Índios coletam sementes usadas para recuperar as nascentes do Rio Xingu
Fazendeiros e ambientalistas plantam florestas de árvores nativas da região. Os técnicos trabalham com 160 espécies florestais.
O trabalho de recuperação das nascentes do Rio Xingu, em Mato Grosso, conta com a ajuda dos índios ikpengs, que coletam sementes de espécies nativas para vender aos agricultores da região. Os agricultores e ambientalistas também utilizam a técnica muvuca, pela qual é usada a plantadeira de soja para semear florestas. Reportagem da Gazetaweb.
A tribo ikpeng tem 400 índios, na maioria são jovens que trabalham na coleta de sementes. “Uma marca indica que no local tem um recurso importante para nós. Agora, eu vou colher esta fruta que nós consumimos como sucos ou a própria polpa”, explicou.
O nome da fruta em português é pitomba, uma frutinha muito doce típica da zona de transição entre o cerrado e a Amazônia. Como ela fica no alto, não é fácil coletar as sementes. Oremé Ikpeng orienta o Wayge, que foi escolhido para escalar a árvore. Eles comem a polpa e guardam os caroços em sacos plásticos.
Depois o grupo muda de área. A caminhada é longa até o centro da floresta, onde estão as árvores maiores. No meio do caminho uma nascente brota da terra, com água limpa para matar a sede.
Após duas horas de caminhada mata a dentro, o grupo chega à área da coleta. A árvore é um angelim saia. As sementes, que ficam dependuradas no alto, surgem em pencas presas nos cipós. De novo o pessoal, tem de escalar a árvore para fazer a coleta. Mas Waygé desistiu da empreitada.
O engenheiro florestal Marcos Schmidt do Instituto Sócioambiental coordenou o treinamento dos índios para este tipo de situação. A técnica usada é o rapel. A chegada se deu bem no meio dos cachos de sementes.
Com a ajuda de um alicate de poda, ele começa o serviço. O restante do pessoal vai juntando o material que cai no chão. Marcos Schmidt disse que o preço pago para os índios pela coleta varia de R$ 0,50 a R$ 500 o quilo.
“O quilo de uma semente grande são poucas sementes. O quilo de uma semente bem miudinha são milhares. Então, esta questão também influencia no preço. Além do valor monetário, eu acho que a experiência e o reconhecimento deles nesta luta de recuperação esta região, que foi muito desmatada, eu acho que isso é o maior benefício para eles também”, disse Schmidt.
Quando a missão cumprida, o índio Oremé recebe o aplauso do pessoal. Na sombra do barracão construído no meio da aldeia os índios ikpenges armazenam as sementes coletadas na floresta. Ao ar livre, elas passam por um processo natural de secagem.
Para transportar o produto até a cidade de Canarana o pessoal pega a única estrada da reserva: o Rio Xingu. A viagem leva um dia inteiro. Waengué e Oremé são os responsáveis pela comercialização do produto na cidade. Eles vendem tudo para a Rede de Sementes, coordenada pelo Instituto Sócioambiental.
Os técnicos trabalham com 160 espécies florestais e, em parceria com a prefeitura de Canarana, instalaram um viveiro. O agricultor Anderlei Goldoni comprou sementes e mudas de 40 espécies diferentes para reflorestar três hectares no entorno do rio que corta a fazenda. O plantio tem dois anos e meio e muitas árvores já estão com três metros de altura.
Para o reflorestamento de pequenas áreas, como do Anderlei Goldoni, os pesquisadores recomendam o plantio de mudas. Mas para lugares maiores, a técnica que está sendo testada é a muvuca de sementes. Foram selecionadas 41 espécies nativas que serão plantadas de uma vez só.
A receita para plantar em meio hectare leva dois sacos de 60 quilos de terra e um saco de areia. A primeira semente da muvuca é o feijão de porco, uma leguminosa que não é nativa do Brasil.
“Ela é fundamental nos primeiros seis meses a um ano da floresta porque é uma espécie rasteira, mas que faz um sombreamento muito rápido. Ela tem a função também de descompactar o solo com as suas raízes e de levar nitrogênio para o solo através das suas folhas que vão caindo e decompondo em cima da terra. Ela vai melhorando as propriedades físicas e químicas do solo”, explicou Marcos Schmidt, engenheiro Florestal do Instituto Socioambiental.
Em seguida, começa uma verdadeira salada de sementes de espécies florestais nativas. Tem até isca para formiga. “A gente não mata a formiga dos reflorestamentos. A gente coloca comida para elas. O tamarindo é uma semente que a gente consegue fácil. Então, a gente usa bastante porque germina bem e a formiga adora cortar”, completou Schmidt.
A muvuca é colocada na caixa de adubo da plantadeira de soja. Na área experimental os técnicos do Instituto Sócioambiental testam o plantio das sementes florestais com a plantadeira, a mesma máquina do plantio direto da soja e do milho. Ela rasga o solo e coloca a semente na cova. Para completar o serviço, homens espalham as sementes que não podem ser enterradas. São espécies que só germinam na flor da terra, como o tingui e os ipês. Na área onde as sementes já germinaram, as folhas largas do feijão de porco sombreiam outras mudinhas.
A fazenda Bang Bang, que cria gado de corte, plantou 200 hectares de florestas usando a muvuca. Ao invés de terra, eles usam serragem e adubo químico. O gerente da fazenda Anderson Araújo disse que o sistema é muito prático porque economiza a mão de obra da produção de mudas e também do plantio.
A máquina que espalha as sementes é o tornado, a mesma usada para plantar capim. Atrás do equipamento tem uma grade leve que vai cobrindo as sementes. “É impressionante a germinação rápida. Na nossa planilha, o custo maior é o da cerca. Embora este processo seja muito mais barato, a cerca é muito cara”, comparou o agricultor Luiz Castelo.
Quem não lida com pecuária pode dispensar a cerca. É o que acontece na fazenda em Canarana, onde os alunos da escola municipal estão plantando mudas ao redor do Rio Queixada. A ideia de fazer o reflorestamento é do garoto Igor Trovo, que convenceu o pai, Sebastião Trovo, a fazer o serviço.
O engenheiro florestal Rodrigo Junqueira, do Instituto Sócioambiental, disse que a junção das florestinhas ao longo dos rios acabou estabelecendo corredores que no futuro ligarão as áreas das fazendas com a floresta do Parque Indígena do Xingu.
“Ele vai permitir que a água que corre para dentro do Xingu possa correr com uma qualidade melhor e que não tenha nenhum risco de contaminação”, explica Rodrigo Junqueira.
Hoje, o Igor Trovo tem 16 anos. Se o pessoal cuidar bem das mudinhas, quando ele tiver o dobro da idade, poderá caminhar dentro da floresta que ajudou a plantar.
* Matéria indicada por Myrane Sarmento Lima para o EcoDebate, 21/02/2011
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