxicos – por exemplo, o cádium, o arsênio, mercúrio. A Fepam realizou vários estudos que demonstram a contaminação desses cursos d’água pela mineração em Candiota.

O transporte do carvão para as usinas também é um problema, pois não é feito nenhum beneficiamento para a retirada dos interiores desse carvão, ou seja, ele é queimado na termelétrica do jeito que sai da mina. Esse carvão tem uma quantidade muito grande de enxofre, em torno de 2%. Ao serem queimados, os minerais liberam óxido de enxofre para atmosfera e causam a chuva ácida.

Se a cada dia é transportada uma tonelada de carvão, isso quer dizer que, diariamente, gera-se meia tonelada de fibras, as quais vão para a bacia de decantação e, às vezes, voltam para as cava das minas sendo transportadas por caminhões que liberam poeira tóxica, que compromete a saúde e as vias respiratórias da população do entorno. O impedimento do leito do Arroio Candiota não é natural; são camadas, centímetros e centímetros acumulados de cinzas do carvão mineral, afetando também toda a fauna e a flora da região. Animais que servem de indicadores, são como os anfíbios, não aparecem mais nessas áreas afetadas.

IHU On-Line – Qual era a situação de Candiota na época em que você trabalhou em um projeto da Fepam? Que aspectos em relação à obra já eram discutidos?

Lucia Ortiz – Trabalhei com o projeto da Fepam de 1999 até 2001. Em 2001, a agora presidente Dilma Rousseff era secretária de Minas e Energia do governo do estado e, naquela época, estava voltando um processo de licenciamento das usinas a carvão, tanto de Candiota como de Jacuí, que já tinha sido embargada pelo Ministério Público desde meados de 1990, por ser considerada a maior fonte de poluição atmosférica na região metropolitana de Porto Alegre.

Na época, a Fepam emitiu vários pareceres mostrando que Candiota, apesar de ser uma região rural, não estava saturada de poluição em comparação à região metropolitana de Porto Alegre. Porém, havia a ressalva de que, se a região de Candiota realizasse todos os planos de extensão de usinas, incluindo a usina de Seival, os padrões da qualidade do ar em todo o estado do Rio Grande do Sul seriam ultrapassados.

Houve uma discussão a respeito das necessidades do projeto, das possíveis alternativas, e da inadequação do licenciamento. Sem esse debate se estender, estão concluindo as obras 10 anos depois.

IHU On-Line – De acordo com técnicos que trabalham no projeto de Candiota C, a usina dispõe de alternativas para reduzir a emissão de poluentes. Isso torna Candiota menos agressiva ao meio ambiente?

Lucia Ortiz – A tecnologia de Candiota era tão obsoleta, que foi necessário um investimento muito grande em filtros, em tecnologias de controle para reduzir a emissão de poluentes. Ocorre que não foi feito investimento na redução, na geração, na eficiência da queima e, sim, apenas maior controle nas saídas das chaminés.

Isso reduziu a emissão de poluentes em comparação, de forma proporcional, ao que se tem nas fases A e B, que são fases mais antigas e ineficientes no controle da poluição. Mas como foi dito, o temor é que as Usinas A e B não estejam adequadas, emitem acima dos limites permitidos e que o somatório dessas fontes poluentes será prejudicial à população.

IHU On-Line – Como está a atual fase C do projeto? De acordo com o PAC, a obra está concluída e aguarda apenas licenciamento para poder funcionar.

Lucia Ortiz – Ela teve o licenciamento, 28 de dezembro, uma data bem emblemática, licenciamento polêmico sempre sai perto do Natal. Com o licenciamento de alteração aprovado, a fase C já começou a operar em fase de testes.

IHU On-Line – Candiota poderia aderir a uma tecnologia mais moderna e que causasse menos impacto ambiental?

Lucia Ortiz – As usinas termelétricas deveriam mudar totalmente a tecnologia atual por um sistema de torre de resfriamento a seco, que não necessitaria de uma quantidade excessiva de água. Isso não foi pensado para a usina.

Todas as tecnologias que estavam ao alcance foram feitas no sentido de tentar controlar e conter a emissão atmosférica de poluentes. No entanto, a tecnologia usada hoje é bastante ultrapassada para que se possa fazer uma reformulação total conforme as melhores práticas disponíveis. A acessibilidade a melhores práticas tecnológicas está sendo pensada em nível internacional para que não ocorra a transferência de tecnologia suja para os países do sul.

Um programa de substituição dos chuveiros por aquecimento solar, poderia evitar o consumo de ate 18% da energia elétrica no horário de pico, o que seria equivalente a duas usinas da fase C.

IHU On-Line – A geração de energia a partir do carvão emite ainda mais CO2, se comparada a outras fontes poluentes?

Lucia Ortiz – Com certeza. O carvão é o combustível fóssil que mais emite gases de efeito estufa por unidade de energia gerada. O gás natural tem mais nitrogênio e menos carbono, o petróleo tem praticamente a mesma quantidade de nitrogênio e carbono, enquanto o carvão tem mais carbono e, portanto, a sua queima libera mais dióxido de carbono para a atmosfera.

(Ecodebate, 01/03/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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