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Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera): os desafios e avanços para a educação do campo

A educação do campo, historicamente, é uma pauta de reivindicação e luta entre os Sem Terra no Brasil. Faz parte de toda mobilização nacional e local que o MST faz durante suas jornadas de luta. E não é para menos: faltam escolas nas áreas de Reforma Agrária. São mais de 1 milhão de jovens do MST e no máximo 50 escolas de ensino médio construídas.  Além disso, ainda é grande o contingente de analfabetos entre camponeses e camponesas. As universidades no interior do Brasil, por sua vez, ainda são escassas. Por Mayrá Lima, da Página do MST

O quadro é preocupante, mas há perspectivas de melhoria. Em novembro deste ano, o presidente Lula assinou um decreto que institucionaliza como política pública um dos principais programas que garante a educação em áreas de Reforma Agrária, de forma a atender as necessidades do povo do campo. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) tem como objetivo a ampliação dos níveis de escolarização formal dos trabalhadores rurais assentados, além de se propor a apoiar projetos de educação que utilizam metodologias voltadas para o desenvolvimento de acampamentos e assentamentos.

Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que opera o Programa, os jovens e adultos de assentamentos participam de cursos de educação básica (alfabetização e ensinos fundamental e médio), técnicos profissionalizantes de nível médio e diferentes cursos superiores e de especialização. O Pronera capacita educadores para atuar nas escolas dos assentamentos, e coordenadores locais, que agem como multiplicadores e organizadores de atividades educativas comunitárias. Entre 2003 e 2010, mais de 360 mil jovens e adultos foram beneficiados com as ações do Programa.

No entanto, o Pronera também passou por algumas dificuldades. Em 2008, o Tribunal de Contas da União (TCU) desautorizou a celebração de convênio por parte do Incra com as secretarias estaduais e municipais de educação e entidades privadas. Mais de 40 projetos aprovados não puderam ser executados pelo Programa, em sua maioria cursos de alfabetização e escolarização básica de jovens e adultos. A autorização final só veio em dezembro deste ano. A estimativa do Incra é que pelo menos cinco mil pessoas em todo o país devem ser atendidas com a autorização dos convênio.
Em entrevista à Página do MST, a coordenadora nacional do Programa, Clarice dos Santos, explica a importância do Pronera para o conjunto dos camponeses e camponesas e suas perspectivas para esta nova fase, enquanto política pública instituída.

Qual a importância do Pronera para a consolidação de uma educação de qualidade no campo?

A importância do Pronera pode e deve ser medida de acordo com o seu significado para a elevação do nível cultural da população do campo, por meio do acesso ao conhecimento necessário às mudanças no processo de desenvolvimento dos assentamentos e das famílias, mas também para o incremento da capacidade de organização social das famílias. O projeto de educação que move o Pronera e o conceito de qualidade que ele pretende imprimir aos projetos educacionais deve estar alicerçado nestas duas bases.

É por isso que é um programa de educação na Reforma Agrária, cujo objetivo é fomentar processos educativos vinculados aos processos produtivos, vinculado ao debate do projeto de campo e de vida que os camponeses querem desenvolver e implementar.

Por ter esta intenção, e por ter um desenho institucional que permite inovações no campo pedagógico, o Pronera acaba sendo um laboratório para novas metodologias, novas formas de organização do processo educativo e novos conteúdos para a educação dos povos do campo.

Qual é o diferencial que o Pronera oferece para os camponeses e camponesas?

Seguindo no raciocínio, a especificidade do Pronera, o que o distingue das demais políticas públicas de educação, é que ele se desenvolve com a participação direta dos movimentos sociais como sujeitos educativos, realizando aquilo que a própria LDB já estabeleceu, no seu art. 1º: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”

Esta participação está assegurada desde a mobilização das necessidades formativas para dentro das instituições de ensino, que as acolhem, estabelecem um diálogo (embora nem sempre fácil, porque complexo) e deste diálogo, destas negociações é que nasce o projeto pedagógico dos cursos que são apresentados para receber o apoio do Pronera. Ou seja, está assegurada, no processo, a legitimidade desta dinâmica da negociação entre os demandantes e quem tem condições de atender a tais demandas, no caso, o poder público, mediado pelas instituições de ensino.

Além disso, na execução dos projetos, a exigência de que os cursos sejam desenvolvidos por meio da alternância dos tempos educativos tem assegurado as condições de acesso e permanência dos trabalhadores rurais nos cursos. Assim eles podem combinar o tempo que devem estar nos assentamentos, trabalhando, e o tempo que devem dedicar aos estudos, nas universidades ou nas escolas técnicas. No tempo que permanecem na escola, têm cobertura do programa para hospedagem, alimentação, transporte e material didático.

Qual o balanço do programa durante o Governo Lula? Houve mais incentivos?

O governo Lula nos deu a segurança que o Programa necessitava para se consolidar, pois no período anterior o Programa era operado numa condição de fragilidade institucional e orçamentária, tinha recursos na base da pressão.

No primeiro mandato do Governo Lula, o Pronera se instituiu como uma ação no Plano Plurianual, o que foi fundamental para ter recursos destinados no orçamento da União. Em termos de orçamento, iniciou com R$ 9 milhões em 2003 e em 2010 teve R$ 70 milhões no orçamento.

Outro avanço importante foi a parceria que estabelecemos com o CNPq para a concessão de bolsas de pesquisa para os coordenadores e estudantes dos cursos.

Em 2009, aprovamos o Pronera em lei, pelo Congresso Nacional e agora, no final de 2010, durante o IV Seminário Nacional do Pronera, o presidente Lula assinou o Decreto 7.352, que trata da educação do campo e institui formalmente o Pronera no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), executado pelo Incra. Isso significa que o Pronera compõe a política de educação do campo, mas preserva sua especificidade de política pública de educação vinculada à Reforma Agrária.

E isso é uma inovação importante: um governo reconhecer que há processos educativos formais que não necessariamente passam pelo sistema educacional, pelo regime de colaboração, mas passam por outras instâncias do Estado que têm condições diferenciadas de gestão, porque lidam no cotidiano com questões que são do mundo dos camponeses, que nem sempre as políticas universais são capazes de absorver.

Oxalá avancemos no próximo período para que as políticas universais tornem-se cada vez mais abertas a tais inovações. Do meu ponto de vista, esta é uma condição fundamental para melhorar os índices de escolaridade no campo. Que o sistema educacional se abra para novas formas de organizar os processos educativos escolares, fora do desenho quadrado das escolas que conhecemos.

O Pronera, através de muita mobilização, virou uma política pública de fato. No que precisamos avançar para que o programa seja cada vez mais efetivo?

Nós precisamos consolidar nossas parcerias com aquelas instituições que historicamente estiveram junto do Pronera desenvolvendo projetos, mas que foram penalizadas, no último período, por um processo de desautorização para a execução de novos projetos, provocado por um Acórdão do TCU.

Precisamos também ampliar as parcerias para mais e novas instituições que dêem conta de atender as imensas necessidades educacionais das populações do campo, especialmente a rede federal de educação profissional e tecnológica, por meio dos Institutos Federais. Nós enxergamos nesta rede um grande potencial de avanço, pela própria natureza dos institutos. Já temos parceria com o IF do Paraná, com o IF Sertão/RS, IF do Pará-Campus Marabá, com várias turmas de Técnico em Agroecologia, e já estamos em tratativas com vários outros IF´s.

Para que isso se efetive, precisamos aperfeiçoar os mecanismos de gestão pública para os programas educacionais, não somente para o Pronera. Especialmente na gestão dos instrumentos de parceria com as instituições públicas de ensino, estaduais, municipais ou federais, pois as normas que regem convênios com instituições de ensino públicas distinguem pouco estas instituições das empresas privadas que vendem serviços educacionais no mercado. Isso se constitui num grande atraso na implementação dos projetos, pois há casos em que um processo de autorização para convênio roda dois anos na burocracia, entre idas e vindas de um lado para o outro. Neste ritmo, não se enfrenta analfabetismo, não se enfrenta baixos índices de escolaridade, não se constrói escolas no campo.

Educação é um direito que o Estado deve assegurar. Educação não é um serviço comum, como é a construção de uma ponte, de estradas, ou a compra de material de construção. Obviamente devem-se preservar os cuidados na execução dos recursos públicos, mas tem de receber um tratamento diferenciado na sua execução.

Recentemente, o TCU autorizou o governo federal a firmar convênios com entidades estaduais e municipais da área de educação visando à promoção de cursos de alfabetização de jovens e adultos, formação técnica e de nível superior. O que essa decisão significa na concepção e execução do Pronera?
A autorização do TCU se deu como resposta a um recurso do Incra a um Acórdão emitido pelo TCU  em novembro de 2008. Este documento generalizou uma situação específica, na auditoria sobre um convênio específico, na forma de proibição de que se firmassem convênios na execução do Pronera. Ao invés disso, o TCU determinou que se fizesse por meio de contrato, precedido de licitação, como se educação fosse serviço comum.

Em razão desta decisão, nós ficamos dois anos sem fazer novos convênios, o que estancou uma demanda de mais de 50 projetos já aprovados. Isso significou que deixaram de entrar, para um processo formal de educação cerca de 10 mil jovens e adultos. Isso impactou profundamente o Programa.

Graças à mobilização do Incra junto com as universidades e os parlamentares que conhecem e reconhecem a importância do Programa, obtivemos um novo Acórdão que nos autoriza a realização de convênios, mas mantém a restrição à participação dos movimentos sociais na execução dos mesmos.

Isso se constitui também em desafio para as instituições do Estado: avançar na compreensão do significado da participação do público beneficiário no controle social dos programas governamentais, pois é o controle social a condição para a boa e regular aplicação dos recursos públicos, como determina a própria legislação que rege os Conselhos do Fundeb, por exemplo, e outros Conselhos. A legislação brasileira já avançou bastante em relação a tais questões, mas é preciso que os órgãos de controle também reconheçam este avanço.

Nossa expectativa e nosso esforço é efetivar estes novos convênios em 2011, de modo a quadruplicar o número de jovens e adultos camponeses em processo de escolarização e formação por este País afora. A isso nos dedicaremos no próximo período.

EcoDebate, 29/12/2010

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