O Carbono na OMC; Hegemonia e Leviatã, artigo de Laércio Bruno Filho
[EcoDebate] “… os EUA vêm discutindo várias propostas legislativas que, pela primeira vez, visam criar limites obrigatórios para as emissões de GEE em nível nacional. Embora não tão ambiciosas como metas Europeias de redução de GEE, uma lei norte-americana de mudança climática poderia acabar com o impasse nas negociações internacionais sobre o clima.
Entretanto ela continuaria a ser problemática, sobretudo, porque as atuais propostas legislativas buscam combinar um sistema nacional de comércio de emissões com restrições à importação. São os chamados ajustes fiscais de fronteira (BTAs). Embora tais medidas aumentem a viabilidade política da legislação nacional sobre as alterações climáticas, ao mesmo tempo representam uma séria ameaça ao sistema de comércio internacional e, potencialmente, uma violação às leis internacionais de comércio no âmbito da OMC.” (Forum for Atlantic Climate and Energy Talks)
Valor e Custo da produção
Seguindo a regra do “poluidor pagador” que tende a se instalar no âmbito da Organização Mundial do Comércio, o país que poluir mais para produzir o seu PIB deve ser mais sobretaxado ao negociar suas exportações. E vice-versa. É o preço sobre o a emissão intensiva do carbono, uma vez que as mesmas provocam uma serie de outras implicações com externalidades negativas que afetam a todos e ao planeta.
No caso do Brasil, por exemplo, as emissões do gás carbônico estão bem abaixo quando comparadas com outros países. Inúmeras são as razões. A primeira delas é que 72,5% de nossa energia elétrica é de origem hídrica (IPEA), fonte renovável e pouco poluente, a segunda é que utilizamos em larga escala o etanol como combustível automotivo, e terceira, é que produzimos uma quantidade enorme de energia com o bagaço da cana, cerca de 18 % do total de nossa matriz energética .
Na conta final as fontes renováveis de energia representam 45,9% de nossa matriz energética, número três vezes maior que média mundial que é de 12,9% (IEA).
Temos um gigantesco patrimônio em biodiversidade; a maior floresta tropical do mundo e uma das maiores reservas de água doce existente – Aqüíferos Alter do Chão e Guarani.
“Estima-se que o valor da biodiversidade brasileira seja de 2 trilhões de dólares por ano, muito maior do que o PIB do Brasil. O potencial de utilização dos recursos oriundos da biodiversidade brasileira é incalculável.(Roberto Gomes de Souza Berlinck dla Universidade Estadual de Campinas e doutor em Ciências e Química Orgânica pela Université Libre de Bruxelles.”
“…o líder dos estudos TEEB, Pavan Sukhdev, declarou: “Toda atividade econômica, assim como o bem-estar humano, seja em um cenário urbano ou não, é baseada em um ambiente saudável e funcional. Os valores múltiplos e complexos da natureza exercem impactos econômicos diretos no bem-estar humano e nas despesas públicas a nível local e nacional”.
“…O estudo internacional (Teeb) apontou o valor econômico de florestas, água, solo, animais, entre outros, bem como os custos ocasionados pela perda desses recursos. Segundo o Teeb, o custo anual da perda da biodiversidade fica entre US$ 2 trilhões e US$ 4,5 trilhões (R$ 3,6 trilhões e R$ 8,2 trilhões).”
Mas que valor concreto tem isso tudo na esfera geopolítica se as nações ricas continuam a exaurir recursos naturais tão imprescindíveis, hesitam nos acordos internacionais e suas elites sempre favorecidas exploram descaradamente aqueles que pertencem à classe de renda com expectativas mais baixas?
Quanto realmente “vale” e “custa” o nosso PIB?
Faltariam componentes de custo a serem alocados? Está contemplada a biodiversidade sacrificada para a produção das commodities exportadas? E se adicionados estes componentes no custo final perderia competitividade?
“Responsabilidades comuns, porém diferenciadas…”
Já há algum tempo que se discute nas reuniões da OMC sobre como sobretaxar as nações intensivas em carbono, ou que hesitam em adotar políticas internas de controle.
Oportunamente nações desenvolvidas já se posicionam vislumbrando como impor barreiras comerciais a fim de proteger seus mercados da competitividade de alguns “emergentes”. Sobretaxar importações forma uma barreira protecionista para os mercados internos em relação á competitividade externa, mas ao mesmo tempo os atrasa tecnologicamente. Lembram da reserva de mercado da informática no Brasil, até hoje pagamos por isso.
Observe no gráfico a seguir as emissões de GEE dos países do BRIC e EUA. As emissões do Brasil são pequenas considerando-se; (i) PIB, (ii) população, (iii) extensão geográfica, e (iv) potencial de mercado de consumo.
De 2007 este gráfico mostra a China ainda em segundo lugar como principal país emissor de GEE. Hoje, 2011 o país já ultrapassou os EUA e se coloca na primeira posição de grande emissor e como segunda economia do planeta.
No gráfico abaixo, no ano de 2009, o Brasil apresenta redução de suas emissões em 0,3%, provavelmente em decorrência da redução do desmatamento e queimadas e mesmo assim ocupa a 14* posição dentro do ranking mundial de emissores de GEE ; os EUA reduziram as emissões em 7%, por conta da recente desaceleração econômica ; a Rússia reduziu em 7,4% também por conta da crise econômica; Índia aumentou suas emissões em 8,7% e passou a ocupar a 3*(terceiro) posição no ranking global; China aumentou suas emissões por conta do crescimento entre 9 e 11% ao ano; e a Comunidade Européia reduziu em 6,9%,reflexo da crise econômica que avassala todos os seus membros.
E então para a reflexão fica a pergunta que não se cala : Quem é que deve ser sobretaxado pela “pegada de carbono”?
Hegemonia e Reputação Virtual
Décadas atrás comprávamos sem pestanejar artigos que carregavam o selo MADE IN GERMANY, JAPAN ou USA, porque transmitiam, intrinsecamente, importantes valores embutidos no produto.
Eram garantias virtuais as quais refletiam a reputação idônea em eficiência, durabilidade e tecnologia de ponta embarcada. E este conjunto de valores contemporâneos eram os que realmente contavam para todos. Á propósito, O MADE IN CHINA valia quase nada e isto não faz muito tempo.
Estes valores ainda não mudaram, pelo contrário ainda são muito importantes, entretanto novas condicionantes começam a despontar e se consolidar também como relevantes. E eles hoje já podem construir ou destruir valor, dependendo do caso.
Nos países ditos emergentes, se a produção de bens ou serviços aparece relacionada com emissões intensivas de carbono, desmatamento ilegal, trabalho análogo ao escravo ou exploração infantil, seguramente haverá valor destruído. Infelizmente o inverso não é verdadeiro, pois continuamos importando à revelia seja o que for dos países ricos e nem sequer perguntamos nada. Em nossa economia ainda em desenvolvimento o direcionador de valor é preço em primeiro lugar.
Leviatã
O futuro fica cada vez mais difícil para as nações que já desenvolvidas convivem com agudas limitações socioambientais. O alto preço por alimentos e água derruba governos, mostra a história.
Com o aquecimento do clima surgem sinais claros de que as commodities agropecuárias, minerais e ambientais aliadas ao uso intensivo de tecnologia serão componentes vitais à estabilidade sociopolítica dos países.
O eixo geopolítico e econômico penderá um pouco mais para o hemisfério sul do planeta, rico em áreas agricultáveis, recursos naturais e populações ávidas por mobilidade social. Por conta inclusive das novas alianças estratégicas entre as economias emergentes e a China.
Thomas Hobbes escreveu em 1651 que um novo contrato social teria que ser estabelecido e incorporado pela sociedade, caso contrário seria a “guerra de todos contra todos”. É com este acento que Hobbes descreve os riscos que se endereçavam à sociedade da época por conta da ausência de um estado soberano e hegemônico – o Leviatã que “…nada mais é senão um homem artificial, de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado”.
O novo pacto social haverá que reconhecer e traduzir e materializar as expectativas sobre as condições básicas de coexistência da sociedade, sobretudo, norteado pelos conceitos do desenvolvimento sustentável das nações; equidade social,preservação da biodiversidade e direitos humanos.
Seria a vocação do Brasil ser um dos protagonistas desta nova Era desenvolvendo uma miríade de tecnologias voltadas à proteção da biodiversidade e da produção sustentável de commodities?
Hoje tornou-se economicamente estratégico que o Brasil invista fortemente na criação de um selo de reputação que traduza sua potencial hegemonia socioambiental, valorizando seu PIB “verde” e fomentando os alicerces deste novo contrato social.
Laércio Bruno Filho, Professor Convidado do MBA PECEGE da ESALQ/USP para a disciplina Agronegócios/Sustentabilidade; Coordenador e Relator do Subgrupo que prepara a proposta de normalização de Projetos de Carbono em Florestas no âmbito do Mercado Voluntario pela FIESP/ABNT, membro do Grupo de Estudos sobre Gestão da Sustentabilidade, Tele trabalho e Mobilidade Urbana do CETEL/Business School São Paulo. Membro do Grupo de Estudos sobre Ética e Sustentabilidade do CRA-SP. Diretor de Novos Negócios Socioambientais e Coordenador da Gestão Técnica de Programas de Sustentabilidade Empresarial e de Desenvolvimento Sustentável para Comunidades pela empresa eSense Consultoria em Competitividade e Sustentabilidade Empresarial.
EcoDebate, 25/02/2011
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