Geoengenharia: ‘Existe a crença de que podemos dominar a natureza e superar qualquer limite’, Naomi Klein
Naomi Klein, autora de diversos livros que questionam o sistema econômico capitalista, criticou nesta quarta-feira no Fórum Social Mundial de Dacar as soluções tecnológicas ao aquecimento global.
A reportagem é de Benoît Cros e está publicada no jornal Página/12, 10-02-2011. A tradução é do Cepat.
Apesar do ceticismo inicial, a mudança climática causada pelos gases de efeito estufa é hoje uma realidade reconhecida pela maioria da população mundial. Tanto é assim que para os antiglobalização o problema não é convencer as pessoas, mas oferecer soluções alternativas para impedi-la. Naomi Klein, autora de diversos livros que questionam o sistema econômico capitalista, criticou nesta quarta-feira no Fórum social Mundial de Dacar as soluções tecnológicas ao aquecimento global propostas ao longo dos últimos anos.
A escritora canadense considera que se deve acabar com a ideia de que a tecnologia pode solucionar tudo. “Existe a crença de que podemos dominar a natureza e superar qualquer limite”, apontou. Klein referiu-se especificamente a tecnologias como a geoengenharia. Esta especialidade propõe diversos dispositivos, como “guarda-chuvas solares”, para limitar a radiação solar, ou tecnologias que modifiquem as nuvens para que reflitam mais raios solares para o espaço. “A geoengenharia é espantosa”, disse. “Os cientistas que defendem a geoengenharia não sabem para onde isto nos leva”. “Mesmo que pareça ficção científica, não o é, realmente está acontecendo”, assinalou Klein, que também considerou que se notou certa “aceleração” neste tipo de ideias desde a cúpula climática de Copenhague, em 2009. “Há uma relação entre o fracasso político desta cúpula e esta aceleração”, acrescentou.
No ano passado, os participantes do Convênio sobre a Diversidade Biológica decidiram estabelecer uma moratória sobre este tipo de tecnologia “até que haja uma base científica sobre a qual justificar tais atividades”. Contudo, os Estados Unidos são o único país que não assinou ainda este convênio. Naomi Klein se referiu ao american way of life que se alastrou para todo o mundo através da globalização e que está baseado na ideia de que “sempre haverá mais”. Explicou o mito da fronteira nos Estados Unidos. “Mas o mundo não é uma fronteira sem fim”, asseverou.
Klein explicou que não nos encontramos apenas em uma crise econômica e ecológica, mas também em uma “crise de relato”. “Sempre nos contam as mesmas histórias sobre a nossa capacidade de salvar o planeta, nos dizem que não devemos combater as consequências de nossos atos já que sempre haverá uma solução”, disse a ativista canadense. É a razão pela qual “quando questionamos estas tecnologias, também questionamos as estruturas da sociedade ocidental”.
A escritora altermundialista quis também ter um discurso de esperança e assinalou o exemplo da Bolívia, “o único país que se opôs ao resto durante a Cúpula de Cancún”. A Bolívia “construiu um relato sobre os direitos da natureza”, remarcou Klein. “Nós temos que substituir o relato linear por um relato circular”, argumentou.
A intervenção de Naomi Klein aconteceu durante uma oficina sobre os desafios apresentados pela próxima Conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável, que acontecerá no Rio de Janeiro em 2012, 20 anos depois da Cúpula da Terra de 1992, realizada na mesma cidade.
Este encontro terá continuidade nesta quinta-feira no centro de atendimento dos altermundialistas, já que será objeto de uma “assembleia de convergência”. Nestas reuniões se encontram diversas organizações em torno de um tema com o objetivo de estabelecer um calendário de mobilizações. Cerca de 40 assembleias de convergência estão previstas e servirão de preparação para a última assembleia de movimentos sociais que acontecerá no último dia do Fórum.
Durante a oficina, Naomi Klein confirmou que está preparando um novo livro sobre o que chama de “acumulação da Terra”, uma maneira de ampliar o conceito de “acumulação de terras” praticado por multinacionais em diversas zonas da África e da América Latina. A autora canadense é conhecida por suas duas obras anteriores: Sem Logo (Record, 2002), um ensaio que analisa a influência das marcas na sociedade atual, e A doutrina do choque (Nova Fronteira, 2008), onde analisa as condições em que o neoliberalismo pôde ser implementado graças ao impacto psicológico causado por desastres naturais ou ditaduras militares.
(Ecodebate, 14/02/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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