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Ocupação do solo: Instrumentos criados pelo Estatuto da Cidade há 10 anos ainda não são utilizados

Cidades ignoram dispositivos para viabilizar moradia em área segura – Em geral, eles permitem às prefeituras taxar de forma progressiva e até desapropriar imóveis que são subutilizados

A maioria dos municípios do país ignora os instrumentos criados há dez anos pelo Estatuto da Cidade para regular a ocupação do solo.

A lei federal, de 2001, cria dispositivos a serem usados pelas prefeituras para combater a especulação imobiliária e viabilizar moradias populares em áreas seguras. Reportagem de Claudia Antunes, na Folha de S.Paulo.

Muitos imóveis atingidos pelos deslizamentos e cheias na região serrana do Rio ficavam em áreas de risco.

A conclusão é dos urbanistas que coordenaram estudo encomendado pelo Ministério das Cidades para avaliar 526 planos diretores no país -92 deles em SP e 28 no Rio.

No papel, até houve avanços, com a inclusão desses dispositivos nos planos diretores, mas menos de 20% deles preveem prazos para aprovar leis complementares que permitam a aplicação. Na maioria dos casos, essas leis não foram aprovadas.

“Existem raríssimos casos de aplicação efetiva dos instrumentos”, diz Orlando Alves dos Santos Jr., coordenador nacional do estudo.

Um dos instrumentos, as Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), é essencial para evitar que os mais pobres sejam empurrados para periferias urbanas e áreas de risco.

Ele reserva áreas no espaço urbano para casas populares e permite que famílias pobres morem perto do centro ou de locais estruturados.

Outros dispositivos ignorados são o Peuc (Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios) e o IPTU progressivo no tempo. Essas regras preveem taxações maiores com o passar do tempo e até a desapropriação de imóveis parados, à espera de valorização no mercado.

Anderson Kazuo Nakano, do Instituto Pólis, responsável pelo relatório paulista, aponta duas cidades em SP onde a aplicação das regras foi iniciada ou regulamentada: a capital e Santo André.

MINHA CASA, MINHA VIDA
O aquecimento imobiliário, com o aumento do crédito e o programa Minha Casa, Minha Vida, agravou a situação. Nas regiões metropolitanas, terras para moradias de famílias com renda de até três salários mínimos são raras e, em geral, na periferia.

Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para o Direito à Moradia, afirma que prefeituras e Câmaras Municipais acabam não utilizando os dispositivos porque eles causam muito conflito com donos de imóveis e representantes do setor imobiliário.

Premiado, plano de Friburgo fica no papel

Nova Friburgo, com o maior número de vítimas das chuvas no Estado do Rio, exemplifica a dificuldade dos municípios de tirar do papel os instrumentos de regulação do uso do solo.

Aprovado em dezembro de 2007, o plano diretor da cidade é um dos melhores do Estado, segundo a doutoranda da UFRJ Cíntia Viana, que analisou o documento em estudo encomendado pelo Ministério das Cidades.

Em 2008, o plano ganhou um prêmio de “melhores práticas” municipais da Caixa Econômica Federal, devido ao “caráter participativo” de sua elaboração. No documento, as Zeis (Zonas de Especial Interesse Social) foram demarcadas para a regularização de ocupações irregulares e para a construção de casas populares próximas ao centro da cidade.

Mas parte da legislação para regulamentar o plano ainda não foi aprovada pela Câmara Municipal.

Isso inclui uma lei de parcelamento e uso do solo, que permitiria a notificação de construção obrigatória e a cobrança do IPTU progressivo (que aumenta a cada ano em que imóveis e terrenos deixam de ser usados de modo adequado).

A cidade continua regida por lei municipal de 1988, que não incorpora o princípio da função social da propriedade contido no Estatuto da Cidade.

A Folha não conseguiu ouvir o secretário municipal de Urbanismo, Luiz Cláudio Ferreira, sobre o caso. Em 2009, quando o prefeito Heródoto Bento de Mello (PSC), hoje licenciado, tomou posse, seu gabinete culpou disputas entre a antecessora, Saudade Braga (PSB), e a Câmara pelo atraso. (C.A.)

ESTATUTO DA CIDADE

O QUE É?
Lei federal, cria dispositivos para regular o uso do solo. Obriga cidades com mais de 20 mil habitantes a ter um plano diretor para organizar o crescimento urbano

PRINCIPAIS DISPOSITIVOS

ZEIS
As Zonas Especiais de Interesse Social garantem casas populares em área urbana estruturada. Evita moradias em áreas de risco e o aumento das periferias

PEUC
O Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios obriga donos de imóveis urbanos a dar-lhes utilização sob pena de perdê-los

IPTU-PT
O IPTU Progressivo no Tempo prevê taxações maiores com o passar dos anos de imóveis urbanos mal utilizados

EcoDebate, 18/01/2011


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