Sem preconceitos, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] Tem essas resoluções de ano novo, aliás é para isso que deve servir essa data, para cada um refletir no que pode fazer de melhor nesta época, quer dizer, de agora em diante. Na falta de uma questão urgente e drámatica (como por exemplo seria um problema grave de saúde a ser cuidado), pensei em uma tarefa permanente de evolução, que é identificar e rever os próprios preconceitos.
Vamos partir do pressuposto que você, pessoa inteligente, sabe que todo mundo tem alguma forma de preconceito, por mais difícil que seja admitir isso. Confesso que tenho preconceito contra revista de telenovelas, daquela que anuncia um mês antes “Clara vai matar Totó” ou que “o Totó vai ressuscitar”. Eu já não vejo novelas, prefiro livros ou filmes, mas admito que há algumas belas atuações de atores e atrizes, algumas boas tramas, eu posso não acompanhar mas reconheço que é uma forma importante de arte popular. Já revista de fofoca de personagem fictítico, me explica, serve pra que mesmo ? Taí um preconceito claro, eu desvalorizo adeptos de revistas de telenovelas.
É possível achar justificativas para preconceitos e os chamar de “valores culturais”, mas há uma diferença ética entre valores e preconceitos, mesmo que seja sutil. Ser contra a violência, por exemplo, não é preconceito, é um valor porque defende o direito à paz. Ser contra revistas de fofocas, admito, não é um valor, é ser contra a diversão de milhões de pessoas que tem aí um entretenimento barato e uma forma de sofrer menos com os problemas reais e mais com os imaginários. Afinal, se eu acho graça em jogar videogame com meu filho, qual a diferença então, porque a minha forma de prazer fictício seria melhor que outras ?
O fato é que em questões pequenas e aparentemente irrelevantes como essas há um mundo de costumes, crenças, hábitos e opiniões cotidianas que mexem com as emoções das pessoas. Muitas brigas familiares, ou entre colegas de trabalho ou grupos de amigos, surgem de “detalhes tão pequenos de nós dois”, como diria o Roberto Carlos. Uma reflexão inteligente sobre preconceito é a de Nicollo Maquiavel, ao dizer que “os preconceitos tem raízes mais profundas que os princípios”, quer dizer, não são algo que escolhemos conscientemente, são muitas vezes interpretações que adquirimos da família ou do meio social em que vivemos (aliás, Maquiavel sofreu preconceito por ter descrito o poder como realmente é e não como deveria ser). De fato, se eu tentasse identificar eu saberia quem iria rir de mim se me visse procurando notícias sobre a Clara e o Totó. É o caso de eu concordar com essas pessoas, ou me rebelar e me aliar com as que defendem o valor social e terapêutico da telefofoca.
Pensando bem não é fácil o propósito de não ter preconceitos culturais, o que me garante que eu não estaria tendo preconceitos contra os críticos, cujo papel é justamente tentar defender valores mais elevados para a nossa cultura ? Mas Susan Sontag, uma das melhores críticas americanas, criou uma tese “contra a interpretação”, para liberar a cultura do “reducionismo” dos críticos que agem como proprietários do saber. Afinal, quem está certo?
Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 07/01/2011
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Hoje por exemplo, sua grande indignação pelas boas mentes brasileiras que são alienadas em dizer que “telefofoca” são um meio de cultura. Muitos dos que gostam disto, não gostam de pegar um livro, de apreciar uma arte ou de compreender o x da questão. São pessoas que jamais leriam esse seu artigo, e agem como se futebol e novela fosse o novo coliseum e o telefofoca e seus derivados fossem o pão e o vinho que os prendem e mantém a platéia concentrada e as mantém manipulada para que seus ideais, seus conceitos, seus valores culturais não lhe façam questionar o mundo e seja confortante viver assim. Tudo oque podemos fazer e deviamos fazer é criar nossos filhos para que não fossem assim e esperar que eles pudessem passar a diante.