MT: Libertações em boate: exploração sexual, dívidas e escravidão
Jovens recebiam “salário” em fichas que eram trocadas por produtos superfaturados na venda do próprio estabelecimento, em Várzea Grande (MT). Endividadas, vítimas só conseguiam sair do local mediante pagamento
Por Bárbara Vidal, da Agência de Notícias Repórter Brasil.
Mulheres sexualmente exploradas e impedidas de sair de uma boate – a não ser mediante pagamento – foram libertadas em Várzea Grande (MT), município vizinho à capital Cuiabá (MT). Além das 20 jovens do sexo feminino, quatro homens também foram encontrados em situação degradante e submetidos a jornadas exaustivas, itens que caracterizam o trabalho análogo à escravidão (segundo o art. 149 do Código Penal).
Mantidas em alojamentos precários e superlotados no interior da casa noturna Star Night, as mulheres eram obrigadas a ficar praicamente 24h à disposição dos donos do estabelecimento, situado na região do “Zero Km”, a pouco mais de um quilômetro do centro de Várzea Grande (MT) e a cerca de um quilômetro do Aeroporto Internacional Marechal Rondon.
Sem direito ao descanso semanal remunerado garantido por lei, elas não folgavam nem aos domingos e feriados. Algumas chegaram a assinar um contrato que vedava a própria saída do local de trabalho caso não houvesse a quitação de pagamentos combinados. Segundo Valdiney Arruda, que comanda a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso (SRTE/MT) e acompanhou a ação, as mulheres “viviam em regime total de subordinação [frente aos empregadores]”. “Além da exploração sexual, elas ainda eram obrigadas a fazer shows de strip tease como cumprimento da jornada de trabalho”, complementa o superintendente.
Mulheres da boate Star Night permaneciam 24h à disposição dos empregadores (Foto: SRTE/MT) |
O salário era “pago” por meio de “fichas”, vales que eram trocados por produtos (como cigarros e bebidas alcoólicas) e também por alimentos (como pacotes de macarrão instantâneo), que eram vendidos com preços superfaturados na “venda” instalada no interior da própria boate.
“Identificamos a sujeição dessas trabalhadoras também pelas dívidas [contraídas nesse “comércio” interno], que eram controladas pelo caderno do empregador”, disse Valdiney. Elas eram incentivadas a incrementar a venda de produtos, pois recebiam comissão. Nenhum dos libertados tinha registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
O cerceamento era induzido, de acordo com o auditor fiscal do trabalho que coordenou a ação, Leandro de Andrade Carvalho. No caso, as vítimas oriundas de cidades de outras regiões de Mato Grosso, de Goiás e até de São Paulo foram atraídas por meio de “um aliciamento brando”.
Operação
Além de precários e superlotados. os espaços ocupados pelas mulheres não tinha ventilação adequada nem proteção contra incêndio. Pertences pessoais, como sapatos e sandálias, estavam espalhados pelo banheiro (foto acima). Foram constatadas instalações sanitárias completamente inadequadas que não respeitavam normas de higiene. Por causa de tudo isso, os alojamentos foram interditados pela fiscalização trabalhista.
Os quatro trabalhadores (um gerente e três garçons) não ficavam acomodados na boate e retornavam para suas casas após o expediente. Mas foram libertados, pois enfrentavam condição precárias e desumanas, com jornadas exaustivas e sem descanso regular. Todas as vítimas tinham entre 18 e 23 anos de idade e trabalhavam na Star Night.
Batizada de Atena II, a operação contou com participação de diversos órgãos como Polícia Civil, Guarda Municipal e Conselho Tutelar e foi realizada entre 18 e 19 de novembro. Participaram ainda integrantes da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo do Mato Grosso (Coetrae-MT).
Embora tenha sido realizada no mês passado, as investigações sobre os crimes na região do “Zero Km” de Várzea Grande (MT) se iniciaram pelo menos quatro meses antes, devido a uma denúncia de ocorrências de trabalho infantil. Desta vez, porém, não houve flagrantes de situações de risco nem de exploração sexual envolvendo crianças e adolescentes.
A proprietária da casa noturna, Cleiva Alves da Silva, acompanhou a fiscalização. Foram lavrados 21 autos de infração e ela foi notificada a pagar as verbas trabalhistas que somaram mais de R$ 331 mil.
As vítimas foram orientadas para que retornassem a seus municípios de origem e receberam o Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado. Houve ainda uma explanação sobre a situação de ilegalidade, feita pelos agentes públicos, aos envolvidos. “Coibir esse tipo de tratamento dessas pessoas resulta em outros resultados. Depois dessa ação, diminuiu o índice de violência no local, de acordo com a Polícia Civil”, declarou Valdiney.
EcoDebate, 23/12/2010
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