As vacas pastam na Transposição, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] Apesar do marketing feroz do governo, a transposição do São Francisco agoniza. Os canais já revestidos racham ao sol. As partes apenas desmatadas vão sendo recobertas pela capoeira e servem de pastos para os animais. Só de Icó Mandante até Serra Negra são 70 km retomados pelo mato.
Nas cidades onde a obra passou, como Petrolândia, ficou o desemprego, além de uma renca enorme de problemas, como famílias desmanteladas e a entrada do crack em pleno sertão pernambucano.
O ministro da Integração, Fernando Coelho, já disse que o custo da obra passou de cinco para sete bilhões. Ainda mais, afirmou que o eixo leste só estará pronto ao final de 2012 e o eixo norte ao final de 2013.
A comunidade de Serra Negra trancou as porteiras para a empresa, porque o governo – ou saibamos lá quem – se recusa em refazer um posto de saúde que atende 2500 famílias e mais três casas que serão destruídas pelo canal do eixo leste. A oferta em dinheiro foi de quinze mil reais para o posto e mais três mil reais para cada casa. Oras, um obra orçada em sete bilhões não tem dinheiro para refazer um posto de saúde que atende cerca de 7500 pessoas.
Pior é a situação de moradores da comunidade de Roça Velha, perto de Petrolândia. A indenização para uma velha senhora que teve seu quintal eliminado pelo canal foi de 163,00 reais. Não se espantem, não há erro, é isso mesmo.
Será que essa obra chega ao fim, ou, como já profetizara Frei Luís, já cumpriu seu papel eleitoral?
O que uma tenente do exército disse ao agente da CPT da região é emblemático: “vamos botar as bombas na tomada de água e jogar para a barragem de Areias – fica a quatro km da tomada de água -. Vamos testar se a obra funciona”.
E se não funcionar? E o que acontecerá com essas bombas, com o resto já feito, se o prazo dado agora é de no mínimo mais dois anos? Vão também esturricar ao sol? Lembram-se que Lula iria inaugurar o eixo leste, pondo água na Paraíba?
Vale relembrar o falecido ACM. Raposa em obras públicas, uma vez disse: “uma obra como essa vai terminar em 15 ou 20 bilhões”.
Se terminar. Terminando, se funcionar.
Roberto Malvezzi (Gogó), articulista do EcoDebate, é Assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT
EcoDebate, 01/03/2011
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A construção dos canais de transposição tem levado a esperança a inúmeros nordestinos. É a garantia do emprego com carteira assinada, da assistência médica, da cesta básica, dos empregos indiretos. De fato, onde se assenta um acampamento de engenharia, aparecem as pensões, os restaurantes, o comércio é ativado, o dinheiro entra na cidade.
Terminada a obra, os trabalhadores são transferidos para outra frente de trabalho, deixando atrás de si um rastro de desolação. Gogó vai mais longe, dizendo que as obras desmantelam famílias e permitem a entrada de crack no sertão pernambucano. Exageros à parte, o que se verifica quando uma grande obra termina é o desânimo pela volta à situação anterior.
Daí a dizer que alguma comunidade tenha “trancado as porteiras”, numa rejeição a uma obra do porte da transposição, parece-me algo equivocado. O que se tem visto nos noticiários é o grande número de trabalhadores que disputam os empregos para receber melhores salários, com carteira assinada, ainda que tenham que se deslocar à medida que a obra avança.
Será que a obra vai chegar ao fim? Falaram o mesmo durante a construção de Brasília e a capital federal aí está, hoje cinquetenária. Disseram que o lago Paranoá jamais se encheria e ele está aí, completamente cheio, melhorando o clima de Brasília. A propósito, quando JK manifestou o desejo de se candidatar a presidente da República, disseram o seguinte:
– “Juscelino não será candidato, se for candidato não será eleito, se for eleito não tomará posse, se tomar posse não governará.”.
Disseram o mesmo a respeito da transposição. Ignorando tudo isso, as obras continuam…