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Má alimentação e estresse causam o avanço da gastrite infantil

Má alimentação e estresse causam o avanço da gastrite infantil
Infográfico no Correio Braziliense.

A pequena Heloísa Garcia Antunes, 10 anos, sempre se queixou de dor na barriga. Considerada pelos pais uma criança ativa e agitada, a menina ficava cabisbaixa e abatida quando o sintoma se manifestava. A gastrite foi diagnosticada somente no começo deste ano, quando a dona de casa Salete Garcia, mãe da garota, percebeu que a filha também apresentava mau hálito persistente, apesar dos devidos cuidados de higiene. “A alteração no hálito me preocupou e eu procurei o atendimento de um especialista. Na consulta, Heloísa deixou claro para o médico que a dor era em forma de queimação, fato que já o levou a suspeitar de gastrite. Levei um susto. Não sabia que crianças sofriam com essa doença”, relata. Uma endoscopia confirmou o diagnóstico e o tratamento foi iniciado em seguida.

Não existem estudos que apontem a incidência da gastrite infantil no Brasil. Pediatras e gastroenterologistas, porém, são unânimes em dizer que a doença tem feito mais vítimas que em décadas passadas. A inflamação na mucosa do estômago pode ser causada pela dieta inadequada, com alimentação ácida, rica em gordura e sódio, assim como a ingestão excessiva de produtos embutidos ou condimentados. Reportagem de Márcia Neri, no Correio Braziliense.

Fatores hereditários, estresse emocional e alguns medicamentos também podem desencadear o problema. Uma vilã de peso é a bactéria Helicobacter pylori (Hp), micro-organismo que afeta 50% da população mundial e é causadora da gastrite. O gastroenterologista infantil do Hospital Anchieta Willian Casa Grande explica que a Hp é responsável por pelo menos 30% dos casos de gastrite nos pequenos.

Segundo o médico, os sintomas são praticamente os mesmos da inflamação que ocorre no estômago dos adultos, mas como as crianças não sabem expressar perfeitamente o que sentem, o diagnóstico é postergado, causando desconforto por um bom período. A dor na região abdominal é a manifestação principal. “Normalmente, ela é interpretada pelos pais como dor de barriga. A negligência faz com que a doença avance e passe a provocar vômitos, azia, queimação torácica e mal-estar. Nas fases pré-escolar e escolar, quando a criança descobre o fast-food, com refrigerantes e alimentos menos saudáveis, o problema é mais comum”, aponta Casa Grande.

Uma biópsia feita com a endoscopia pode confirmar se a gastrite foi provocada pela Helicobacter pylori, transmitida por via oral-oral ou oral-fecal. Por isso, compartilhar talheres, copos e escovas de dentes pode ser perigoso, assim como ingerir alimentos mal lavados. O médicos evitam pedir a endoscopia em crianças. Por serem naturalmente mais agitadas que os adultos, é preciso lançar mão de anestesia geral para a realização do procedimento e os pais geralmente relutam em permiti-lo. “No entanto, a endoscopia é o melhor exame para o diagnóstico, principalmente se a inflamação é provocada pela bactéria. Ela nos permite verificar o estado da mucosa e pinçar um pedacinho do estômago para a biópsia. Quando a Hp é a desencadeadora da doença, o tratamento deve ser diferenciado. É preciso eliminar a bactéria e tratar a doença”, esclarece.

Cobranças
Antecedentes familiares aumentam as chances de desenvolver gastrite. A sobrecarga de atividades e a cobrança que a vida moderna impõe aos pequenos também podem ser danosas. O pediatra Wilson Marra explica que o excesso de afazeres não permite que meninos e meninas tenham tempo para curtir a infância. Aulas de idiomas, de informática, academia e outros compromissos, se não forem bem dosados, promovem um ritmo de vida alucinante. “A garotada não sabe lidar com o estresse e isso tem reflexos graves na saúde. Depois da Hp e da alimentação inadequada, ele é o grande culpado pelo aumento dos casos nos últimos anos. Os pais devem deixar as crianças serem crianças. É preciso tempo para brincar e relaxar. A alimentação também deve ser muito bem cuidada e é responsabilidade dos pais, não das babás”, enfatiza o pediatra.

O tratamento para a gastrite é feito com medicamentos específicos, que reduzem a secreção ácida do estômago, mas, se os cuidados com a higiene e a alimentação não forem adequados, a doença acaba virando um ciclo. “Não basta medicar, é preciso manter uma dieta balanceada e educar para hábitos saudáveis. Ensinar desde cedo os pequenos a resistirem aos apelos da indústria de fast food pode evitar a doença. Não radicalize proibindo sanduíches e salgadinhos, mas não permita que se coma esse tipo de coisa todos os dias. Se a gastrite já se manifestou, trate e não relaxe depois da cura”, aconselha Marra.

Helena acabou passando pela endoscopia, mas Salete confessa ter ficado com muito receio do exame. Ela admite, porém, que ele foi fundamental para que o diagnóstico fosse confirmado com mais rapidez e o tratamento iniciado imediatamente. “Hoje, Helena ainda toma o medicamento, mas estamos prestes a fazer uma avaliação para verificar se ela está totalmente curada. Minha filha também aprendeu a consumir produtos saudáveis. É claro que ela ainda tem vontade de comer chocolates e salgadinhos, mas agora tem consciência do mal que podem provocar e tenta evitá-los”, conta a mãe aliviada.

Demora
A recepcionista Tavana Faria Freitas Santana, 31 anos, levou mais de um ano para descobrir a causa das terríveis dores no estômago da filha Tamila Faria Freitas Melo, 12 anos. A menina já havia sido internada diversas vezes e tinha constantes crises de vômito. “Antes de conseguir encontrar um gastroenterologista que indicasse a endoscopia, ela passou por diversos médicos. A doença já estava em estágio avançado, mas o tratamento trouxe alento em pouco tempo”, diz. Tamila foi medicada e não sofre mais com as dores que a deixavam de cama. A alimentação também foi modificada. Na nova dieta, a mãe evita oferecer carnes vermelhas e leite, porque esses alimentos desencadeavam irritação no estômago. “Com a doença, atentei para o fato de minha filha ser uma criança sobrecarregada de atividades extracurriculares. Isso trazia ansiedade. Até hoje, noto que situações novas desencadeiam a dor. A diferença é que agora sabemos lidar com tudo isso e acompanho de perto o que ela está comendo”, explica.

O biólogo Guilherme Álvares e a maquiadora Marina Praia sempre estimularam o pequeno João, 4 anos, a comer frutas, verduras e cereais. A tática funcionou. A criança é saudável e não dá o menor prestígio para os salgadinhos industrializados, biscoitos e refrigerantes. “João não troca uma fruta por essas besteiras que quase todas as crianças adoram. Até no lanche da escola ele exige que tenha uma banana, uma goiaba ou uma maçã todos os dias. Ele não come muito, mas faz várias refeições e detesta refrigerantes. A gastrite e a obesidade nunca o ameaçaram”, diz a mãe do menino.

Descoberta valeu o Nobel
A Helicobacter pylori (Hp) é uma bactéria que vive no muco que cobre a superfície do estômago. O microrganismo foi identificado por dois bacteriologistas australianos — Robin Warren e Barry Marshall — em 1983. Pelo feito, eles receberam o prêmio Nobel de Medicina, em 2005. A gastrite provocada pela Hp é das infecções mais frequentes no mundo, atingindo mais de 50% da população mundial. A prevalência da bactéria é mais comum em países em vias de desenvolvimento, como o Brasil, mas em algumas nações europeias, como é o caso de Portugal, a incidência da Hp é bem superior à dos vizinhos desenvolvidos. A prevalência da infecção aumenta cerca de 1% ao ano na população em geral.

EcoDebate, 01/11/2010

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