Sustentabilidade no Transporte Coletivo de Pessoas, artigo de Laércio Bruno Filho
[Ecodebate] Recentemente tive a oportunidade de assistir a palestra de um renomado professor do MIT- Sloan School of Management, Prof. John Sterman, especialista em engenharia de sistemas urbanos & comportamento humano, onde mencionou que “… á partir de1950 até o ano de 1997, com todo o desenvolvimento obtido o e emprego de novas tecnologias, a população global passou a crescer em uma nova e astronômica taxa de 1,76% (antes de 1950 era de 0,86%) ao ano. Numero que fez com que a população mundial dobrasse em apenas 40 anos … hoje o mundo cresce uma Alemanha, 77 milhões de pessoas, a cada ano.”
Em decorrência disso, setores como o de Transportes, por exemplo, ganharam expressiva relevância e são cada vez mais discutidos porque trazem consigo, inerentemente, uma pesada carga de externalidades, tanto negativas, quanto positivas.
As negativas: trata-se é um setor intensivo no consumo de energia. Para atender as demandas da população responde por 14% das emissões globais de gases efeito estufa além de inúmeros outros gases poluentes (fonte: WWF-2008).
As positivas: sem eles talvez nossa idade média ainda fosse 45 anos, como na primeira metade do século passado. Portanto sua contribuição para o progresso da humanidade é inquestionável.
PIB mundial
Nos últimos 60 anos o PIB mundial cresceu também, ao ritmo de 3,5 % ao ano. E quanto mais dinheiro, maior demanda por bens e serviços. Isto intensificou a produção, comercio e transporte de bens e pessoas resultando num contínuo e complexo fluxo logístico “entre” e “intra” as nações, diversificando e incrementando os modais de transporte. Entretanto a eficiência energética de alguns destes modais tornou-se uma preocupação nos últimos anos.
Dados do Setor
“Em 2004, o setor de transportes concentrava 26% de toda a energia utilizada no mundo, sendo que o consumo global do setor deve aumentar 2% ao ano.
Veículos automotivos respondem por 23% dos gases que provocam o efeito estufa e 70% da poluição das cidades. ”(fonte: ONU)
“No Brasil, por exemplo, o setor de transportes é responsável por 52% da energia fóssil consumida, sendo que este é o setor que apresenta a menor porcentagem de energia renovável (apenas 12% do seu total).
Comparando os diversos modos de transporte, o setor rodoviário absorve 92% da energia utilizada, sendo irrisória a participação dos setores ferroviário, hidroviário e aéreo.
Do consumo de energia pelo transporte rodoviário, 54% correspondiam ao diesel, 23% à gasolina e 23% ao álcool no ano de 1989. Em 2005 esta divisão havia mudado para 54%, 29% e 13%, respectivamente, e 4% relativo ao gás natural.
Entretanto, neste último ano o consumo de álcool tem se equiparado ao de gasolina puramente devido aos veículos flexfuel.
(fonte: Estudo NTU).
Automóveis e centros urbanos
Duramente criticado o setor de transporte de pessoas tem sido penalizado pelo uso inadequado do automóvel, e de sua baixa eficiência energética. Queima muito combustível e é subutilizado, quando comparado ao seu potencial de aproveitamento.
Estudos mostram que mais de ¾ da frota mundial de automóveis transportam apenas um ou no máximo dois indivíduos por viagem, representando um enorme desperdício de capacidade.
“Em 2050 serão 7,6 bilhões de veículos nas estradas e ruas. Estima-se que neste ritmo o setor de transportes, em nível global, venha a consumir 440 milhões de barris de petróleo/dia. Hoje a produção mundial é de 82 milhões barris/dia e conceituados estudos apontam que este número pode diminuir.
Também crescerão as emissões de CO2 globais, hoje de 28 bilhões de toneladas/ano passarão á pesados 62 bilhões de toneladas, tornando o atual modelo mais insustentável ainda”, ressalta o professor John Sterman.
O petróleo está para atingir o seu pico de produção entre 2010 e 2020 (pico de Hubert) devendo então decair, tornando-se muito mais escasso e caro, sendo dedicado a outros fins que não o de combustão em automóveis.
Já é anunciado um possível grande gargalo quando se menciona a energia proveniente do petróleo. O segmento de transportes será fortemente impactado, caso não reveja sua forte dependência do combustível fóssil.
No caso do município São Paulo, a frota de ônibus é de apenas 14.824 veículos (dados SP Trans) e transporta 246 milhões de passageiros/mês. A frota total de veículos é de 6,5 milhões, sendo que os automóveis são mais de 4,8 milhões.
A velocidade média é de 25 km/h pela manhã e á tarde 15 km/hora. Para se percorrer a marginal do Tietê, que possui 25 km, são necessários extensos 90 minutos.
Deslocar-se de automóvel nas vias da cidade tornou-se um árduo sacrifício.
A lentidão dos congestionamentos leva o veículo a consumir mais combustível, óleo de motor, freio, pneus, resultando em custos adicionais para o seu dono.
Além disso, nas grandes cidades boa parte da população perde entre 2 e 3 horas/dia em deslocamentos entre casa-trabalho-casa. Um período de tempo improdutivo e oneroso.
Acessibilidade
A adoção de modelos inovadores de transporte coletivo de pessoas nos grandes centros urbanos tornou-se imperativo.
E isto nos leva a reavaliar o que e como desejamos.
Buscamos, sobretudo, facilitar ao máximo o modo como acessamos aquilo que desejamos.
E neste esforço de busca pelo objeto desejado, o nosso anseio original se materializa na busca pela melhor acessibilidade possível.
Resta-nos então a tarefa de otimizar ao máximo o período de deslocamento de um ponto ao outro.
Eis a questão: como podemos acessar o que desejamos com o menor esforço e custo econômico e socioambiental?
Sistema BRT
Conhecido por BRT – Bus Rapid Transit – o sistema de Ônibus de Transito Rápido tem ocupado com freqüência cada vez maior um espaço diferenciado na mídia, sendo citado como o modelo de transporte coletivo mais eficaz para cidades com população á partir de 500 mil habitantes.
Criado em Curitiba sob a gestão de Jaime Lerner em 1974, o sistema veio se aprimorando e tem sido replicado como modelo de referencia em transporte por diversas cidades do mundo, como Los Angeles, Nova Iorque, Cleveland, Bogotá, Quito, São Paulo e em muito breve Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
O sistema funciona em corredores segregados, com paradas pré-determinadas ou até mesmo sem paradas intermediárias operando como um ônibus expresso.
Livre dos automóveis permite velocidade média de 20 a 25 kms/hora, porém sem os congestionamentos, a experiência de deslocar-se de um ponto ao outro, torna-se mais eficaz para o usuário.
Além disso, o BRT apresenta elevada eficiência energética, quando comparado ao transporte por automóvel ou moto. Transporta mais passageiros utilizando menos combustível (energia).
Outra grande vantagem, os equipamentos mais modernos podem usar combustíveis renováveis como etanol, energia elétrica – o trólebus, biodiesel (b5, b20 ou o b100 em fase de testes) ou de forma simultânea conjugando eletricidade e etanol nos modelos híbridos. Existe ainda o ônibus movido á hidrogênio.
Todos com baixíssima emissão de gases efeito estufa e de poluentes.
Eficácia do Sistema
Quando comparados aos modais VLT – Veículo Leve sobre Trilho e Metrô, demonstram melhores resultados, seja quanto à resposta ao investimento realizado,quanto ao tempo de deslocamento para o usuário ou ainda à eficiência energética proporcionada.
Veja o estudo preparado por Jaime Lerner Arquitetos Associados. O cenário das projeções é a cidade de Curitiba.
O quadro abaixo apresenta o tempo necessário para se percorrer uma distancia de 10 km, pelos modais METRÔ, BRT, VLT e o sistema de ônibus convencional.
No quadro a seguir são apresentados os custos e prazos de implantação por km entre os diferentes modais.
À seguir, uma analise comparativa referente à eficiência energética entre os 3 modais: ônibus, moto e automóvel.
“… Observa-se que:
– Motocicletas poluem 32 vezes mais e consomem 5 vezes mais energia por pessoa transportada do que os ônibus.
– “Automóveis poluem 17 vezes mais e consomem 13 vezes mais energia por pessoa transportada do que os ônibus” relata ainda o estudo.
Sustentabilidade como premissa
Com os eventos Copa de 2014 e Olimpíadas, o governo tem dirigido muita atenção à questão da mobilidade urbana e do transporte de pessoas destinando através da CEF e BNDES, recursos na ordem de 6,5 bilhões de reais, com baixo custo, para a construção de sistemas BRT nas principais capitais. Também o BID e o Banco Mundial oferecem linhas de crédito com custos similares.
Algumas cidades-sede já estão se capacitando para acessar estes recursos. É o caso do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, entre outras.
Modelos de negócio que contemplem o desenvolvimento sustentável das áreas impactadas estão, sem duvida alguma, como uma das principais exigências nas licitações em curso.
Sem um amplo e bem estruturado programa de gestão que dê corpo às políticas corporativas de sustentabilidade exigidas nos editais, será inviável a captação destes recursos por parte das prefeituras, empresas ou consórcios interessados.
Laércio Bruno Filho, Professor Convidado do MBA PECEGE da ESALQ/USP para a disciplina Agronegócios/Sustentabilidade; Coordenador e Relator do Subgrupo que prepara a proposta de normalização de Projetos de Carbono em Florestas no âmbito do Mercado Voluntario pela FIESP/ABNT, membro do Grupo de Estudos sobre Gestão da Sustentabilidade, Tele trabalho e Mobilidade Urbana do CETEL/Business School São Paulo. Membro do Grupo de Estudos sobre Ética e Sustentabilidade do CRA-SP. Diretor de Novos Negócios Socioambientais e Coordenador da Gestão Técnica de Programas de Sustentabilidade Empresarial e de Desenvolvimento Sustentável para Comunidades pela empresa eSense Consultoria em Competitividade e Sustentabilidade Empresarial.
EcoDebate, 29/11/2010
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