Ocupação desordenada cria ‘cinturão de miséria’ na periferia de Belém
Falta de saneamento é um dos principais problemas da área da Bacia do Mata Fome
São as regiões pobres do Brasil as que mais sofrem com a falta de saneamento básico. É o que diz a Síntese de Indicadores Sociais (SIS 2010) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda segundo o relatório, a Região Norte divide com o Nordeste o posto de pior saneamento do País. Em 2009, apenas 13,7% dos domicílios urbanos do Norte possuíam os serviços de abastecimento de água, rede de coleta de esgoto e coleta de lixo, ao mesmo tempo. Entre os mais pobres, com renda de até meio salário mínimo, essa taxa não chega a 10%.
Em Belém, a falta de saneamento básico pode ser observada em lugares como a Bacia do Mata Fome, um território localizado ao norte da cidade, abrangendo os bairros Benguí, Parque Verde, Pratinha, São Clemente e Tapanã. É nessa área que o Laboratório de Recursos Hídricos e Meio Ambiente (LARHIMA), da Faculdade de Geologia da UFPA, desenvolve o Projeto “Os Recursos Hídricos e a Qualidade de Vida na Bacia do Mata fome, Belém/PA: doenças de veiculação hídrica e o contexto geo-socioambiental.” A bacia hidrográfica de 5,3 km² tem como principal afluente o Igarapé Mata Fome.
O Projeto já funciona há dois anos, vinculado à Universidade. Segundo o professor Milton Matta, coordenador do LARHIMA, o trabalho surgiu da necessidade de alertar a sociedade sobre a degradação ambiental e social que está acontecendo na área, além de tentar melhorar a qualidade de vida das comunidades que vivem ao redor da Bacia.
O Igarapé Mata Fome, que recebeu este nome por servir como subsistência para sua população tradicional, passa, agora, por um grave processo de falecimento, devido à desenfreada ocupação informal do território da Bacia do Mata Fome.
Segundo a estudante Karen Carmona, bolsista do LARHIMA e responsável por pesquisar a qualidade das águas superficiais da Bacia, o espaço do Mata Fome começou a ser intensamente povoado em meados da década de 80. “As pessoas que vivem na Bacia do Mata Fome moravam no centro da cidade, mas, devido à especulação imobiliária, tiveram que mudar para a periferia da cidade. Tapanã e Pratinha são ‘a borda de Belém’ e esta região é chamada ‘cinturão de miséria’”, explica a estudante.
Lixo e esgoto são lançados diretamente no leito do rio
A ocupação urbana desordenada do território da Bacia do Mata Fome acarretou graves problemas ao lugar. O principal deles foi a destruição das vegetações ciliares do Rio Mata Fome. Essa vegetação, característica da borda de rios e mananciais, é uma das armas para evitar o assoreamento, que é o depósito de sedimentos, areia e qualquer tipo de detritos no leito dos rios. “Se eu retiro aquela vegetação, as margens acabam se tornando frágeis e assoreando, porque as raízes não aguentam mais a terra”, explica o professor Milton Matta. A vegetação ciliar foi devastada pelos próprios moradores, que cortavam a madeira das árvores para construir casas, banheiros e pontes.
O assoreamento do Rio Mata Fome é reforçado pelo lançamento de lixo e esgoto em seu leito, “a matéria orgânica produzida pelos moradores da Bacia é lançada diretamente no Igarapé. Os banheiros, por exemplo, são construídos sobre pontes de madeira feitas com a vegetação da área, em cima do Igarapé”, diz o professor.
Da década de 80 até hoje, o Rio do Mata Fome regrediu para Igarapé e continua diminuindo seu volume de água. Contudo, o falecimento do Rio não é o único efeito causado pela poluição das águas e o desmatamento da flora. Vários impactos sociais, que prejudicam a qualidade de vida das quase oitenta mil pessoas que moram na Bacia, também podem ser observados. De acordo com as pesquisas já realizadas no âmbito do Projeto, verificou-se que as águas superficiais estão contaminadas e causam doenças na população.
“Na Bacia, o problema de abastecimento de água é grande, pois os dois poços contruídos pela prefeitura não atendem a todos. Nesse contexto, surgiu a figura do ‘agueiro’, pessoa que tem um poço de 10 a 15 metros em sua casa e vende essa água para a população. As pessoas pagam R$ 15 por semana para terem um abastecimento por algumas horas do dia. Essa água não é confiável, porque o poço perfurado pega o aquífero superior, que já está sendo comprometido pela contaminação do Igarapé”, esclarece Karen Carmona.
Planos de trabalho terão perspectiva multidisciplinar
Além da falta de saneamento básico, outros problemas da Bacia são a prostituição infantil, a exploração sexual e os maus-tratos contra os idosos. Em decorrência desses vários problemas socioeconômicos, o Projeto foi pensado de uma maneira multidisciplinar. “Não estudamos só os recursos hídricos.Estudamos, também, todos os outros elementos que estão associados a eles, como o direito, a falta de obediência à legislação ambiental na Bacia, as doenças relacionadas à água, a prostituição infantil, entre outros. Criamos um conjunto de 20 planos de trabalho que analisam a Bacia por dentro e com uma perspectiva geral”, afirma o professor Milton Matta.
Os planos de trabalho abrangem as seguintes áreas de conhecimento: Direito, Serviço Social, Oceanografia, Geologia, Engenharia Sanitária e Ambiental, Geofísica, Medicina, Biologia e Jornalismo. Os planos serão colocados em prática pelas três instituições parceiras no Projeto: a UFPA, a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e a Universidade Estadual do Pará (UEPA).
A UEPA participará com dois planos na área da Saúde, os quais pesquisarão as doenças de veiculação hídrica da Bacia do Mata Fome, e dois planos na área da Engenharia Ambiental. Já a UFRA realizará planos relacionados à ictiofauna (conjunto das espécies de peixes) e aos zooplanctons (organismo aquáticos sem capacidade fotossintética, como alguns crustáceos) existentes no Igarapé Mata Fome.
Outros planos de trabalho a serem realizados pela UFPA são a produção de um jornal para acompanhar as atividades do Projeto, a aplicação da Lei do Idoso na Bacia do Mata Fome e uma avaliação da violência, delinquência e prostituição infantil. Essas informações ficarão disponíveis em um banco de dados já elaborado pelo Projeto.
Segundo o professor Milton Matta, a maior dificuldade encontrada para a implantação do Projeto foi a captação de recursos para as pesquisas. “Fizemos todo o trabalho sem dinheiro algum ou utilizando recursos de projetos coordenados por mim. Às vezes, utilizamos recursos do próprio LARHIMA. Nunca recebemos qualquer tipo de ajuda”. Este ano, a empresa Vale aprovou o financiamento das pesquisas por mais dois anos. “Estamos apenas esperando a liberação das verbas para darmos início aos planos de trabalho” afirma.
* foto Acervo Pesquisador
** Reportagem de Dilermando Gadelha no Beira Rio, Jornal da Universidade Federal do Pará . Ano XXIV Nº 88, Novembro de 2010, publicada pelo EcoDebate, 25/11/2010
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