2010, Política. Ciclo Lula: Do pós-Consenso de Washington ao modelo neodesenvolvimentista
Lula e o Pós-Consenso de Washington
Neodesenvolvimentismo. A reorganização do capitalismo brasileiro
Lulismo. Um projeto sem rupturas e pluriclassista
Política. Ciclo Lula. Do pós-Consenso de Washington ao modelo neodesenvolvimentista
O ano de 2010 encerra o ciclo de oito anos de Lula no poder. Eleito em 27 de outubro de 2002, a vitória de Lula – naquela que foi considera a primeira eleição brasileira pós-década neoliberal – foi saudada como a possibilidade de uma ‘refundação do Brasil’, o início de uma ‘Nova Era’ [n.1] e ‘uma reação ao Consenso de Washington’ [n.2]. Passados oitos anos do governo Lula assistiu-se de fato a uma ‘refundação do Brasil’? O governo Lula significou uma ruptura ao Consenso de Washington e inaugurou uma nova Era? O balanço dos oitos anos do governo Lula foi objeto de análise ao longo do ano em várias ‘Conjunturas da Semana’ postadas regularmente no sítio do IHU.
A nossa interpretação é a de que Lula não rompeu efetivamente com o neoliberalismo, porém, reorientou o modelo econômico em curso e reorganizou o capitalismo brasileiro transitando do Consenso de Washigton para um modelo que denominamos de neodesenvolvimentista. Quanto à inauguração de uma nova Era apenas o tempo dirá o papel de Lula na história brasileira, mas já indicativos que permitem a expressão Era Lula – contidos no fenômeno do lulismo.
A nossa interpretação é de que a primeira década do século XXI no Brasil será, provavelmente, identificada daqui a alguns anos como o período em que se processou a segunda revolução silenciosa no país. A primeira deu-se na Era FHC e significou o desmonte da Era Vargas – a brutal transferência de ativos do Estado para o mercado. Essa segunda revolução silenciosa – protagonizada pelo governo Lula – colocou em marcha a formação de uma nova maioria econômica e política.
No bojo da revolução silenciosa conduzida pelo governo Lula assistiu-se a uma reconfiguração do capitalismo brasileiro. Ao projeto econômico de corte neoliberal do governo anterior intitulado de ‘inserção subordinada à economia internacional’, o governo Lula respondeu com a retomada do modelo econômico ‘nacional-desenvolvimentista’, com significações semelhantes e distintas daquele adotado a partir dos anos 30, como veremos.
O modelo neodesenvolvimentista de Lula, como destacamos em várias análises ao longo de 2010, caracteriza-se por três vertentes: pelo Estado financiador que, utilizando o seu banco estatal, o BNDES, exerceu o papel de indutor do crescimento econômico fortalecendo grupos privados em setores estratégicos; pelo Estado Investidor responsável pelo investimento em mega-obras de infra-estrutura que se manifestou no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e pelo Estado Social – a retomada do papel do Estado como provedor de políticas sociais, sobretudo de mitigação da pobreza, dentre as quais o Bolsa Família é a mais emblemática.
A segunda revolução silenciosa que se processa no governo Lula caracteriza-se ainda pelo reposicionamento do Brasil na geopolítica mundial. Se no período FHC, a presença do Brasil no exterior era raquítica, viu-se a elevação do Brasil à condição de potência e sua transformação num global player. O país assumiu definitivamente o papel de nação estratégica – política e econômica – no continente latino-americano e fez-se ouvir nos grandes fóruns internacionais. De mero coadjuvante passou a importante protagonista nos debates de fundo da sociedade mundial.
Para uma melhor compreensão do caráter e significado da segunda revolução silenciosa protaganizada pelo Ciclo Lula no poder, destacamos em nossas análises o que difere e permanece do atual período em relação ao anterior.
Lula e o Pós-Consenso de Washington
O governo Fernando Henrique Cardoso passou para a história brasileira como o governo que imprimiu ao país o modelo econômico caracterizado pelo trinômio liberalização, privatização e desregulação. A Era FHC assumiu características de uma verdadeira revolução silenciosa. Os anos em que FHC governou foram os anos dourados do neoliberalismo, nos quais o capitalismo brasileiro passou por uma profunda reviravolta caracterizada pela brutal transferência de ativos do Estado para o mercado. Compreender esse período é importante para entender o caráter da nova revolução silenciosa em curso nessa década, agora sob a hegemonia finda do governo Lula.
A essência dos acontecimentos dos anos 90 exige o recuo para a década de 80. Os anos 80 foram considerados a década perdida na economia mundial. No Brasil a economia ficou estagnada, aumentou a recessão e o desemprego. Uma das propostas para se combater a crise econômica e retomar o crescimento foi apresentada num paper redigido por John Williamson [n.3] em 1989.
Neste documento, o economista listava algumas recomendações dirigidas aos países dispostos a reformar suas economias para voltarem a crescer. Entre os principais pontos recomendados destaca-se a adoção de uma rigorosa disciplina fiscal, a abertura comercial, a busca por investimentos estrangeiros e as privatizações. O conjunto dessas políticas conhecidas como o Consenso de Washington defendia na essência a retirada do Estado das atividades produtivas e a total liberdade ao mercado.
Cinco anos depois do lançamento do Consenso de Washington, em 1994, Fernando Henrique Cardoso assume a presidência do Brasil e adota com vigor a agenda do ‘Consenso’ e inicia uma ‘revolução silenciosa’ no capitalismo brasileiro. A reorganização do capitalismo brasileiro realizada no governo FHC significou uma ruptura com o modelo de desenvolvimento que se desenhou no país a partir dos anos 30 – a Era Vargas – no qual o Estado jogou um papel decisivo. A agenda fundada no período FHC se orienta pelo trinômio: abertura econômica, privatização e desregulamentação do Estado.
O PSDB impulsionou a metamorfose de um Estado empresário para um Estado regulador – na visão dos tucanos condição necessária para o retorno do crescimento econômico e para que o país pudesse se inserir de forma competitiva no mercado internacional. Em poucos anos promoveram-se alterações constitucionais significativas, a mais importante foi a reformulação do capítulo constitucional sobre a economia. O Estado deixou de ser o principal indutor da economia e delegou esse papel para o mercado.
Os anos 90 ficaram conhecidos como a década neoliberal e significaram a capitulação e a rendição ao receituário neoliberal, ou ainda, a vitória do mercado e do pensamento único. Os dois mandatos de FHC (1992-2002) aprofundaram as orientações do Consenso de Washington: desregulação do Estado, quebra de monopólios, venda de empresas estatais, tentativas reiteradas de desmonte da CLT. O país tornou-se o paraíso para investimentos internacionais que assumiram o filé mignon de setores estratégicos (finanças, telefonia, mineração, energia). Paralelo a esse processo de desfibração do Estado, os movimentos sociais passaram a ser criminalizados e desqualificados como forças reacionárias contrárias à modernização do país.
Os anos FHC redundaram em mais uma década perdida sob a perspectiva do crescimento econômico. O modelo econômico da inserção competitiva na economia internacional fracassou, revelou-se como integração passiva e foi derrotado nas eleições de 27 de outubro de 2002.
Com a chegada de Lula ao poder – vista mundo afora com enorme expectativa – aguardava-se a possibilidade de se trilhar outros caminhos à ortodoxia neoliberal e adoção de um projeto de nação de caráter nacional popular. Lula, porém, logo no início do seu governo em 2003, passa a sofrer enorme pressão exercida, sobretudo, pelo mercado financeiro.
Lula assume e dá um “cavalo-de-pau na economia” [n.4] ao inverso do que se esperava e radicaliza ainda mais a ortodoxia monetária. Por ‘cavalo-de-pau’, entenda-se o aumento da taxa de juros de 25% para 25,5% e depois 26,5%. O aumento do superávit primário de 3,5% para 3,75% e posteriormente para 4,25%, e cortes no orçamento no montante de R$ 14 bilhões que chegaram a atingir a área social. O ‘cavalo-de-pau’ foi dado com receio de que a crise econômica se agravasse com a inflação recrudescendo, o dólar a US$ 4,00 e o risco Brasil aumentando. Porém, ainda antes, o PT tratou logo de acalmar o mercado financeiro nomeando para a presidência do Banco Central, o banqueiro Henrique Meirelles (ex-presidente internacional do Banco de Boston). A indicação de Meirelles foi sinalizada em Washington (EUA) na primeira viagem de Lula aos EUA.
O PT, para justificar a guinada na política econômica, invocou a ‘Carta ao Povo Brasileiro’ [n.5]. O documento escrito às pressas, mas calculadamente nas eleições de 2002, reafirma o compromisso do governo Lula em honrar os pagamentos com os credores. Ficou evidente que a orientação político-econômica do governo Lula imprimida em seu governo foi a manutenção da macroeconomia do governo anterior, tendo como pilares a disciplina fiscal e monetária. Os sinais foram abundantes: aumento na taxa de juros, aumento do superávit primário, cortes no orçamento que atingiram a área social, renovação do acordo com o FMI, entre outros.
Essa guinada do PT na política econômica surpreendeu a muitos, inclusive instituições internacionais. Vinod Thomas, diretor do Banco Mundial para o Brasil na época, não escondeu sua admiração pelo novo governo: “nos primeiros meses, Lula mostrou, até mais que a ênfase no social, a responsabilidade macroeconômica”.
A possibilidade de se juntar o social com a ortodoxia econômica passou a ser denominada de pós-Consenso de Washington. Nas palavras de Vinod Thomas, a definição: “Acho que já existe uma nova direção que considera os pontos do Consenso de Washington (ajuste fiscal, privatização, desregulamentação) como um componente específico dentro de algo mais amplo. A crítica que se faz é a de que o Consenso de Washington sozinho não é apenas insuficiente, mas contraproducente. Porque, se a parte social não muda, não se consegue nem as melhorias econômicas pretendidas pelo Consenso de Washington. Então o pós-Consenso de Washington, ou, para alguns, o novo Consenso de Washington, seria o social junto com a economia e a política, e não depois”, disse o diretor do Banco Mundial.
É o que Lula fez nesses oitos anos, com distinções entre o primeiro e o segundo mandato. No primeiro viu-se uma prevalência no ajuste fiscal e monetário e, no segundo, passou-se a recuperação do papel do Estado. Manifestação do sucesso pós-Consenso de Washington é o fato de que Lula passou a ser citado como exemplo pelo FMI e pelo Banco Mundial e circulou com desenvoltura pelo Fórum Social Mundial e pelo Fórum Econômico Mundial (Davos).
Neodesenvolvimentismo. A reorganização do capitalismo brasileiro
O segundo mandato de Lula significou uma transição da subordinação dos ditames do Consenso de Washington – sem romper totalmente – para afirmação de um modelo onde o Estado recupera o seu papel protagonista. Esse modelo que chamamos em nossas análises de modelo neodesenvolvimentista significou também uma reorganização do capitalismo brasileiro. Como destacamos anteriormente, o neodesenvolvimentismo de Lula fez-se através de um tripé: Estado financiador; Estado investidor e Estado social.
A síntese do Estado-financiador é descrita por Luciano Coutinho, presidente do BNDES: “Empresas brasileiras competentes e competitivas devem merecer o apoio do BNDES para se afirmarem internacionalmente”. No jargão econômico, o BNDES elege os seus “campeões nacionais” e joga pesado para torná-los competitivos. Nessa perspectiva, a principal característica do capitalismo brasileiro hoje é a ativa participação do Estado na constituição de novos ‘global players’ em diferentes ramos da atividade econômica.
Na telefonia, na petroquímica, na alimentação, papel e celulose, entre outras áreas, o governo articulou a entrada do BNDES e dos Fundos de Pensão para viabilizar corporações nacional de capital privado com capacidade de disputa no mercado internacional. Também no setor sucroalcooleiro o governo financiou pesadamente usinas para a produção do etanol; apenas nesse, o banco estatal de fomento identificou 89 projetos de novas unidades, das quais 51 já estão em andamento.
O governo realizou ainda aporte de recursos regulares na Vale do Rio Doce e Embraer, entre outras. A lógica, como destacado anteriormente, é o da criação de empresas nacionais fortes, competitivas, com escala de produção suficiente para lhes dar um papel relevante no mercado mundial.
Sobre a ação do BNDES, poder-se-ia dizer que Lula reedita o governo Vargas e JK. Porém, atente-se para o fato de que o nacional-desenvolvimentismo praticado pelo governo Lula é distinto do praticado na Era Vargas. No período anterior, os investimentos realizados pelo Estado constituíram a formação de um capital produtivo sob o controle do próprio Estado. Foi assim que surgiu a CSN, a Companhia Vale do Rio Doce, a Petrobras, a Eletrobrás, o sistema Telebrás. Foram essas empresas que possibilitaram a modernização – conservadora – do país e o alçaram a uma das potências econômicas mundiais. O nacional-desenvolvimentismo de Lula mudou de coloração. Ele presta-se antes de tudo ao fortalecimento do capital privado. Trata-se do capitalismo sem risco, em que o governo banca o “negócio”.
Ao lado do ‘Estado financiador’ na criação e/ou fortalecimento de grupos de capital privado nacional, o governo Lula apostou em outra vertente do nacional-desenvolvimentismo, através do ‘Estado investidor’. A vertente do ‘Estado investidor’ se manifestou no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – um conjunto de grandes obras de infra-estrutura para alavancar o crescimento econômico do país. Entre as principais, encontra-se a construção de hidrelétricas – Belo Monte; Santo Antônio e Jirau –, a transposição do Rio São Francisco, a retomada do programa nuclear, a construção e/ou duplicação de rodovias, como a polêmica BR 319. Há ainda investimentos em ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, saneamento e habitação popular.
Ao lado do Estado financiador e investidor, o modelo neodesenvolvimentista de Lula retomou o papel do Estado como indutor da mitigação da miséria e da superação da desigualdade. Incluem-se aqui uma série de programas, dentre os quais, o mais emblemático é o Bolsa Família.
Lulismo. Um projeto sem rupturas e pluriclassista
A segunda revolução silenciosa também tem outra faceta: a política. A chegada do PT ao Estado não significou rupturas com o status quo anterior. Pelo contrário, poder-se-ia afirmar que o PT no poder desconstruiu a hegemonia – no sentido gramsciano – que anteriormente conquistou na sociedade.
O modelo neodesenvolvimentista conduzido por Lula não significou uma ruptura com os setores grão-burgueses nacionais e transnacionais. O capital produtivo e financeiro, o agronegócio, os banqueiros, os empreiteiros continuaram estão entre os maiores ganhadores no período. Lula conduziu o modelo neodesenvolvimentista de forma pluriclassista.
Na análise do sociólogo Werneck Vianna, Lula evoca o Estado Novo do período getulista. “Qual foi a operação que o Estado Novo getuliano fez? Exatamente esta: tudo o que era vivo na sociedade ele trouxe para si. Tal como agora. Trouxe para si e, de cima, formula políticas para a sociedade”, diz ele. Segundo o sociólogo, “um governo que absorve as representações corporativas de trabalhadores e empresários, com um chefe de Executivo carismático a mediar interesses conflitantes, fortalecido pela crescente centralização do Estado”. “Ele [Lula] tem força, carisma, para segurar essa colcha e essa federação é boa para todos”.
A força de Lula substituiu o debate programático, fragilizou o PT e deu origem ao denominado fenômeno lulismo.
Dentre as várias análises, interpretações e explicações do que vem a ser o lulismo, reproduzimos, em análises desse ano, uma síntese do ensaio de André Singer intitulado “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”.
Na essência, o lulismo caracteriza-se pela forte ligação dos pobres com a figura de Lula. Singer utiliza a categoria marxista subproletariado. Segundo ele, subproletários são aqueles que “oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais”. Estão nessa categoria “empregados domésticos, assalariados de pequenos produtores diretos e trabalhadores destituídos das condições mínimas de participação na luta de classes”. Em síntese, o subproletariado, reúne aqueles que se encontram em condição inferior aos assalariados, são os mais pobres entre os pobres.
Na análise do cientista político, é essa fração de classe que não consegue construir desde abaixo as suas próprias formas de organização porque está atomizada do sistema produtivo, que está na base do fenômeno denominado lulismo. Segundo André Singer, os mais pobres não votaram em Lula em 1989, 1994, 1998 e 2002. Não votaram, sobretudo porque ficaram com medo, porém em 2006 votaram em massa em Lula. Nesse sentido, diz Singer, o ponto de inflexão da emergência do lulismo se manifesta com força nas eleições de 2006.
Em 2006, afirma Singer, “houve um deslocamento subterrâneo de eleitores não de baixa renda, mas de baixíssima renda, o qual passou despercebido”. Os mais pobres, contrariamente ao que fizeram nas eleições anteriores, sufragaram Lula em peso. “É verdadeira a interpretação de que o Brasil eleitoral se dividiu entre pobres e ricos nas eleições de 2006”, afirma ele. Nas eleições de 2006, Lula coroou um processo iniciado no seu primeiro mandato que selará sua profunda identificação com os mais pobres. Identificação que “pode ter fincado raízes duradouras no subproletariado brasileiro”, diz Singer.
O “pulo do gato” de Lula, que dará forma e conteúdo ao lulismo, diz Singer, “foi sobre o pano de fundo da ortodoxia econômica, construir uma substantiva política de promoção do mercado interno voltado aos menos favorecidos”. Ou seja, “a sensação de eleitores de renda baixa e média de que o seu poder de consumo aumentara, seja em produtos tradicionais (alimentos, material de construção), seja em novos (celulares, DVDs, passagens aéreas)”, na análise de Marcos Coimbra, diretor do Instituto Vox Populi, citado por Singer.
Na base desse sentimento de inclusão social e responsável por ele, encontra-se a porção social do governo Lula: o Programa Bolsa Família, o controle dos preços (cesta básica), o aumento real do salário mínimo, o crédito consignado, a ampliação de empréstimo a agricultura familiar, o microcrédito e a bancarização de pessoas de baixíssima renda e a ampliação do Beneficio de Prestação Continuada. Somado a tudo isso, têm-se ainda a ativação de setores antes inexistentes na economia (por exemplo, clínicas dentárias para a baixa renda), uma série de programas focalizados, como o Luz para Todos (de eletrificação rural), regularização das propriedades quilombolas, construção de cisternas no semi-árido. É o conjunto dessas políticas, diz Singer, que Marcelo Neri chama de “o Real de Lula”, numa alusão ao Plano Real que deu a reeleição a FHC em 1998, que dá força e consolida o lulismo.
Associado aos aspectos anteriores destaca Singer, “convém lembrar que Lula é o primeiro presidente que viveu a experiência da miséria, o que não é irrelevante, dada a sensibilidade que demonstrou, uma vez na presidência, para a realidade dos miseráveis. Por isso, é plausível a tese de Francisco de Oliveira de que a eleição de 2006 comprova ter Lula se elevado ‘à condição de condottiere e de mito’”. Também nesse sentido, analisa Singer, “tais ações colocam Lula à frente de um projeto, que é compatível com aspectos de sua biografia”.
Os pobres atomizados pela sua inserção no sistema produtivo necessitavam de alguém que pudesse, desde o alto, receber a projeção de suas aspirações. E aqui surge o lulismo, “um raio em céu azul, uma vez que surge de cima para baixo, sem aviso prévio, sem a mobilização lenta (e barulhenta) que caracteriza a auto-organização autônoma das classes subalternas quando ela se dá nos moldes típicos do século XIX, isto e, dos partidos e movimentos de classe”, destaca Singer. Assiste-se, portanto, a partir de 2006 a um realinhamento eleitoral – um movimento profundo, que se deu sem mobilização e sem fazer-se notar – no qual os mais pobres que antes rechaçavam Lula, passam a votar nele e no PT.
Registre-se que as eleições de 2010 referendam a hipótese de Singer que o Brasil vive um realinhamento eleitoral, ou seja, as classes médias tradicionais, que estiveram na origem do PT, reagiram à emergência de uma nova classe média, saída da combinação de políticas de transferência com políticas de distribuição de renda, e engrossaram as fileiras do candidato tucano, José Serra. Em compensação, as bases petistas foram fortalecidas por pessoas que foram puxadas para cima da linha de pobreza. São, portanto, os pobres que se identificam com Lula e suas políticas sociais e os setores que ascendem para a classe média que darão os milhares de votos que elegerão Dilma.
As conclusões de André Singer apontam a essência do lulismo como uma representação do subproletariado sem a necessidade de rupturas. “Em que pese, diz Singer, o sucesso do PT e da CUT, a esquerda não foi capaz de dar a direção ao subproletariado, uma fração de classe particularmente difícil de organizar. O subproletariado, a menos que organizado por movimentos como o MST, tende a ser politicamente constituído desde cima, como descobriu Marx a respeito dos camponeses da França em 1848. Atomizados pela sua inserção no sistema produtivo, necessitam de alguém que possa, desde o alto, receber a projeção de suas aspirações”.
Segundo Singer, “diferentemente da experiência peessedebista, o ‘Real de Lula’ veio acompanhado de uma mensagem que faz sentido para os de menor renda: pela primeira vez o Estado brasileiro olha para os mais frágeis e, portanto, se popularizou. Essa é a razão pela qual o presidente insiste que ‘nunca na história deste país… etc. etc.’. Irritados, os supostos ‘formadores de opinião’ não percebem que Lula não está se dirigindo a eles e insistem na tecla de que a história não começou com Lula, o que é verdade, mas ouvido vários degraus abaixo, o bordão adquire outro sentido”.
Aos poucos Lula consolida-se como a grande liderança dos setores populares e vai se tornando quase uma unanimidade, ao ponto de se constituir como um “árbitro acima das classes”. Na análise do sociólogo Werneck Vianna, Lula “(…) é um governo que absorve as representações corporativas de trabalhadores e empresários, com um chefe de Executivo carismático a mediar interesses conflitantes, fortalecido pela crescente centralização do Estado”. O lulismo tem um que de conciliador de classes, afirma.
O fenômeno do lulismo na política associado ao modelo econômico neodesenvolvimentista está na origem da vitória de Dilma Rousseff nas eleições de 2010, ou seja, Lula apostou e transformou Dilma em uma candidatura competitiva e vencedora, conseguiu algo pouco comum no mundo da política que é a transferência de votos. Essa vitória política, entretanto, não pode ser dissociada do modelo econômico que alavancou o crescimento econômico e deu sustentação ao projeto político.
Tudo indica que o governo Dilma Rousseff será uma continuidade do Ciclo Lula, particularmente no que tange ao modelo econômico neodesenvolvimentista. As nomeações dos nomes da área econômica são um indicativo de que não haverá mudanças de rota substanciais no modelo econômico.
Conjuntura Especial. Uma síntese dos grandes temas abordados em 2010
O Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ao longo de 2010 produziu análises da conjuntura semanais a partir da (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU e da revista IHU On-Line publicada semanalmente. Como fecho do trabalho desse ano, apresentamos uma Conjuntura Especial que retoma os grandes conteúdos abordados pelas conjunturas semanais no ano de 2010.
(Ecodebate, 28/12/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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Esse é o tipo de “análise” para a qual os trabalhadores são obrigados a pagar o imposto sindical, outro fardo que o desgoverno atual transformou em imposto definitivo ao trabalhador brasileiro.