Transposição de Lula para Dilma, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] Em primeiro de Janeiro Lula transpõe a presidência da República para Dilma. Antes, porém, transporá a transposição do São Francisco para sua sucessora. A previsão é que Lula e Dilma visitem a obra dia 14 de Dezembro.
Certamente serão bem recebidos. Lula é muito querido no Nordeste, inclusive no São Francisco. Conseguiu transferir grande parte de seus votos para Dilma. Portanto, deverão estar em casa.
Mas, será que Lula e Dilma estariam dispostos a ouvir o que o povo tem para dizer? Ou simplesmente eles vêm mais uma vez apenas para falar, guardados por um aparato do Exército que só permite entrar aqueles que os aplaudem?
As indenizações dos removidos – verdadeiramente varridos – dos canais muitas vezes não pagam sequer o ônibus da família até a próxima cidade. Seguindo o regime militar, as indenizações têm sido apenas para as benfeitorias – pobres casas com alguma cerca -, arrecadando as terras como se fossem públicas, ou não tivessem ali moradores seculares. Esses dias havia um fundo de um milhão de reais para 600 proprietários. Muitas indenizações não passaram de R$ 1.500,00.
Truká, Pipipã, quilombolas e demais comunidades tradicionais tiveram seus territórios rasgados da forma mais inconstitucional e ilegal possível, mas as ações estão travadas no Supremo até que a obra seja fato consumado, portanto, sem retorno mesmo que esses povos estejam sendo violados em seus direitos.
A comunidade da Agrovila 6, um reassentamento de Itaparica, que Lula irá visitar, está sendo ameaçada pelo Exército de ver entupido o único poço que lhe restou, já que o canal cruza a comunidade, mas ela não terá acesso à sua água.
Os bispos do Nordeste II – Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas -, grandes defensores da obra, estiveram nos eixos esses dias e ficaram desconfiados do destino das águas, observaram a situação concreta das populações impactadas e viram que a “revitalização” não existe. Parece que o senso crítico demorou para chegar nos bispos. Muitas vezes parece que seguem apenas pela metade o conselho de Jesus: “sede mansos como pombas e expertos como cobras”. Se tivessem um pouco da sagacidade das serpentes, não precisariam agora estar perguntando o óbvio: “para quem será essa água?”
O próprio governo já respondeu pela boca do ministro João Santana: “a água será vendida mediante outorga”. Seu preço já foi definido pelo governo e anunciado na Folha de São Paulo: “o preço será de R$ 0,13 o metro cúbico, a água mais cara do Brasil”. Como é que pobre vai poder pedir outorga no uso da água e pagar esse preço de ouro?
Pior, o governo prometeu em seu marketing que a água chegaria ao povo. Um folder do Ministério da Integração simulava água abundante nos meios rurais. Portanto, criou uma expectativa medonha nos que precisam de água? O povo espera por ela. E agora, se a água chegar mesmo do outro lado, quando nenhuma adutora foi orçada sequer para distribuir a água para os meios urbanos, qual será a reação popular?
Até agora, confirmam-se uma por uma todas as críticas que foram feitas ao projeto. Falta o ponto final, o destino real da água e seu impacto na calha do Velho Chico.
Lula deixa o poder. Dilma chega. Mas, ainda está para nascer o presidente que realmente promova a segurança hídrica das populações nordestinas.
Roberto Malvezzi (Gogó), articulista do EcoDebate, é Assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT
EcoDebate, 09/12/2010
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Roberto Malvezzi, permita-me dirigir a você como Gogó, que é o apelido carinhoso que você tem na Pastoral da Terra. Você fez um artigo muito interessante, colocando o dedo na ferida.
É preciso ficar atento às indenizações dos removidos para a passagem dos canais. É evidente que o interesse público se superpõe ao interesse privado, mas a indenização justa em casos como esse é previsto na Constituição Federal.
Você fala que os bispos do Nordeste (em sua grande maioria ardorosos defensores do projeto de transposição), teriam ficado desconfiados do destino da água e criticado as obras de revitalização da bacia do Velho Chico. Pode sossegá-los, pois o destino da água será resolvido pelos próprios estados. Será remetido projeto de lei ao Congresso Nacional criando a agência Agnes, que se incumbirá de repassar a água aos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, a quem caberá fazer a distribuição aos usuários finais, levando em conta o princípio legal da predominância do abastecimento humano e animal sobre quaisquer outros usos. Quanto às obras de revitalização da bacia do Velho Chico, diga-lhes que se trata de um trabalho de formiguinha. Nossos antepassados demoraram 500 anos para devastar a bacia, cortando a mata ciliar e poluindo a calha do rio e não será em um ou dois anos que essa recuperação será feita.
Finalmente, gostaria de dizer-lhe que o preço de R$ 0,13 por metro cúbico de água, publicado em notícia da Folha de São Paulo, não é reconhecido pelo Ministério da Integração Nacional. Gogó, caberá aos estados arbitrar o preço da água e, naturalmente, levarão em conta o grande volume de água que terão disponível pela redução das perdas por evaporação nos açudes, pela melhoria de seu manejo que a transposição lhes propiciará. Não podemos nos esquecer, também, que podem usar o sistema de tarifas diferenciadas, beneficiando os pequenos consumidores, prática adotada pelas empresas de saneamento dos estados.
Para isso, fazemos um apelo ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco para que não crie taxas pesadas sobre o projeto, pois essas taxas se refletirão diretamente no preço da água, que será pago pelo usuário e não pelo Governo. Não defendo um tratamento diferenciado para os habitantes do semi-árido, mas um tratamento de igualdade com os habitantes da bacia do Rio São Francisco, uma vez que todos, morando ou não na bacia do Velho Chico, são brasileiros e, pela Constituição Federal, têm igual direito ao uso das águas daquele que é chamado Rio da Integração Nacional.