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Artigo

Comunidade Dandara: natal de esperança, artigo de frei Gilvander e Maria do Rosário

Comunidade Dandara: natal de esperança, por Maria do Rosário Carneiro[1] e Gilvander Moreira[2]

Jesus, em cada cidadã e cidadão das Comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy (e demais Comunidades de Resistência), deseja dormir em paz… “Dorme em paz ó Jesus!

[EcoDebate] Outra vez é Natal!

Como preparação para celebração do nascimento do menino Jesus, no dia 18 de dezembro de 2010, a comunidade Dandara[3], no Céu Azul, região da Nova Pampulha, em Belo Horizonte, MG, realizou durante todo o dia três mutirões concomitantemente.[4]

Às 15 horas, juntou-se a criançada para receber um “Papai Noel” socialista, que, de um jeito diferente, em clima de alegria, trouxe ternura, carinho, solidariedade e presentes. Era um mar de crianças! O clima familiar de encontro e alegria reinava na Ocupação-Comunidade, embora em tempo de tensão por causa da decisão do Tribunal de Justiça de Minas que derrubou a liminar que dava a posse do terreno para a comunidade e está na iminência de expedir um mandado de despejo. Dentro de nós uma voz gritava: “A tropa de choque não pode passar por cima de mais de mil crianças pobres, que têm o direito de brincar, estudar e viver com dignidade.”

Ao final do dia, numa bonita e emocionante celebração, nasce Jesus nos corpos de tantas crianças dandarenses! Um presépio vivo foi montado em um barraco de lona, construído também em mutirão. A cena era tão eloquente que parecia, de fato, reviver a cena do Evangelho: naquela estrebaria, Maria, José e Jesus, que hora chorava, ora dormia. A mãe verdadeira acabou sugerindo para trocar Jesus pelo irmão gêmeo – ambos nascidos na Dandara -, que sossegadamente dormiu, em um cocho com estrelas cintilantes, enquanto era contemplado pela comunidade que ali celebrava.

No presépio havia muitas crianças, todas queriam participar da cena. “Os magos, vindo do Oriente” eram adolescentes, jovens e adultos da Comunidade, que trouxeram para o menino Jesus presentes em forma de sonhos e conquistas da luta na Dandara.

Ofereceram para o menino Jesus, água que cai da torneira com muita dificuldade, pois um único hidrômetro para quase 900 famílias não é algo fácil de administrar. Na garrafa de água o apelo por este direito humano fundamental. Impossível sobreviver sem água! A água, que é dom de Deus destinado a todas as pessoas e a toda a biodiversidade do planeta, cada vez mais vem sendo industrializada e escassa. Cada vez mais vem sendo negada, sobretudo aos pobres, em nome do capital.

Ofereceram verduras produzidas em centenas de hortas, na terra fértil de Dandara. Terra que antes era improdutiva e não cumpria a função social. Terra que agora gera vida, saúde e alimento para as famílias. Terra que já sustenta quase 900 casas de alvenaria onde as pessoas têm o sagrado direito de morar com dignidade.

Ofereceram ao menino Jesus o tijolo das construções. Tijolo de cada dia. Comprado gota a gota com os salários de diaristas, pedreiros, catadoras e catadores de materiais recicláveis, vendedores/as no comércio informal, lavadeiras, empregadas domésticas e aposentados/as, etc. Comprado também através de empréstimos, com grandes dívidas a serem pagas. Comprado, sobretudo, com suor e muita honestidade. Com o imenso desejo de libertar-se da área de risco ou da cruz do aluguel.

As crianças foram oferecidas, as muitas crianças de Dandara. Com as crianças o apelo pelo simples direito de ser criança. De viverem em paz. Poder estudar, brincar, alimentar e serem protegidas em todos os sentidos.

Foi oferecida também uma bandeirinha vermelha que já foi hasteada em cada uma das casas de Dandara. Bandeira de luta e resistência, a bandeira do Divino que, na Dandara e em todos os lugares onde a vida está ameaçada, vem fazer sua morada. Bandeira que faz lembrar a luta do povo do Egito contra o Faraó, mas que, sobretudo, traz a grande certeza da chegada à Terra Prometida. Diz a Bíblia, no livro do Êxodo (Ex 12,7.13) que após Deus enviar várias pragas sobre o imperialismo dos faraós no Egito, o Deus Javé pediu para o povo se preparar para a Páscoa, passagem para libertação. Com o sangue de um cordeiro imolado deveriam marcar todas as casas dos hebreus. Assim foi feito. Quando veio mais uma praga para atingir faraó e todos vassalos do sistema opressor, as casas marcadas de vermelho foram salvaguardadas. Assim também será em Dandara. Não adianta os Faraós e Herodes de hoje tentarem despejar Dandara, pois não conseguirão. Não é por acaso que o arco-íris, sinal da presença de Deus, visita a comunidade com frequência.

Em grande contraste com as principais praças da cidade de Belo Horizonte que se encontram iluminadas nesta época, no presépio de Dandara, nasce um menino em um barraco improvisado. Luzes? Não a da CEMIG, mas uma grande Luz! Naquela noite em que o povo celebrava, com uma semana de antecedência, o Natal, veio sobre todos os presentes e todas as famílias da Comunidade dandarense uma grande luz: a certeza renovada de que o Deus da vida está presente nesta luta. A Esperança irradiava no ar e confortava os corações de todos. Ao lado do presépio, o faixódromo com dezenas de faixas de apoiadores, solidariedade nacional e internacional, o reconhecimento da dignidade e constitucionalidade desta luta.

Assim, portanto, cada dia na Comunidade Dandara é Natal verdadeiro. No comércio do mercado idolatrado, o consumo desesperado para as trocas de presentes e fartas ceias, a ideologia capitalista de um falso Natal. Nas Ocupações que se transformaram em Comunidades, a luta por um pedaço de chão, o esforço para construir a casa própria e uma comunidade com justiça e paz.

Dandara é, hoje, terra já conquistada, já habitada e que já produz muitos frutos de vida e vida com dignidade conforme o projeto do menino chamado Jesus, Emanuel, Deus-conosco. Terra que clama e pede a todas as autoridades que neste momento estão por decidir o destino do povo que deixem Jesus dormir em paz. Tantas vezes, ao cantar “Noite Feliz”, ecoa em nosso coração o “dorme em paz ó Jesus… dorme em paz ó Jesus!”

É só isto que pedem os pobres: o sagrado direito de dormir em paz! A família dandarense deseja a todas e todos um feliz e sublime Natal!

Dandara, Belo Horizonte, 22 dezembro de 2010


[1] Advogada, integrante da Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG – e da Rede Nacional dos Advogados Populares – RENAP -, da Rede de Solidariedade à Comunidade Dandara; e-mail: Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.

[2] Frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; professor de Teologia Bíblica do Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA -, em Belo Horizonte, MG; assessor da CPT, do CEBI, das CEBs e do SAB; e-mail: Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo. – www.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis – No facebook: gilvander.moreira

[3] Nome dado em homenagem à grande companheira de Zumbi dos Palmares, que lutou até à morte, mas não aceitou ser reescravizada.

[4] Cf. o texto “Comunidade Dandara em ritmo de mutirão”, de Gilvander e Rosário.

EcoDebate, 23/12/2010

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