TO: Operação liberta 36 pessoas de condições subumanas e análogas à escravidão em fazenda
Empregados sofriam ameaças com arma de fogo. Arroz consumido pelas vítimas na Fazenda Lago da Bezerra era armazenado com fezes de ratos e morcegos. Proprietário da área, Newton Oliveira tem hotel em Goiânia (GO)
Entre os municípios de Araguacema (TO) e Couto Magalhães (TO), na fronteira com o Pará, 36 pessoas – entre elas, quatro mulheres – eram mantidas em condições subumanas e análogas à escravidão. Reportagem de Bárbara Vidal, da Agência de Notícias Repórter Brasil.
A situação foi flagrada pelo grupo móvel de fiscalização no início deste mês na Fazenda Lago da Bezerra, propriedade de criação de gado bovino que pertence ao empresário e produtor rural Newton Oliveira. O local fica a cerca de 400 km de distância da capital Palmas (TO).
Além das jornadas exaustivas (12h diárias, com pequenos intervalos e sem recebimento de hora extra), os trabalhadores sofriam “ameaças com arma de fogo, violência verbal e assédio moral” vinculadas a exigências no cumprimento de tarefas braçais, conforme descrição do auditor fiscal do trabalho Klinger Moreira, que coordenou a ação.
O grupo de libertados vivia na região da Fazenda Lago da Bezerra e parte substantiva era de um projeto de assentamento. As trabalhadoras e trabalhadores foram recrutadas por um “gato” (como são chamados os arregimentadores de mão de obra) e já conheciam o empregador. Entre as vítimas, alguns prestavam esse tipo de serviço de preparação de pasto para a pecuária na referida área há cerca de dez anos, sempre sem registro: eram convocados e dispensados periodicamente.
Dono da fazenda, Newton permanecia no local entre 15 a 20 dias por mês e, segundo relatos, não permitia que os empregados repousassem após o almoço. Somente na ausência do proprietário, as vítimas conseguiam descansar durante por um período de 45 minutos, no máximo.
Além das jornadas exaustivas, as condições eram degradantes. Beneficiado na própria fazenda, o arroz consumido pelas vítimas estava armazenado de forma completamente imprópria, em local infestado de ratos e morcegos. As fezes desses animais podem transmitir doenças graves como a toxoplasmose e a leptospirose, que podem levar à morte.
O sal utilizado como tempero do arroz preparado pelos empregados era o mesmo que o do gado. “Não havia a menor higiene”, conta Klinger. “Só comiam carne quando algum gado morria no pasto”.
Do total de vítimas, seis estavam com registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). De acordo com depoimentos, o empregador forçava a continuidade da empreitada, mesmo depois do encerramento formal do contrato, com ameaças de retenção da guia do Seguro-Desemprego.
A fiscalização verificou ainda que mesmo os poucos registrados recebiam parte dos vencimentos “por fora” da folha de pagamento, o que fazia com que não fosse arrecadado o total de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) por parte do empregador, entre outros benefícios negligenciados. Klinger aponta também outras “graves irregularidades”, como o crime de omissão de receita, mais conhecido como “caixa 2”.
Hotel
O proprietário da Fazenda Lago da Bezerra, Newton Oliveira, também é dono do Hotel Santos Dumont em Goiânia (GO), próximo ao aeroporto internacional da cidade. Paulo Roberto, que se apresentou como secretário particular do empresário, negou, em depoimento à Repórter Brasil, que os casos tenham sido de trabalho análogo à escravidão.
A situação encontrada na divisa do Tocantins com o Pará, segundo ele, “foi uma arbitrariedade da fiscalização”. “Os trabalhadores eram assentados de uma terra em volta da fazenda e, por receber ajuda do governo, não podiam ser registrados”, completou o porta-voz.
Newton se recusou a pagar as verbas rescisórias, que somaram R$ 450 mil. A fiscalização foi concluída e a questão das responsabilidades pelo flagrante de trabalho escravo já foi encaminhada ao Poder Judiciário, que deve começar a analisar o caso em janeiro de 2011.
EcoDebate, 30/12/2010
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