Mulheres respondem por 66% do consumo no país, o que equivale a R$ 1,3 trilhão por ano
Com a maior participação das mulheres no mercado de trabalho, elas já respondem por 66% do consumo no Brasil. Em cifras, esse poder de decisão nas compras de casa e da família representa R$ 1,3 trilhão em gastos por ano, segundo a empresa de pesquisas Sophia Mind. É o décimo maior mercado feminino do mundo e que tem potencial para crescer ainda mais.
– A renda da mulher continuará a crescer e, com isso, seu poder de decisão sobre as compras. Das empresas de alimentação que tradicionalmente já falam com as mulheres a novos nichos, como bebidas, planos de saúde e seguro de carro, há uma demanda crescente para o público feminino – afirma Bruno Maletta, da Sophia Mind. Reportagem de Fabiana Ribeiro, em O Globo.
As solteiras têm fôlego para gastar mais em produtos e serviços, disse Maletta. Diferentemente da solteira do início do século passado, lembrou ele, a prioridade hoje está na carreira e não em casar.
– Elas têm uma renda “ociosa” que não pode ser negligenciada pelo varejo. Estamos falando, especialmente, de um grupo de 30 anos, que já está no mercado de trabalho há algum tempo, tem mais anos de estudo, tem bom salário e não tem filhos. Muitas ainda moram com os pais. Os gastos são para elas.
Aos 24 anos, Paula Guedes estuda Relações Internacionais e faz um estágio na sua área. Com renda mensal de cerca de R$ 2.500, não tem entre suas prioridades o casamento – mas sim a sua carreira. Sem filhos e morando sozinha, Paula se permite gastar com grifes de roupa, maquiagem e serviços de beleza.
– Com namorado, tem que se cuidar, né?
Rotina bem diferente tem Dilma de Medeiros. Chega ao seu trabalho por volta das 8h, malha na hora do almoço “para ficar bonita para o marido” e volta para a casa às 19h. A analista de sistemas faz parte de um contingente de mulheres que trabalha mais do que o seu companheiro. Hoje, 32% das brasileiras têm jornada maior dos que a de seus maridos, mostra a pesquisa da Sophia Mind, que ouviu cerca de 14 mil mulheres. O que quebra, em parte, um mito de que a distância entre os ganhos deles e delas – ainda enorme – se explica pelas horas a menos no serviço.
– O Cláudio é representante comercial, não precisa cumprir horário. Outro dia, fui trabalhar e ele foi à praia. Eu tenho horário e até trabalho fim de semana quando necessário. Mas, como ele ganha mais do que o dobro do que eu, arca com as maiores despesas – disse Dilma, que, em casa, como a maioria das mulheres casadas e com filhos, tem pouco tempo para ela. – Eu chego em casa e nem troco de roupa. Brinco com eles, conto historinha, ponho para dormir, e aí vou tomar banho e ficar um pouco com o Cláudio.
Mulheres são chefes de família em 35% dos lares
Dilma é exceção a esta regra, já que mulheres trabalham, segundo o IBGE, em média menos horas semanais (36,5 horas) que os homens (43,9). Mas foge à regra somente neste item. Mesmo ocupadas fora de casa, as mulheres ainda são as responsáveis pelos afazeres domésticos: elas dedicam em média 22 horas semanais a essas atividades contra 9,5 horas dos homens ocupados.
A pesquisa do Sophia Mind mostrou ainda que 22,8% das mães de filhos pequenos de até 2 anos trabalham mais do que seus companheiros fora de casa. Entre as moças sem filhos, essa média sobe para 38,1%. A maior carga de trabalho fora de casa, entretanto, não tira da mulher a responsabilidade pelos afazeres domésticos.
– Ainda quando ela trabalha mais, as responsabilidades de casa continuam com ela, como cuidar da roupa ou da alimentação – disse Bruno Maletta, um dos responsáveis pela pesquisa e co-autor do “Poderosas consumidoras – o que pensa a nova mulher brasileira.”
Após as 22h, muitas vezes faz silêncio na casa de Maria Fernanda Figueiredo. Costumam já estar dormindo o marido e o pequeno Felipe, de 4 anos. Ao longe, apenas o barulhinho do tec-tec do teclado do computador, à medida que vai escrevendo uma de suas petições. A advogada, assim como Dilma, representa outra minoria. Dessa vez, a das mulheres que são chefe do lar – ou seja: ganham mais do que seus respectivos maridos e, por isso, pagam a maior parte das contas de casa. Hoje, segundo o IBGE, há 21,9 milhões de mulheres à frente de suas famílias: 35,17% dos lares são chefiados por uma mulher. Para alguns especialistas, divórcios ajudam a explicar parte da expansão dessa participação feminina, que em 2001 era de 27,34%.
– Às vezes, me sinto sobrecarregada, seria bom ter um pouco mais de proteção. Mas a questão financeira fica para trás quando vejo que meu marido é um companheiro e um pai maravilhoso. Sou uma mulher independente e me orgulho disso – disse Maria Fernanda, que ganha, ao menos, 50% a mais do que o marido e não deixa de cuidar dos afazeres de casa e do filho. – Levo meu filho ao médico, vou à reunião da escola, planejo o cardápio das refeições e administro as obras de casa. E ainda sou síndica do meu prédio. Mas esse corre-corre não me deixa ser negligente: o suquinho de melancia do meu marido no café da manhã é sagrado.
A economista Hildete Pereira, professora da UFF, lembra que Maria Fernanda está longe de representar a realidade do país. O rendimento delas continua inferior ao deles: as ocupadas ganham em média 70,7% do que recebem os homens. Situação que se agrava quando ambos têm 12 anos ou mais de estudo – nesse caso, o rendimento delas é 58% do deles.
– Será necessário mais de uma geração para que os salários de homens e mulheres se igualem. Para mudar esse cenário, não podemos contar apenas com o desenvolvimento econômico do país. É preciso pensar numa intervenção política para melhorar as estatísticas. Hoje, é bom lembra que uma família com mulher e filho é o retrato da pobreza do Brasil – disse Hildete, para quem as famílias de menor renda não sabem lidar muito bem com a situação de uma mulher ganhar mais que o homem.
A professora acrescentou que hoje a renda da mulher é relevante para a família: seus ganhos representam 40% do rendimento da casa.
– A mulher não trabalha mais para comprar batom. Sua renda hoje é fundamental para a sua própria família.
Segundo Ana Lucia Saboia, especialista do IBGE, a maior presença da mulher no mundo do trabalho se explica por vários fatores: o menor número de filhos, o casamento mais tardio e avanço na escolaridade. A renda menor também se explica pelo fato de que elas estão em ocupações que pagam menos – como professoras, assistente sociais e psicólogas.
– A cada 100 mulheres em idade ativa, 50 trabalham. Há duas décadas, eram 35. Hoje os homens passaram a respeitar mais as mulheres que trabalham. E isso acaba sendo outro incentivo para elas.
EcoDebate, 04/01/2011
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