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Venda de calmante dispara no Brasil; dependência pode ocorrer após 3 meses

A venda do ansiolítico clonazepam disparou nos últimos quatro anos no Brasil, fazendo do remédio o segundo mais comercializado entre as vendas sob prescrição.

Entre 2006 e 2010, o número de caixinhas vendidas saltou de 13,57 milhões para 18,45 milhões, um aumento de 36%. O Rivotril domina esse mercado, respondendo por 77% das vendas em unidades (14 milhões por ano). Reportagem de Cláudia Collucci, na Folha de S.Paulo.

O levantamento foi feito pelo IMS Health, instituto que audita a indústria farmacêutica, a pedido da Folha. O tranquilizante só perde hoje para o anticoncepcional Microvlar (em média, 20 milhões de unidades por ano).

Para os psiquiatras, há um abuso na indicação desse medicamento tarja preta, que causa dependência e pode provocar sonolência, dificuldade de concentração e falhas da memória.

Eles apontam algumas hipóteses para explicar o aumento no consumo: as pessoas querem cada vez mais soluções rápidas para aliviar a ansiedade e o clonazepam é barato (R$ 10, em média).

Médicos de outras especialidades podem prescrever o ansiolítico e há falta de fiscalização das vigilâncias sanitárias no comércio da droga.

Procurada, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não se manifestou sobre o assunto.

Para o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, conselheiro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina), é “evidente” que existe indicação inapropriada do remédio, especialmente por parte de médicos generalistas, não familiarizados com a saúde mental.

Muitos pacientes, segundo ele, já chegam ao consultório com queixas de ansiedade e pedindo o Rivotril. “As pessoas trabalham até tarde, chegam em casa ansiosas e querem dormir logo. Não relaxam, não se preparam para o sono. Tomar Rivotril ficou mais fácil”, diz ele, também presidente do Conselho Estadual Sobre Drogas.

Lima explica que entre as medidas adotadas pelo Cremesp para conter o abuso no uso do remédio estão cursos de educação continuada voltados a médicos generalistas.

Na sua opinião, a precariedade do atendimento de saúde mental no país também propicia o abuso do remédio.

INDICAÇÃO DE AMIGO

O psiquiatra José Carlos Zeppellini conta que recebe muitos pacientes que não tinham indicação para usar o remédio e que se tornaram dependentes da droga.

“Em geral, começaram a tomá-lo por sugestão de amigos e vizinhos, em um momento de tristeza, após terminar um namoro, por exemplo. Não é doença. Depois, não conseguem parar de tomá-lo porque têm medo de não se adaptar. É mais uma dependência psíquica do que física”, acredita ele.

Entre os usuários do Rivotril, existe um misto de glamorização e demonização em relação à droga.

Páginas no Facebook, classificadas na categoria entretenimento, tratam o Rivotril como “remedinho maravilhoso”. Outros grupos on-line, porém, discutem a dependência e os efeitos colaterais do remédio.

A AÇÃO DO TRANQUILIZANTE

ANSIEDADE

Estimula a ação de um ácido (conhecido como gaba) no cérebro, que inibe a ativação de áreas relacionadas ao medo e à ansiedade

SONO

Reforça os estágios do sono REM, que correspondem aos períodos de sonhos, mas reduz os estágios não REM. Essas fases são justamente as que restauram as atividades nos neurônios

INDICAÇÕES

Tratamento de vários transtornos mentais, como síndrome do pânico, distúrbio bipolar, depressão (usado como coadjuvante de antidepressivos). O remédio não é recomendado para aliviar tensões do cotidiano

EFEITOS COLATERAIS

Sonolência, movimentos anormais dos olhos, movimentos involuntários dos membros, fraqueza muscular, fala mal articulada, tremor, vertigem, perda de equilíbrio, dificuldades no processo de aprendizagem e de memorização

DEPENDÊNCIA

O tempo varia de pessoa para pessoa. Pode acontecer em um mês ou em um ano. Pacientes que tomam clonazepam não podem consumir álcool

Fonte: JOSÉ CARLOS ZEPPELLINI, psiquiatra

Dependência de Rivotril ocorre após 3 meses, segundo psiquiatra

O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor na Unifesp e coordenador da Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas), alerta que três meses de uso do Rivotril já são suficientes para criar uma dependência da droga. Para ele, a falta de fiscalização no comércio do remédio, o baixo preço e um possível “conluio” da indústria com o mercado poderiam explicar o sucesso do remédio no Brasil, que não se repete em outros países. A Roche, fabricante do Rivotril, informa que o remédio faz sucesso porque é eficaz e barato. Também diz que, como a droga está há muito tempo no mercado, não há ações de marketing. A seguir, trechos da entrevista à Folha.

Folha – A que o sr. atribui esse aumento do uso de Rivotril?

Ronaldo Laranjeira – Temos uma vigilância sanitária muito falha no Brasil. Duvido que essa quantidade de prescrição seja legítima. Nos países desenvolvidos, a tendência é de diminuição dos benzodiazepínicos. A prescrição médica é mais rigorosa e fiscalizada, o que não acontece por aqui. É curioso saber também por que o Rivotril se destaca entre todos os benzodiazepínicos, coisa que não acontece lá fora.

Você tem alguma suspeita?

A gente pensa em algum conluio, em alguma colaboração da própria indústria com esse mercado ilegítimo ou cinza de venda do medicamento. Mas é só suspeita.

O fato de ser um remédio muito barato também ajuda?

Sem dúvida. A falta de controle na fiscalização e o baixo preço facilita o uso de qualquer droga. Por que no Brasil os opiáceos não são problema? Porque o controle é rigoroso e o preço é alto.

E quais os problemas reais que esse remédio causa?

Eles são hoje a principal causa de queda em idosos nos EUA. Os profissionais têm medo de prescrever e ser processados depois. Também não há indicação médica para seu uso regular. A maioria dos usuários no Brasil são crônicos, dependentes, às vezes de baixa dose. A pessoa pode ficar dependente e não necessariamente fazer uma escalada da droga. Pode usar um comprimido de Rivotril por dez, 20, 30 anos e ficar só naquela dose.

Em quanto tempo a pessoa se torna dependente?

Em geral, após três meses.

E o que fazer se quiser parar?

Tem que ir diminuindo aos poucos a dose, por um período de seis semanas. Se parar de uma vez, tem risco de convulsões, de mal-estar. Mas, se a pessoa tem outros transtornos, precisa de avaliação.

“Não vivo sem o meu Rivotril”, diz vendedora

Há cinco anos, a vendedora Mariana Vasconcelos do Prado, 26, não sabe o que é uma noite de sono sem o tranquilizante Rivotril. “Sei que estou dependente dele, mas não consigo largar porque me sinto muito bem”, diz ela.

Tudo começou com uma síndrome do pânico, quando ela se mudou de Atibaia (SP) para São Paulo, capital. “Tinha medo de morrer. Não dormia.”

O diagnóstico foi feito pelo psiquiatra da tia, de Pouso Alegre (MG). À época, ela recebeu a prescrição do Rivotril e do antidepressivo venlafaxina.

“Comecei com a dose de 125 mg [de venlafaxina] e hoje tomo 37,5 mg todos os dias. O psiquiatra já sugeriu que diminuíssemos a dose do Rivotril, mas não adianta”, conta.

“Não consigo dormir se eu não tomar 2 mg de Rivotril. Já entro em pânico só de pensar em ficar sem ele”, diz Mariana.

A dependência é tanta que, mesmo tomando o remédio só à noite, ela o carrega dentro da bolsa o tempo todo. “Não vivo sem o meu Rivotril. Já é uma dependência mais emocional do que física.”

Mariana passa por consulta com o psiquiatra uma vez por ano. Mas, a cada mês, o médico renova para ela as receitas dos remédios. Pelo Rivotril, ela paga R$ 8 a caixa com 30 comprimidos.

EcoDebate, 18/01/2011


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One thought on “Venda de calmante dispara no Brasil; dependência pode ocorrer após 3 meses

  • Estefania Aquila

    Muito bem colocado. Infelizmente hoje quem prescreve a medicação não são mais médicos éticos e comprometidos com seu juramento, mas os bem treinados representantes dos laboratórios farmacêuticos, que pagam para os médicos receitarem seus produtos. E eles o fazem.
    Poucos sabem do valor do Yoga como remédio. Eu já me curei várias vezes usando o Yoga. Mas esse remédio é barato e não tem efeitos colaterais. Não traz fortalece os Laboratórios e sua dependência é benéfica porque você passa a depender de você.
    Seria interessante se junto com uma denuncia pudesse ser introduzida uma alternativa. Assim, as pessoas poderiam aprender que de fato têm escolhas.

Fechado para comentários.