Todas as áreas de topografia suave podem ser consideradas seguras? artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos
[EcoDebate] Colegas geotécnicos (geólogos de engenharia e engenheiros geotécnicos) e de demais especialidades implicadas,
Essas últimas tragédias têm nos chamado a atenção sobre a importância em termos mais cuidado em definir como geotecnicamente estáveis certas feições de relevo de topografia mais suave junto ao sopé de nossas regiões serranas tropicais.
Há duas situações típicas de áreas de topografia suave situadas nas bordas das serras:
a) áreas imediatamente situadas ao final das encostas de alta declividade, iniciando-se a partir da ruptura de declive negativa da encosta. Essas áreas estão sujeitas a serem atingidas pelos escorregamentos da encosta contígua. Isso define que nessas condições a ocupação urbana deverá observar uma “faixa de segurança geotécnica” de em torno de 40 metros, contados a partir da base da encosta. Faixa idêntica deverá ser observada pela ocupação dos platôs mais planos superiores das encostas. Vejam em anexo fotos ilustrativas.
b) áreas situadas à frente da “boca” de vales que demandam do alto da serra. São áreas de topografia suave, mas que estão sobre leques de deposição de detritos (solo, blocos de rocha, restos vegetais) formados e originados de pretéritas corridas de lama e detritos. Ou não se ocupa essas áreas, reservando-as para parques florestados, ou se libera a ocupação mediante a execução de avantajadas obras (diques de impacto e desvio) do contenção e proteção. Dado o fantástico poder destrutivo de uma corrida de lama e detritos essa última opção deve ser vista com enorme cuidado. Vejam em anexo foto ilustrativa, a da igrejinha. Pode-se dizer que esse é um flagrante geológico da formação de mais uma camada do leque de deposição já preteritamente existente no local.
Se vocês analisarem os leques de deposição ao sopé da Serra do Mar, especialmente frente à boca dos grandes vales que descem lá do alto da escarpa, terão uma pálida idéia do que foi e é a dinâmica geológico-geomorfológicos dessa nossa belíssima região. Há cerca de 60 milhões de anos atrás, no início do Terciário, a escarpa (proto-Serra do Mar) estava a cerca de 50 Km à frente da atual linha do litoral sudeste. Sabem como ela chegou até a atual posição? À custa de muito escorregamento, muita corrida de detritos, muita erosão. Essa é nossa querida Serra do Mar, com sua história, suas leis, seus ritmos, seu calendário próprio, suas idiossincrasias…
Algumas das áreas planas que são dadas hoje como ótimas de se ocupar estão sobre esses leques. Compostos em profundidade por muita areia, blocos de rocha e, às vezes, até antigos troncos de árvores. Eles são a natureza nos dizendo: tomem cuidado, aqui tem passado a rota de muita corrida de detritos. A grande dificuldade de compreensão dessas coisas decorre dos diferentes calendários por que se orientam e se comportam o homem moderno e a natureza geológica. “Ahh…, mas minha família conhece isso aqui há mais de 100 anos e nunca aconteceu coisa parecida…”. O que são 100 aninhos para a Mãe Terra?
É possível que com o histórico das chuvas que caíram na região serrana nobre do Rio houvesse um grande evento natural de escorregamentos e corridas, mesmo sem a intervenção do homem. Como em 1967 aconteceu em Caraguatatuba e Serra das Araras. O homem potencializa e transforma, por sua presença, esses eventos em tragédias, como essa que estamos assistindo. De tantos em tantos anos, sabemos lá quantos, há a probabilidade de ocorrência de trombas d’água concentradas como essas. Não há nada de novo no quartel geológico de Abrantes.
Pode-se então perguntar, vamos tirar Teresópolis, Nova Friburgo e outras cidades serranas do lugar e botar em outro? Em parte sim, aliás já propus aos amigos locais pensar em extensão urbana que seria a Nova Nova Friburgo. mas o essencial é organizar essas cidades espacialmente e em procedimentos de defesa civil em função exata do meio físico que elas ocupam.
Nada de culpar a Natureza, com suas encostas e suas chuvas, ao menos nós geólogos não podemos proporcionar essa saída para a irresponsabilidade geral com que se lida com o meio físico geológico, temos que dar um passo adiante, sermos mais ousados em nosso papel de profissionais compromissados com a boa técnica e com os interesses da sociedade brasileira.
Grande abraço aos amigos e companheiros de jornada,
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS, geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da divisão de geologia. É autor, entre outras obras, de “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”.
Artigo enviado pelo Autor e publicado no EcoDebate, 18/01/2011
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Ótimo artigo, mas cadê as fotos…
Caro Ewerton,
De fato, a edição omitiu as fotos, o que já foi corrigido. Gratos pela ajuda.