Dilma é eleita a primeira presidenta do Brasil. Entrevista com Maria Izabel Noll
Dilma Rousseff assume a presidência do Brasil a partir do primeiro dia do próximo ano. Já comparada a mulheres como Hillary Clinton e Angela Merkel, Dilma venceu José Serra com pouco mais de 56% dos votos válidos e, em seu primeiro discurso depois de eleita, afirmou que fará um governo transparente, sem chance para a corrupção. “No curto prazo, não contaremos com a pujança das economias desenvolvidas para impulsionar o nosso crescimento, por isso se tornam ainda mais importantes nossas próprias políticas, nosso próprio mercado, nossa própria poupança e nossas próprias decisões econômicas”, afirmou Dilma mostrando por onde vai o seu plano de governo.
A IHU On-Line aproveitou o momento para entrevistar, por telefone, a cientista política e membro da comissão coordenadora da Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maria Izabel Noll. Ela falou sobre o que representa a eleição de Dilma e caracterizou como poderá ser o governo da sucessora de Lula na presidência da República. “Ela não é uma pessoa individualista, ela delega trabalhos e cobra resultados e sabe o que quer. Ou seja, Dilma tem um perfil diferente dos presidentes que tivemos até o momento”, afirma a professora.
IHU On-Line – O que representa, para a senhora, a eleição de Dilma Rousseff?
Maria Izabel Noll – A eleição da Dilma possui um lado que tem uma grande visibilidade e continuidade de um governo que estava indo bem, dando certo, cujo presidente está sendo bem avaliado. Nesse sentido, não podemos dizer que a eleição foi uma surpresa. Há mais empregos, as pessoas estão vivendo melhor, estão viajando, estão tendo uma série de acessos a um apêndice cultural e, por isso, ela veem com bons olhos a continuidade desta política.
Mas, por outro lado, também podemos dizer que foi uma surpresa. Por ela ser mulher, porque as pessoas podem, de alguma maneira, e não apenas a oposição, tentaram denegrir esse lado com argumentos que dizem que a Dilma não tem um perfil muito feminino. Dilma tem um perfil técnico, ela é exigente, é cobrativa, não faz gênero “mulher estática, doce e conciliadora”. Mas isso não cabe a uma pessoa que está tentando se firmar no mundo político que é um mundo, evidentemente, masculino. Então, ela precisa, ao mesmo tempo, ser extremamente competente, provar essa competência, e ainda não pode abrir nenhuma brecha no sentido de gênero.
A Marta Suplicy talvez seja a única mulher no Brasil que pode se dar o direito de fazer isso, mas é porque ela páira acima das questões políticas, técnicas e administrativas, pois, socialmente, ela tem uma posição extremamente sólida. O caso da Dilma é diferente porque, no início de sua carreira política, ela não era do PT, ela tem uma tradição de esquerda, mas não petista. Por isso, Dilma teve que se firmar dentro do partido e, então, teve que lutar para ser reconhecida e, enfim, ser indicada e não ser apenas que alguém que está no PT há muitos anos. Creio que esse é um lado novo e diferente fará com que todo o seu lado mais sensível, apesar da máscara protetora que ela visivelmente faz uso, uma vez que é certo que ela não tem paciência para esse jogo político e publicitário, seja dedicado à gestão das políticas sociais importantes. Nesse sentido, não sei quais os limites e possibilidades que ela vai ter, mas tenho certeza que Dilma será muito sensível para fazer políticas de criação de creches, por exemplo, pois sabe o que é ter um filho e não ter com quem deixar.
IHU On-Line – Que balanço a senhora faz das forças políticas que estiveram junto com Dilma?
Maria Izabel Noll – Isso é uma incógnita. A aliança de Lula, nos seus oito anos, foi ampla. O José de Alencar, peculiarmente, foi um vice-presidente ímpar na história política. Ele nunca forçou qualquer coisa. A aliança com ele foi extremamente positiva porque tirou a perspectiva purista do PT. Claro que ter o PMDB na vice-presidência não é a mesma coisa. A negociação não vai ser tranquila. Por outro lado, veja, Lula é um político e, desta forma, negociou politicamente muita coisa, por isso, acredito que Dilma tem na cabeça projetos de governo da maneira como ela acha que o Estado deve ser gerido e creio que disso ela não abre mão. Então, não sei se será um governo fácil e se haverá uma aliança e composição muito tranquila. Bom, de alguma forma pode ser tranquilo porque o PMDB já estava no governo Lula e, bem ou mal, as coisas andaram. Temos que saber o grau de exigência, o grau de ampliação com relação aos ministérios e de partilha dos cargos e recursos.
Por um lado, Dilma tem um quadro do Legislativo que é mais favorável. Ela também tem um quadro de governadores bastante favorável, inclusive no caso de Minas, pois o Anastásia não é um PSDB radical. Talvez, São Paulo seja a força de oposição mais forte. E tanto no Senado quanto na Câmara, ela tem um quadro razoável. Agora, tudo é uma questão de como se montar o governo e articular essas forças.
O que eu conheço dela é que Dilma é uma pessoa de posições muito firmes sobre as coisas e ela é extremamente estudiosa e exigente. Tenho um aluno que foi um dos quatro assessores diretos de Dilma na Casa Civil e, a partir de informações que ele nos passava, é que Dilma tem poucas pessoas de confiança, pois a exigência dela é de tal ordem que necessita uma força física e resistência altamente concentrada para aguentar o tranco. Ele sempre disse que ela não assina nada sem ler nos mínimos detalhes. Ela não é uma pessoa individualista, ela delega trabalhos e cobra resultados e sabe o que quer. Ou seja, Dilma tem um perfil diferente dos presidentes que tivemos até o momento.
IHU On-Line – Para alguns especialistas, eleita, Dilma será mais poderosa que Hilary Clinton e Angela Merkel [2]. O que isso significa?
Maria Izabel Noll – Dilma terá uma visibilidade muito grande. E ela tem uma capacidade de liderança extremamente importante. Mas está é a segunda etapa da história. Primeiro, Dilma terá que construir, internamente, um certo tecido político que foi muito rompido. Eu confesso que fiquei muito impressionada com o nível da campanha neste segundo turno. Nem em 1989 houve um nível de radicalização e interferência em todos os aspectos. Por isso, ela vai ter que reconstituir isso. Porém, Dilma ganhou com uma margem considerável, o que é muito bom. Agora, é uma questão de montar o governo e criar continuidade tendo claro que ela terá que repensar o esquema midiático do governo porque não vai ser fácil.
IHU On-Line – O que esperar desse cenário político sem a presença de Lula?
Maria Izabel Noll – O presidente Lula esteve presente fortemente durante tanto tempo tanto na presidência quanto na campanha da presidente eleita. Dilma, e não necessariamente pelo fato de sua imposição em alguns setores, vai ter um estilo próprio. Não vejo, e nem Lula tem interesse nisso, a presença de uma marca do atual presidente no jeito como ela vai governar. Acredito que Lula construiu uma legitimidade em termos de política externa que ele estabeleceu e, por isso, ele tem espaços para ocupar e construir. Nessas alturas, ele tem uma liderança na América Latina que não precisa de base de governo para atuar. Ele é um grande articulador e sabe fazer as coisas acontecerem inclusive em situações bastante complicadas.
(Ecodebate, 03/11/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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