Neo-escravagismo, artigo de Efraim Rodrigues
[EcoDebate] A ascensão das classes C e D brasileiras é reconhecida até pela oposição, mas vale a pena olhar isto com mais atenção. Atenção ambiental e de qualidade de vida, não só econômica.
É lindo imaginar as pessoas com mais dinheiro e vivendo melhor. Em algum canto de nossa mente vemos aquela mulher que carrega água na cabeça comprando tubos e bombas, imaginamos esgotos a céu aberto sendo tratados. A realidade é diferente.
Resolvi ir atrás de dados quando li sobre o morador do Alemão que pintou a parede e comprou um móvel novo para uma TV que acabou destruída. Junte esta história com esta outra: Metade dos alunos de 15 anos não sabe ler (repito, alunos, não se considerou jovens não-alunos) e você facilmente chega à terceira: Consumidores com renda entre 500 e 1000 reais respondem por uma alta de 43,9% na demanda por crédito no ano (índice Serasa). Este é crédito exclusivamente para consumo, não para pagar contas. Muito menos nos endividamos para melhorar de vida. Estamos nos endividando para consumir, comprar quinquilharias. O banco fica com os juros e você com a obrigação de dar um fim para o e-lixo.
Assim como no escravagismo de fato, este também obriga as pessoas ao trabalho e o resultado não é a melhora de vida de todos mas a acumulação de poucos. O que todos terminam por dividir, consumidores ou não, é a degradação de recursos naturais: água, minerais e energia necessários para construir o último objeto com vogais repetidas (por que a indústria tem obsessão por nomes com vogais repetidas ?).
Há também o agravante do envelhecimento da população. Se você ainda imagina o brasileiro médio como jovem e cheio de filhos, precisa rever seus conceitos. Nossa população não está tendo filhos nem para repor os pais e está envelhecendo rapidamente. Em 20 anos o brasileiro médio será um velho sem filhos para cuidar dele e sem poupança. Poupamos muito menos que 10% de nossa renda bruta, enquanto China e Índia estão por volta de 30%. É por isso que em 40 anos deixaram de plantar arroz enquanto estamos só um pouco melhor.
Nem é a primeira vez que perdemos o bonde da história. Na década de 50 trocamos o superávit gerado na segunda guerra por meias de nylon e chicletes. A história se repete, ainda mais para os que não a conhecem.
Este neo-escravagismo obriga as pessoas a trabalhar como loucas para consumir de maneira igualmente insana. O grilhão só é aparentemente menos dramático por não ser de ferro, mas é muito pior por prender as pessoas pela mente. Um escravo podia ao menos tentar fugir para um quilombo, mas para onde foge alguém cuja mente foi aprisionada ?
Tenham todos um Feliz Natal.
Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim{at}efraim.com.br), colunista do EcoDebate, é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva
EcoDebate, 16/12/2010
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Muito bom o artigo. Mas os dirigentes barasileiros (principalmente o atual presidente) vivem estimulando o consumismo no país. incentivam o crédito para as pessoas comprarem cada vez mais coisas inúteis para a felicidade das famílias e de grande felicidade para os bancos. É a busca do “crescimento” a qualquer preço ambiental.