Decrescimento econômico socialmente sustentável, artigo de Joan Martinez Alier
A crise econômica de 2008-2009 oferece a oportunidade de colocar a economia dos países ricos numa diferente trajetória, no que concerne os fluxos de energia e de materiais.
Antes de 2008, as emissões mundiais de dióxido de carbono cresciam 3 por cento ao ano, e prevê-se que atingiríamos 450 ppm (partes por milhão) em 30 anos. As emissões de dióxido de carbono atingiram um «pico» em 2007. Chegou a hora de uma transição socioeconómica permanente que baixe os níveis de uso de energia e de materiais, incluindo o decréscimo de AHPPL (AHPPL: apropriação humana de produção primária líquida). A crise pode abrir também a oportunidade de uma reestruturação das instituições sociais. O objetivo nos países ricos deveria ser o de viver bem sem o imperativo de crescimento económico.
Além disso, estaremos a caminho de uma redução da população mundial quando esta chegar ao pico dos 8 mil (ou 8,5 mil) milhões, reduzindo assim a pressão sobre os recursos e vazadouros (sinks) na segunda metade do século XXI
O apoio explícito de Georgescu-Roegen, em 1979, ao conceito de decrescimento (Grinevald and Rens, 1979), as perspetivas de Herman Daly sobre o estado estacionário (steady-state) desde o início dos anos 1970, o êxito de Serge Latouche em França e na Itália, na última década, ao insistir no decrescimento económico (Latouche, 2007), prepararam o terreno. Chegou o momento, nos países ricos, de um decrescimento económico socialmente sustentável reforçado por uma aliança com o «ambientalismo dos pobres» no hemisfério sul.
A economia tem três níveis
O livro Economia Cartesiana, de Frederick Soddy, foi publicado em 1922, e Riqueza, Riqueza Virtual e Dívida, em 1926. Ganhou o Prémio Nobel de Química e foi professor em Oxford, como explico no meu livro Economia Ecológica, de 1987. A minha interpretação das concepções de Frederick Soddy é semelhante à do artigo de Herman Daly sobre ele, datado de 1980. Os ensinamentos de Soddy nos anos 1920 tornaram-se fáceis de entender para os economistas ecológicos que tinham lido A Lei da Entropia e o Processo Económico, de 1971, de Georgescu-Roegen.
O essencial em Soddy era simples e aplica-se hoje. É fácil ao sistema financeiro aumentar as dívidas (dívidas públicas ou privadas), e tomar falsamente essa expansão do crédito por criação de riqueza real. Porém, no sistema industrial, o crescimento da produção e o crescimento do consumo implicam crescimento da extração e destruição final dos combustíveis fósseis. A energia dissipa-se, não se pode reciclá-la. Riqueza real seria, em vez disso, o fluxo permanente de energia proveniente do sol. A contabilidade econômica é falsa porque confunde o esgotamento dos recursos e o aumento de entropia com a criação de riqueza.
A obrigação de pagar dívidas a juro composto poderia ser satisfeita espremendo por algum tempo os devedores. Outros meios de pagar a dívida são a inflação (depreciação do valor da moeda) ou o crescimento econômico – que se mede de maneira falsa porque se baseia na subvalorização de recursos esgotáveis e na não valorização da poluição. A contabilidade econômica não dá conta adequadamente dos prejuízos ambientais e da esgotabilidade dos recursos. Era essa a doutrina de Soddy. Foi sem dúvida um precursor da economia ecológica.
Por outras palavras, a economia tem três níveis. No topo situa-se o nível financeiro que pode crescer por meio de empréstimos feitos ao setor privado ou ao estado, por vezes sem qualquer garantia de reembolso como acontece na atual crise. O sistema financeiro saca de empréstimo ao futuro, na expectativa de que um crescimento econômica indefinido há de proporcionar os meios de reembolsar os juros e as dívidas. O sistema financeiro cria riqueza «virtual». Os bancos concedem crédito muito para além do que possuem em depósitos, e isso impele ou empurra o crescimento econômica pelo menos por algum tempo.
Vem depois aquilo a que os economistas chamam a economia real, a chamada economia produtiva. Como refere o The Economist (11 de abril de 2009), Hakan Samuelsson, presidente da empresa alemã de fabricação de caminhões MAN, fez essa distinção com toda a clareza quando afirmou: «Criar valor através da alavanca financeira será mais difícil no futuro, podemos por isso regressar à nossa real tarefa que é a de criar valor industrial através da tecnologia, da inovação e do fabrico eficiente».
Quando a economia real dos economistas cresce, ela de fato permite reembolsar alguma ou toda a dívida; quando não cresce o suficiente, a dívida fica por pagar. A montanha da dívida cresceu em 2008 muito para além daquilo que os acréscimos do PIB (Produto Interno Bruto, GDP) poderiam pagar. A situação não era financeiramente sustentável. Mas o próprio PIB não era ecologicamente sustentável.
Mais abaixo, no alicerce da construção econômica, subjacente à economia real dos economistas, situa-se o terceiro nível: a economia real-real dos economistas ecológicos, os fluxos de energia e de materiais (transportados por camiões e navios). O seu crescimento depende em parte de fatores econômica (tipos de mercados, preços) e em parte de limites físicos. Atualmente, existem não apenas limites em recursos, mas também limites notórios dos vazadouros. As alterações climáticas são causadas principalmente pela queima excessiva de combustíveis fósseis.
Regressar ao «crescimento alimentado pela dívida» após 2009 não seria apenas financeiramente perigoso. É na verdade impossível atualmente, já que os bancos estão saturados de «ativos tóxicos» e, por isso, relutantes em emprestar. A própria frase é enganadora. O crescimento não é «alimentado» pela dívida e pelo dinheiro, ele é, prosaicamente, alimentado pelo carvão, pelo petróleo e pelo gás. Os combustíveis fósseis não são produzidos pela economia, foram produzidos geologicamente há muito tempo atrás.
Keynesianismo verde ou decrescimento sustentável?
A crise econômica de 2008-2009 fez regressar John Maynard Keynes à boca da cena. Em linguagem keynesiana, podemos dizer que as economias têm capacidade produtiva não utilizada, existe um fosso entre a procura efetiva e a utilização em plena capacidade do trabalho e do equipamento industrial. O desemprego está a aumentar, e o remédio adequado é aumentar a despesa pública, «despesa ao abrigo do défice», como se diz. A despesa pública é boa porque, indiretamente, leva a comprar carros e a pagar as hipotecas e mesmo a comprar novas casas, arrancando essas indústrias da depressão. Os governos encontram-se sob pressão não apenas para aumentar a despesa em investimento público ou em consumo, mas para refinanciar as dívidas privadas aos bancos, dívidas que não serão pagas («ativos tóxicos»), convertendo até certo ponto essas dívidas privadas em dívidas públicas.
Keynes quis sair da crise de 1929. A receita pré-keynesiana de esperar que o mercado atingisse o equilíbrio esperando, portanto, que o desemprego crescente deprimisse os salários a tal ponto que os empresários voltariam a querer admitir de novo trabalhadores, foi desastrosa. Para esclarecer esse ponto, Keynes teve o célebre dito de que não lhe interessava o que viesse a acontecer no longo prazo quando a economia tivesse recuperado da crise.
Nos anos 1950, economistas como Roy Harrod e Evsey Domar converteram o keynesianismo numa doutrina de crescimento de longo prazo. Desde que houvesse bastante despesa pública ou privada em consumo e investimento para manter a procura efetiva próxima da oferta potencial com plena capacidade de utilização, a economia não entraria em crise. Entretanto, o investimento teria feito aumentar a oferta potencial, de forma a que nova despesa seria exigida na ronda seguinte de modo a que a economia não entrasse em crise, numa via virtuosa de crescimento contínuo. Esses modelos econômicos eram metafísicos no sentido em que não tinham em consideração o caráter esgotável dos recursos ou a poluição.
O keynesianismo foi triunfante nos anos 1960, a era do petróleo baratíssimo. Mais tarde, tanto os keynesianismos de curto como os de longo prazo foram abandonados. O pensamento neoliberal ressuscitou. Os neoliberais, como Hayek, achavam que os mercados sabiam muito mais do que o estado. Mas uma objeção ao neoliberalismo que não obteve resposta, formulada pelos ambientalistas, era que o mercado não valorizava a escassez futura e intergeracional (como tinha já notado Otto Neurath em Viena nos anos 1920 em contraposição a Von Mises e Hayek no debate sobre o cálculo socialista, cf. Martinez-Alier, 1987).
Na crise de 2008-2009, o neoliberalismo passa por doença grave. Alguns banqueiros estão a pedir que o estado tome conta dos seus bancos. Keynes regressou, reencarnado em Stiglitz e Krugman. Na qualidade de economistas ecológicos, temos que perguntar: estamos perante um Keynes de curto prazo para sairmos dos piores aspectos da crise, ou também um Keynes de longo prazo para entrarmos numa via de crescimento econômico contínuo?
Aqueles que propõem um keynesianismo Verde ou um New Deal Verde de curto prazo como medida temporária estão próximos de uma economia ecológica. Se o investimento público tiver que crescer, como na verdade tem, para conter o aumento do desemprego, é melhor canalizá-lo para o bem-estar dos cidadãos e para «tornar verde» a produção de energia, do que para a construção de autoestradas e aeroportos.
No entanto, o keynesianismo Verde não se deveria tornar uma doutrina de crescimento econômico contínuo. Até agora, o crescimento deu-se com o uso de energia do carvão, petróleo e gás natural. No keynesianismo verde parece desejável aumentar o investimento público em conservação da energia, instalações fotovoltaicas, transportes públicos urbanos, recuperação de habitações, agricultura biológica. Mas não parece desejável perseverar na crença no crescimento econômico. Nos países ricos um ligeiro declínio econômico está já a verificar-se e facilmente se poderia tornar socialmente sustentável.
Não estamos nos anos 1930 – na Europa existem economias com rendimentos per capita de mais de 25 mil euros. É possível obter um recuo de 10 por cento (com um decréscimo correspondente de energia e fluxos materiais) caso existam ou sejam criadas instituições de redistribuição. Desse modo, entraremos numa transição socioecológica. Existe já um acordo na Europa para que as emissões de dióxido de carbono sejam reduzidas em 20 por cento em relação a 1990. Na realidade, as emissões e o PIB, estão, no início de 2009, a diminuir mais depressa que o exigido para atingir esse alvo.
Há muitas décadas atrás, o movimento feminista mostrou com clareza que o PIB não valoriza o que não se encontra no mercado, como o trabalho doméstico não pago e o trabalho voluntário. Uma sociedade rica em «bens e serviços relacionais» teria um PIB mais baixo do que uma (impossível) sociedade na qual as relações pessoais fossem exclusivamente mediadas pelo mercado.
O movimento pelo decrescimento sustentável insiste no valor não crematístico dos serviços locais e recíprocos. Além disso, os economistas (ou melhor, os psicólogos) concordam agora em que, acima de um certo limiar, o crescimento do PIB não conduz necessariamente a uma maior felicidade. Essa pesquisa atualiza a literatura sobre o chamado paradoxo de Easterlin (veja http://en.wikipedia.org/wiki/Easterlin_paradox). Por isso, o PIB deveria deixar de ter a posição dominante que tem atualmente em política e que prejudica exigências sociais e ambientais.
No entanto, o decrescimento pode provocar problemas sociais que temos que encarar para que a proposta de decrescimento seja socialmente aceitável. Se a produtividade do trabalho (por exemplo, o número de carros que um trabalhador produz por ano) aumenta anualmente 2 por cento mas a economia não acompanha esse aumento, o resultado será o aumento do desemprego. A resposta deverá ser dupla. Os aumentos de produtividade não são corretamente medidos. Se há substituição de energia humana por máquinas, o preço da energia toma ou não em conta o esgotamento de recursos e as externalidades negativas? Sabemos que não.
Mais ainda, deveríamos separar o direito a receber uma remuneração do fato de ter um emprego. Essa separação já existe em muitos casos (crianças e jovens, pensionistas, pessoas que recebem subsídio de desemprego), mas deveria ser ampliada. Temos que redefinir o que significa «emprego», tendo em conta os serviços domésticos não pagos e o setor voluntário, e temos que introduzir ou ampliar a cobertura de um Rendimento Base ou Rendimento do Cidadão universal.
Outra objeção surge. Quem pagará a montanha de dívidas, hipotecas e outras dívidas se a economia não crescer? A resposta tem que ser: ninguém vai pagar. Não podemos forçar a economia a crescer à taxa do juro composto segundo a qual as dívidas se acumulam. O sistema financeiro tem que ter regras diferentes das atuais. Nos Estados Unidos e na Europa o que é novo não é, pois, o keynesianismo ou mesmo o keynesianismo verde. O que é novo é um crescente movimento social a favor do decrescimento sustentável. A crise abre oportunidades a novas instituições e hábitos sociais.
O preço do petróleo
O ensino da economia nas universidades baseia-se ainda numa imagem da economia como um carrocel entre consumidores e produtores. Encontram-se uns aos outros em mercados de bens de consumo ou em mercados de serviços de fatores de produção (como a venda de tempo de trabalho em troca de salário). Formam-se os preços, trocam-se quantidades. Isso é Crematística. A contabilidade macroeconómica (PIB) agrega quantidades multiplicadas pelos preços.
A economia pode ser descrita, no entanto, de maneira diferente, como um sistema de transformação de energia (esgotável) e de materiais (incluindo a água) em produtos e serviços úteis, e finalmente em lixo. É isso a Economia Ecológica (de N. Georgescu Roegen 1966, Herman Daly 1968, A. Kneese e R. U. Ayres 1969, Kenneth Boulding 1966). A crítica da contabilidade econômica convencional realça com freqüência os valores atuais que esquecem os serviços ambientais prestados pelos ecossistemas. Os serviços ambientais dos recifes de coral, dos manguezais, da floresta tropical, podem ser dados pela noção de um valor monetário por hectare e por ano, sendo então os hectares perdidos traduzidos em perdas econômicas virtuais. Essa abordagem é boa porque permite causar impressão no público com a importância das perdas ambientais, mas é seguramente insuficiente para compreender as relações entre economia e ambiente, porque a nossa economia depende da fotossíntese realizada há milhões de anos para as nossas principais fontes energéticas. Depende de antigos ciclos bioquímicos para outros recursos minerais que estamos a malbaratar sem substituição possível.
No caso do petróleo, o «pico» da curva de Hubbert foi talvez já atingido. Em 2007 estávamos a extrair quase 87 mbd (milhões de barris por dia) – em termos de calorias a média mundial era equivalente a cerca de 20 mil kcal por pessoa e por dia (dez vezes mais que o insumo de energia alimentar), e nos Estados Unidos era equivalente a 100 mil kcal por pessoa e por dia. Em termos de energia exossomática, o petróleo é, pois, muito mais importante do que a biomassa. No início de 2009, a extração tinha baixado para 84 mbd.
A União Européia, o Japão, os Estados Unidos e algumas partes da China e da Índia são grandes importadores líquidos de energia e de materiais. Os Estados Unidos, tendo atingido o «pico» interno do petróleo nos anos 1970, importam mais de metade do petróleo que consomem. Essas importações de energia e materiais para os países ricos têm necessariamente que ser relativamente baratas para que o seu metabolismo social funcione adequadamente. Como escreveu Hornborg em 1998, «os preços de mercado são os meios pelos quais os centros do sistema mundial extraem energia (ou seja, energia disponível) das periferias», por vezes com o auxílio da força militar.
A tentativa de pôr o Iraque a produzir 2 ou 3 mdb extra a partir de 2003 falhou, como observou com tristeza Alan Greenspan nas suas memórias. A OPEC, após a queda dos preços do petróleo em 1998, e ajudada pelos esforços de Hugo Chávez da Venezuela e pela explosão econômica da China e da Índia, geriu com êxito a restrição da oferta. O preço do petróleo atingiu o máximo em 2007-2008.
Durante a explosão no setor da construção nos Estados Unidos, venderam-se casas a pessoas que foram incapazes de pagar as hipotecas, ou foram construídas casas (como nas vastas extensões de casas novas vazias em Espanha) com a esperança de que iriam aparecer compradores capazes de obter crédito. Os salários reais nos Estados Unidos não aumentaram muito nos últimos anos, mas o crédito aos consumidores tinha de fato aumentado. A distribuição do rendimento tinha-se tornado mais desigual. As poupanças das famílias tinham descido ao mínimo quando a crise disparou.
Os banqueiros parecem ter pensado que o crescimento econômico continuaria e aumentaria o valor das casas que estavam hipotecadas. Fizeram «pacotes» com as hipotecas e venderam-nos a outros bancos que os venderam ou tentaram vender a investidores inocentes. A explosão na construção de casas terminou em 2008. A indústria privada da construção quase parou em alguns países.
A nacionalização parcial de alguns bancos na União Européia e nos Estados Unidos evitou a súbita generalização das falências dos bancos, à custa do aumento da dívida pública. A despesa baseada no déficit numa situação de falta de procura agregada é uma receita keynesiana com a qual é possível estar de acordo na situação atual – deveria ser aplicada a resolver os problemas sociais mais prementes e em investimentos ambientais, e não em despesa militar (para defender o petróleo?) ou na indústria automóvel ou em autoestradas.
Seja como for, a abertura do crédito financeiro a todos não foi a única causa da crise, que foi acionada pelos preços elevados do petróleo, devido não apenas ao oligopólio da OPEC mas também à aproximação do «pico» do petróleo. De fato, a teoria econômica não diz que um recurso esgotável deveria ser vendido ao custo marginal da extração. Poderia argumentar-se que o petróleo a 140 dólares americanos ainda é barato do ponto de vista da sua justa alocação intergeracional e das externalidades que produz.
A atual crise econômica não é apenas uma crise financeira, e não foi provocada apenas pela oferta de novas casas nos Estados Unidos, que excedeu a procura capaz de ser financiada sustentavelmente. Foi igualmente causada por preços elevados do petróleo. A bolsa começou a cair em janeiro de 2008, mas até julho de 2008 o preço do petróleo continuou a subir. À medida que a crise se agravava, o preço do petróleo descia, mas recuperará em termos reais se e quando a economia voltar a crescer.
Existe aqui um «desestabilizador» automático da economia. É difícil descobrir novas jazidas de petróleo à medida que descemos a curva de Hubbert. Além disso, o preço baixo do petróleo implica uma oferta que descerá em poucos anos devido à descida de investimento nos campos petrolíferos com custos marginais mais elevados. A coroar tudo isso, a OPEC tenta reduzir a extração de petróleo durante a crise para manter altos os preços.
Decrescimento econômico e emissões de dióxido de carbono
A crise econômica implicará uma mudança bem-vinda no que concerne ao aumento totalmente insustentável das emissões de dióxido de carbono. O objetivo de Quioto de 1997 era generoso para os países ricos, pois lhes dava direitos de propriedade sobre os sumidouros de carbono e sobre a atmosfera em troca da promessa de uma redução de 5 por cento das suas emissões em relação a 1990. Este modesto objetivo de Quioto será cumprido mais facilmente. Seria fácil prever em outubro de 2008 que o comércio de carbono iria desmoronar-se a não ser que fossem aprovados limiares mais baixos. A aviação, a construção de casas, as vendas de carros diminuíram na segunda metade de 2008 em muitos países europeus e nos Estados Unidos. Os condutores nos Estados Unidos compravam, no início de outubro de 2008, 9 por cento menos gasolina do que no início de outubro de 2007, de modo que os números publicados em fevereiro de 2009, que indicavam uma descida de 6 por cento na produção da economia dos Estados Unidos, no último trimestre de 2009, não constituíram surpresa.
No entanto, os apóstolos do crescimento não estão dispostos a utilizar a crise atual de modo a deslocar a economia para um padrão tecnológico e de consumo diferente. Pelo contrário, arranjam razões para pensar que as vendas de carros continuarão fortes porque, se bem que os Estados Unidos tenham cerca de um carro por cada pessoa em idade de dirigirir, a China tem menos de três carros por cada 100 pessoas e a Índia menos ainda. «Quando alguém consegue um teto onde se abrigar, carne à mesa e um bom emprego, o que quer a seguir são as quatro rodas» – pontifica o The Economist (14 de novembro de 2008), anunciando que se prevê que, nos próximos 40 anos, a frota mundial de carros crescerá dos atuais 700 milhões para cerca de 3 bilhões.
A economia da Índia e também a da China (impelidas pela procura interna) podem bem continuar a crescer a taxas de 4 ou 5 por cento em 2009, e até mais. Desde que o preço do petróleo se mantenha baixo, a indústria de automóvel crescerá mais do que a economia e será um motor do crescimento econômico juntamente com a indústria da construção. No entanto, um mundo de 3 bilhões de carros exigiria um muito maior dispêndio de energia. Qual será o impacto da economia real na economia real-real? Como serão movidos os carros? Eletricidade? Hidrogênio? Qual será o custo da energia?
Existe uma tendência histórica para o aumento de custos de energia utilizado para a obtenção de energia (um EROI mais baixo; energy return of investment, retorno energético do investimento; ver http://www.eoearth.org/article/Energy_return_on_investment_). A recente descoberta no Brasil de 30 bilhões de barris de petróleo (um ano de consumo mundial) no mar e a milhares de metros de profundidade, pode tornar-se um poço sem fundo de energia e de dinheiro.
Descer do pico da curva de Hubbert será política e ambientalmente difícil. No Delta do Níger e na Amazônia do Peru e do Equador surgem conflitos contra empresas como a Shell, Repsol, Oxy. O recurso a algumas outras fontes de energia (agrocombustíveis, energia nuclear) poderá atenuar as dificuldades. Felizmente verifica-se um aumento da energia eólica e fotovoltaica, que ajudarão a compensar o abastecimento cada vez menor de petróleo ao longo das próximas décadas. O abastecimento de carvão está a aumentar (foi já multiplicado por sete no século XX), mas o carvão é nocivo a nível local, e também a nível mundial devido às emissões de dióxido de carbono.
Foi já alcançado o pico em emissões de dióxido de carbono
Esse máximo mundial foi alcançado devido à crise econômica. As emissões estão agora (finalmente?) a descer. O que pode tornar-se uma oportunidade histórica única. Em maio de 2008 anunciou-se que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera tinha chegado a um recorde de 387 ppm de acordo com as medições no observatório de Mauna Loa, no Havaí. Isso significava um aumento de 30 por cento acima do nível de 300 ppm que Svante Arrhenius utilizou no seu artigo de 1895, quando mostrou que queimar carvão iria aumentar a concentração de dióxido de carbono na atmosfera e provocaria o aumento das temperaturas. Entre 1970 e 2000, a concentração tinha aumentado 1,5 ppm por ano; de 2001 a 2007 o aumento da concentração atingiu 2,1 ppm. No início de 2008, o mundo continuava a encaminhar-se a toda a velocidade para que, em cerca de 30 anos, se viessem a atingir 450 ppm. O grande aumento dos preços do petróleo e de outras matérias primas até julho de 2008, e a crise econômica na segunda metade de 2008 e em 2009, parou o crescimento econômico e alterou a tendência das emissões de dióxido de carbono. Do ponto de vista das alterações climáticas, a crise econômica não pode deixar de ser bem-vinda.
A concentração de dióxido de carbono na atmosfera irá ainda aumentar, embora não tão rapidamente. As emissões são ainda muito mais elevadas do que a capacidade de absorção dos oceanos, dos solos e da nova vegetação. O IPPC argumenta nos seus relatórios que as emissões deveriam descer em 60 por cento (e não os mesquinhos 2 ou 3 por cento que provavelmente se verificarão em 2009, que se esperaria que assinalassem uma alteração permanente da tendência). O objetivo de 60 por cento de redução está longe da atual realidade, e também dos compromissos de Quioto e dos prováveis compromissos pós-Quioto. Seja como for, a recomendação do IPCC está hoje mais perto da implementação do que estava anteriormente.
O pico de emissões em Espanha
A Espanha foi, dentre os países europeus que não cumpriram as metas de Quioto devido à «bolha» européia, o mais grave prevaricador, seguida pela Itália e pela Dinamarca, o que torna o caso da Espanha interessante embora as suas emissões per capita sejam «apenas» o dobro da média mundial. Em 2007, as emissões espanholas ainda cresceram acima de 2 por cento em comparação com 2006, alcançando um aumento de 52,6 por cento relativamente a 1990, ano base para o protocolo de Quioto. No interior da Europa, foi permitido à Espanha um aumento de 15 por cento até 2012. Mas aumentou já 52,6 por cento! O governo declarou em 2008 que iria comprar licenças de emissão à Europa Oriental e utilizar igualmente os mecanismos de flexibilidade de Quioto.
No entanto, em Espanha, o pico das emissões coincidiu com o pico mundial. O pico espanhol de 2007 é provavelmente definitivo. Ela é, afinal de contas, uma economia com um elevado nível de rendimento per capita que está agora um pouco em declínio enquanto o desemprego aumenta, mas onde o mercado automóvel e da eletricidade não pode facilmente crescer como na China ou na Índia. O decrescimento econômico pode ser em larga medida socialmente sustentável.
As emissões de dióxido de carbono espanholas baixaram em 2008 e vão baixar em 2009. Provavelmente continuarão a baixar em 2010 devido à continuação da crise econômica e devido a alterações na mistura («mix») energética. O decréscimo de 5 ou 6 por cento em 2008 (não há ainda números oficiais) deve explicar-se pelo decréscimo de produção de eletricidade nos últimos quatro meses do ano (em comparação com 2007), pelo decréscimo de consumo de petróleo e pelo relativo aumento de energia eólica e ciclo combinado de gás e eletricidade (em vez de carvão).
A produção industrial baixou cerca de 20 por cento em dezembro de 2008 relativamente ao ano anterior. A produção de cimento desceu a 30 milhões de toneladas por ano a partir de um pico anterior de 50 milhões de toneladas que foi propulsionado por uma explosão na construção, a qual produziu um grande excesso de casas e apartamentos que ficaram por vender e enormes dívidas financeiras. A falta de procura dos seus produtos levou várias indústrias (como as cerâmicas de Valência) a vender as suas licenças de emissão de carbono no final de 2008. Em abril de 2008, as indústrias dos setores da energia, do cimento e do papel, tinham obtido licenças «apadrinhadas» ao abrigo do sistema europeu de comércio de emissões. A crise produziu em Espanha, como noutras partes da Europa, uma abundância de licenças e um declínio do preço das concessões de dióxido de carbono.
Um preço baixo é um desincentivo para a introdução de alterações técnicas que evitariam emissões de carbono. A União Européia e também o governo espanhol deveriam reduzir rapidamente a alocação de licenças. A atual quantidade de licenças é excessiva porque se baseou em projeções econômicas que não incluíam a ocorrência de uma crise econômica. O decrescimento econômico não pôde ser previsto pela competente burocracia européia.
Deve realçar-se que o mercado de licenças de dióxido de carbono é um mercado artificial. O abastecimento depende da vontade política de restringir as emissões, não até ao nível necessário (por exemplo, uma redução de 60 por cento), mas àquilo que se considera política e economicamente suportável, num contexto mental que assume a continuidade do crescimento econômico mesmo nos países mais ricos. Enquanto que a redução das emissões de dióxido de carbono em Espanha em 2008 foi talvez de cerca de 6 por cento, em 2009 (segundo previsões de abril do mesmo ano) poderia atingir 8 por cento devido à crise econômica e porque 2009 será um excelente ano hidroelétrico graças às chuvas abundantes.
O governo espanhol falou demasiado cedo quando anunciou que compraria licenças de «ar quente (hot air)» aos países da Europa Oriental quando o preço era ainda elevado em 2008. «Ar quente» é como se chama à «inundação» de licenças provenientes desses países cujas economias decresceram depois de 1990 (e cuja eficiência energética melhorou), como a Rússia, a Polônia, a Romênia, a Ucrânia.
No Protocolo de Quioto de 1997, a União Européia atribuiu a si própria uma quota generosa (igual às emissões de 1990 menos uma redução de cerca de 8 por cento para 2012), e por isso grandes quantidades de «ar quente» aparecerão agora também em países da Europa Ocidental e Central como a Alemanha (que se encontra já na via de Quioto e cuja economia parece estar a decrescer em 5 por cento em 2009). A criação de «ar quente» barato é contraproducente para ulteriores reduções de emissões.
Copenhaga 2009
O PIB mundial irá decrescer em 1 ou 2 por cento em 2009, enquanto que o decréscimo econômico nos Estados Unidos, na União Européia e no Japão será superior a esse valor. Entre agosto de 2008 e março de 2009, o consumo de gasolina nos Estados Unidos decresceu no mínimo 10 por cento. As emissões desses países mais a Rússia irão decrescer no mínimo em 5 por cento. O que é de fato elevado quando comparado com os objetivos que foram admitidos politicamente até agora.
No entanto, devido a uma questão de censura mental, nem o IPCC nem o relatório de Lord Stern postularam um cenário de ligeiro decrescimento econômico da economia mundial seguido de um período de não crescimento na União Européia e nos Estados Unidos. Esse seria o cenário que converteria o pico de emissões de dióxido de carbono de 2007 num acontecimento histórico único. As economias da América do Sul, que no período neoliberal se «reprimarizaram» e se tornaram (de novo) economias exportadoras de matérias primas nas quantidades mais elevadas de sempre, irão agora pagar por isso um preço econômico. O seu crescimento está a parar devido à crise econômica e aos termos de troca comercial em declínio.
O aumento de emissões de dióxido de carbono da China e da Índia será previsivelmente mais ou menos idêntico ao crescimento na Índia (de cerca de 5 por cento), e um pouco inferior ao crescimento econômico na China. As emissões per capita da Índia estão muito abaixo da média mundial (a Índia tem mais de 15 por cento da população mundial e cerca de 4 por cento das emissões). As emissões per capita da China estão muito mais próximas da média mundial. No total do país, a China é já o maior emissor, um pouco mais do que os Estados Unidos. O aumento de emissões na Índia, China, Indonésia e mais alguns países cujas economias estão a crescer em 2009 não compensará o decrescimento nos Estados Unidos, União Européia, outros países europeus e Japão. Há uma possibilidade de que 2007 não tenha sido um pico isolado, mas pelo contrário um pico histórico, um acontecimento único.
Como é que esses acontecimentos irão ser recebidos na conferência sobre alterações climáticas de Copenhagen em dezembro de 2009? Serão os efeitos positivos da crise reconhecidos? Irá um ligeiro decréscimo econômico e uma transição socioecológica rumo a um estado estacionário nas economias ricas ser aceite como cenário plausível e benéfico? Irão os países exportadores de matérias primas mudar de registro e pedir para exportarem menos e a preços mais elevados, introduzindo taxas sobre o esgotamento do capital natural, e taxas que compensem as externalidades negativas locais? Irá a conferência de Copenhagen mostrar-se favorável à idéia, que por um momento foi considerada pela OPEC em 2007, de introduzir a taxa Daly-Correa (http://www.amazonwatch.org/newsroom/view_news.php?id=1606) : um ecoimposto à saída dos poços de petróleo e não à saída das chaminés e tubos de escape) sobre as exportações de petróleo para ajudar a financiar a transição econômica mundial? Ou, pelo contrário, irão as emissões de carbono recuperar e aumentar de novo juntamente com a recuperação econômica?
Ativos tóxicos e dívidas venenosas
Os ativos que assumem a forma de reivindicação de dívidas que ficarão por pagar foram batizados com o divertido nome de Ativos Tóxicos. Nas folhas de balanço dos bancos, o valor desses ativos terá que ser grandemente reduzido ou suprimido. Do lado da dívida do balanço, as nossas convenções contabilísticas não incluem os prejuízos infligidos ao ambiente. Devemos às gerações futuras uma enorme «dívida em carbono», e devêmo-la igualmente aos pobres do mundo que poucos gases com efeito de estufa produziram.
Grandes dívidas ambientais são igualmente devidas por firmas privadas. Numa ação em tribunal no Equador, pede-se à Chevron-Texaco que reembolse 16 bilhões de dólares. A empresa Rio Tinto deixou enormes dívidas dessas desde 1888 na Andaluzia, de onde lhe vem o nome, e também em Bougainville, na Namíbia, na Papua Ocidental juntamente com Freeport McMoran… dívidas aos pobres ou aos povos indígenas. A Shell tem enormes dívidas no Delta do Níger. Não se preocupem. Essas dívidas venenosas constam dos livros de história, mas não dos livros de contabilidade.
Veja-se o que se passa com a mineração de bauxita Vedanta nas colinas de Niyamgiri em Orissa. O declínio do preço do alumínio se a crise econômica se agravar poderá salvar as colinas de Niyamgiri. Caiu em mais de metade nos últimos meses de 2008. Daí que também a bauxita seja mais barata. Podemos ainda perguntar: quantas toneladas de bauxita valem uma tribo ou uma espécie à beira da extinção? E como podemos exprimir esses valores em termos que um ministro das finanças ou um juiz do supremo tribunal possa compreender?
Em relação à lógica econômica em euros ou dólares, a linguagem de valorização de camponeses ou de tribos passa despercebida. Ela inclui a linguagem dos direitos territoriais contra a exploração externa, a convenção da ILO (Organização Internacional do Trabalho) 169 que exige o consentimento prévio de projetos em terras indígenas, ou na Índia a proteção dos adivasi pela constituição e por sentenças dos tribunais. Também se poderia apelar a valores ecológicos e estéticos. As colinas de Niyamgiri são sagradas para os Dongria Kondh. Poderíamos perguntar-lhes: Quanto querem pelo vosso Deus? Quanto querem pelos serviços fornecidos pelo vosso Deus?
A partir do Sul: o ambientalismo dos pobres
Pode facilmente concordar-se que a contabilidade econômica convencional é certamente enganadora. A experiência que Pavan Sukhdev (com Haripriya Gundimeda e Pushpam Kumar) adquiriu, na Índia, a tentar atribuir valores econômicos a produtos não lenhosos das florestas, e a outros serviços ambientais (como absorção de carbono, retenção da água e do solo), constituiu uma inspiração para o processo TEEB (As Economias dos Ecossistenas e da Biodiversidade; The Economies of Ecosystems and Biodiversity) patrocinado pela Direção Geral de Ambiente da Comissão Européia e pelo Ministério do Ambiente da Alemanha. Como afirma a equipa TEEB, uma representação monetária dos serviços proporcionados pela água limpa, pelo acesso aos bosques e pastagens e a plantas medicinais, não mede verdadeiramente a dependência essencial que as pessoas pobres têm em relação a esses recursos e serviços.
É verdade que as decisões podem ser melhoradas pela atribuição de valores monetários a recursos e serviços ambientais que estão subvalorizados ou sem qualquer valorização na nossa contabilidade econômica convencional. Mas há outros aspetos a considerar. Em primeiro lugar, não esquecer o nosso incerto conhecimento acerca do modo como funcionam os ecossistemas e acerca dos impactos futuros das novas tecnologias. Em segundo lugar, não excluir valores não monetários dos processos de decisão. Não se pratique o fetichismo de mercadorias fictícias. Na Contabilidade do Rendimento Nacional é possível introduzir valorizações das perdas no ecossistema e na biodiversidade, quer em contas em satélite (físicas e monetárias) ou em contas de PIB ajustadas («Contas Verdes»). A valorização econômica das perdas poderá ser baixa comparada com os ganhos econômicos de projetos que destroem a biodiversidade.
No entanto, que grupos de pessoas sofrem mais com essas perdas? No seu projeto «Contabilidade Verde para a Índia», Sukhdev, Gundimeda e Kumar descobriram que os mais importantes beneficiários diretos da biodiversidade das florestas e dos serviços prestados pelos ecossistemas são os pobres, e que o impacto predominante de uma perda ou recusa desses insumos recai sobre o bem-estar dos pobres. A pobreza dos beneficiários torna essas perdas mais agudas em proporção dos seus «rendimentos como meios de vida» do que no caso do povo indiano em geral. Daí a noção de «PIB dos pobres»: por exemplo, quando a água do rio ou do aquífero local fica poluída devido à mineração, eles não se podem dar ao luxo de comprar água em garrafas de plástico. Por isso, quando os pobres vêem que as suas possibilidades de subsistência estão ameaçadas devido a projetos de mineração, barragens, plantações de árvores ou grandes zonas industriais, queixam-se não por serem ambientalistas profissionais, mas porque necessitam dos serviços do ambiente para a sua sobrevivência imediata. É esse o «ambientalismo dos pobres».
Na revista Down to Earth (de 15 de agosto de 2008), Sunita Narain deu exemplos atuais da Índia onde a economia ainda crescerá firmemente em 2009 acionada pelo consumo interno, pelas importações de petróleo barato e pela despesa pública: «Em Sikkim, vergando-se a protestos locais, o governo cancelou 11 projetos hidroelétricos. Em Arunachal Pradesh, estão a ser aprovados projetos de barragens a velocidade elevadíssima e a resistência está a aumentar. O mês passado em Uttarakhand, dois projetos no Ganges foram suspensos e verifica-se uma crescente preocupação com os restantes. Em Himachal Pradesh, as barragens são tão controversas que as eleições foram ganhas pelos candidatos que afirmaram que não iriam permitir que fossem construídas. Numerosos outros projetos, desde centrais térmicas até mineração de prospecção estão encontrando resistência.» A gigantesca mina sul-coreana de minério de ferro de Posco, bem como a siderurgia e o porto, estão debaixo de fogo. O primeiro ministro indiano prometeu ao primeiro ministro sul-coreano que o projeto avançaria em agosto.
Mas as pessoas do local não o ouvem. Não querem perder a sua terra e meios de subsistência e não acreditam nas promessas de compensação. Em Maharashtra, os fruticultores de manga estão em armas contra a central térmica proposta para Ratnagiri. Em cada canto remoto do país onde se compra terra ou se capta água para a indústria, as pessoas estão a lutar inclusive até à morte. Há feridas, há violência. Há também desespero. Goste-se ou não, há hoje um milhão de revoltas. Depois que visitei Kalinganagar, onde morriam camponeses em protesto contra o projeto do industrial Tata, escrevi que não estávamos perante concorrência ou Naxalismo (facção comunista extremista na Índia). Eram camponeses pobres que sabiam não possuir capacidades para sobreviver no mundo moderno. Tinham assistido à deslocação dos vizinhos, a quem tinham prometido empregos e dinheiro que nunca chegaram. Sabiam que eram pobres. Mas sabiam também que o desenvolvimento moderno os tornaria mais pobres. Passava-se o mesmo na próspera Goa, onde encontrei aldeia após aldeia a lutar contra o poderoso lobby da mineração.
Esses movimentos combinam a luta pela sobrevivência com as questões sociais, econômicas e ambientais, com realce para as questões relativas à extração e à poluição. Estabelecem a sua «economia moral» em oposição à lógica da extração de petróleo, de minerais, de madeira e de agrocombustíveis nas «fronteiras das matérias primas», defendendo a biodiversidade e os seus próprios meios de subsistência. Em muitas ocasiões inspiram-se no sentido da identidade local (direitos e valores indígenas como o caráter sagrado da terra), mas também se ligam facilmente com a política de esquerda. No entanto, a esquerda tradicional nos países do hemisfério sul ainda tende a considerar o ambientalismo como um luxo de ricos.
A partir do Sul: uma recusa de fornecer matérias primas baratas?
A questão não é saber se o valor econômico pode ser determinado unicamente nos mercados existentes, ou se os economistas elaboraram métodos para a valoração monetária de bens e serviços ambientais ou de externalidades negativas no exterior do mercado. A questão é antes saber se toda a avaliação num determinado conflito (sobre a extração de cobre ou de ouro no Peru ou de bauxita em Orissa, numa barragem hidroelétrica no Nordeste da Índia, sobre a destruição de um manguezal no Bangladesh, Honduras ou Brasil para dar lugar à exportação de camarão, sobre a determinação de um nível adequado de emissões de dióxido de carbono pela União Européia) se deve reduzir a uma única dimensão. Uma tal exclusão de valores deveria ser rejeitada, sendo em vez dela favorecida a aceitação de uma pluralidade de valores incomensuráveis.
Com a crise econômica, veremos agora o fim da explosão de exportações de energia e de materiais, diminuindo assim as pressões nas fronteiras das matérias primas? Planos grandiosos para cada vez mais exportações da América Latina foram impelidos em particular pelo presidente Lula do Brasil. Mais estradas, oleodutos, portos e hidrovias, mais exportações da América Latina de petróleo, gás, carvão, cobre, minério de ferro, soja, celulose, biodiesel e etanol, foi esse o credo do presidente Lula. Em outubro de 2008, e em total oposição à Via Campesina e ao MST (movimento dos trabalhadores rurais sem terra) do Brasil, Lula continuava a pressionar para uma abertura geral dos mercados mundiais às exportações da agricultura. Foi à Índia para tentar consegui-lo, e aumentar a taxa de suicídio dos agricultores, exigindo a liberalização das importações e exportações agrícolas na rodada de Doha. É verdade que a explosão das exportações deu a Lula dinheiro para objetivos sociais e aumentou a sua popularidade. A Petrobrás não era menos perigosa para o ambiente e para os povos indígenas da América Latina do que a Repsol ou a Oxy.
A obsessão de Lula com as exportações primárias explica que ele nada fizesse acerca do desmatamento da Amazônia, levando à demissão da ministra do ambiente Marina Silva em 2008. Qual irá ser a estratégia do presidente Lula e da esquerda latinoamericana no seguimento do craque de 2008-2009? A insistência de Lula nas virtudes da produção de etanol para exportação é um equívoco. Os agrocombustíveis têm um baixo EROI (especialmente tendo em conta a vegetação que existia, já antes que os agrocombustíveis ocupassem a terra), eles aumentam a AHPPL em prejuízo da biomassa de outras espécies, e implicam enormes exportações «virtuais» de água não pagas. Na verdade, a crise deveria ser um incentivo para privilegiar o desenvolvimento interno, e não para vender o ambiente a tão baixo preço. Os preços das matérias primas baixaram e, além disso, outros valores (sociais, ambientais) foram sacrificados. A esse respeito, são interessantes algumas propostas feitas pelo Equador em 2007 (apoiadas até certo ponto pelo Presidente Rafael Correa, que é um economista da esquerda tradicional mais do que um economista ecológico). Na conferência da OPEC de novembro de 2007, em Viena, quando o Equador regressou a essa organização, a OPEC aprovou em princípio uma resolução de apoio à proposta Yasuni-ITT (a de deixar o petróleo no subsolo, num território habitado por povos indígenas nunca contactados e de grande valor em biodiversidade), tendo também manifestado interesse na chamada ecotaxa Daly-Correa.
Essa taxa, proposta pelo presidente Correa na reunião da OPEC, baseia-se no conceito formulado por Herman Daly num discurso feito na OPEC em 2001 (Daly, 2007). Os países da OPEC rejeitaram a existência do aumento do efeito de estufa. Essa ecotaxa exprimiria preocupação com as alterações climáticas. Uma taxa sobre o carbono imposta pela OPEC a saída dos poços petrolíferos em vez da tentativa de regulamentar as emissões à saída das chaminés e tubos de escape, seria mais justa para os países exportadores e talvez mais eficaz na redução das emissões globais de dióxido de carbono. Essa ecotaxa tornaria mais fácil a aceitação da realidade das alterações climáticas por parte dos países exportadores de petróleo (e também, se imitada, dos países exportadores de gás e carvão).
O princípio é o seguinte: exportar menos a um preço mais elevado. O dinheiro recolhido com essa taxa seria destinado a financiar uma transição energética que se iria afastando dos combustíveis fósseis, a ajudar os povos pobres em todo o mundo e a ajudar países como o Equador e a Nigéria a manterem o petróleo (ou o gás) no subsolo quando localizado em ambiente frágil ou culturalmente sensível (Martinez-Alier e Temper, 2007).
Para o fim de 2008 a crise econômica estava provocando a baixa de preços das matérias primas, petróleo incluído, parecendo que tinha passado o momento para essa taxa. Desde julho de 2008, baixaram em 60 por cento os preços do trigo, do milho e da soja, tal como aconteceu com o cobre, o níquel, o alumínio. Parte da explosão financeira na Islândia baseou-se em investimentos externos na expectativa de uma multiplicação da extração a quente de alumínio. Os ambientalistas protestaram com força contra essas extrações e contra as centrais elétricas que arruinavam ambientes imaculados, custo esse não incluído na contabilidade econômica. A economia da Islândia paralisou em outubro de 2008. Os bancos ficaram incapazes de devolver o dinheiro aos titulares de depósitos e foram nacionalizados.
Enquanto que nos anos 1920 as matérias primas baixaram de preço alguns anos antes de 1929, desta vez o aumento dos preços das matérias primas (com a ajuda de mal orientados subsídios aos agrocombustíveis, do cartel da OPEC e do investimento financeiro no mercado de futuros) continuou por alguns meses após o início da forte quebra da bolsa. No entanto, para o final de 2008 os preços das mercadorias declinaram devido à redução da procura. O Índice Baltic Dry mede as cotações dos transportes marítimos. Esse índice declinou bruscamente desde julho 2008 em parte devido à baixa das importações chinesas de ferro. A multinacional mexicana CEMEX tinha já anunciado, em 16 de outubro de 2008, que iria reduzir a sua força de trabalho em 10 por cento em todo o mundo devido à baixa da procura de «agregados» e cimento, enquanto que as fábricas de automóveis na Europa e nos Estados Unidos reduziram a produção desde meados de 2008. O preço mundial do petróleo baixou para o final de 2008, não devido ao aumento da oferta, mas devido à diminuição da procura. Alguns projetos petrolíferos (com EROI baixo e elevados custos marginais) como a produção das areias betuminosas de Alberta e a pesada exploração petrolífera do Orinoco deverão ser suspensos, como também o projeto Yasuni ITT no Equador, pequeno mas de elevados custos econômicos, ambientais e sociais.
Para outras matérias primas que não o petróleo, os países exportadores podem reagir de modo irracional, mantendo ou mesmo aumentando a oferta numa tentativa de manter os rendimentos. Poderá haver uma guerra de preços da soja entre a Argentina e o Brasil. Em vez disso, este seria o momento para a América Latina, a África e outros exportadores líquidos de matérias primas pensarem num desenvolvimento endógeno que se aproximasse de uma economia ecológica. Muitos países do sul sofrerão também devido a menores remessas dos emigrantes. Uma recusa por parte do Sul de fornecer matérias primas baratas à economia industrial, impondo taxas sobre o esgotamento do capital natural e quotas de exportação, ajudaria também o Norte (incluindo algumas partes da China) na sua necessária via de longo prazo rumo a uma economia que utilize menos materiais e energia.
Neomaltusianismo de baixo para cima
A transição socioecológica em direção a menores níveis de uso de energia e materiais será ajudada se se completar a transição demográfica mundial, e, mais ainda, se a população, após atingir um pico de 8 500 milhões de habitantes baixar depois para 5 000 milhões, como indicam algumas projeções (Lutz e outros, 2001). Recorde-se que a população mundial aumentou quatro vezes no século XX, partindo de 1 500 milhões até atingir 6 000 milhões. A consciência ambiental pode influenciar as taxas de nascimentos (como no neomaltusianismo de 1900 e na China desde 1980).
A importância do crescimento da população no aumento do Metabolismo Social é óbvia. A equação de Paul Ehrlich I=PAT (http://en.wikipedia.org/wiki/I_PAT) poderia aplicar-se historicamente, com um indicador adequado para T (tecnologia): I – impacto humano, resultante do produto da população vezes A – abundância (consumo) vezes T – tecnologia.
Houve por volta de 1900 numerosos debates acerca de «quantas pessoas poderia a Terra alimentar», focalizados apenas nas necessidades da espécie humana. Os neomaltusianos do final do século XIX e do início do século XX eram politicamente radicais e feministas. Havia uma grande diferença entre o maltusianismo originário de T. R. Malthus e o neomaltusianismo de 1900. Trabalhos de investigação histórica sobre o neomaltusianismo documentaram com clareza o movimento radical e feminista a favor da limitação de nascimentos na Europa e nos Estados Unidos à volta de 1900. Em França, esse movimento teve o nome de «greve dos ventres». No Sul da Índia, o movimento de «respeito de si mesmo» lançado por E. V. Ramasamy (chamado Periyar, pensador tamil e ativista político, 1879-1973) adotou uma orientação semelhante. No Brasil a feminista anarquista neomaltusiana Maria Lacerda de Moura escreveu: «Amem-se mais uns aos outros e não se multipliquem tanto.» Essa história intelectual e social permite-me apresentar as seguintes definições.
Maltusianismo: a população manifesta um crescimento exponencial a não ser quando contrariado pela guerra e pelas epidemias, ou pela castidade e casamentos tardios. Os alimentos aumentam menos do que proporcionalmente perante a aplicação de trabalho, o que se explica devido a rendimentos decrescentes. Daí provém crises de subsistência.
Neomaltusiasnismo de 1900: A população humana poderia regular o seu próprio crescimento por meio da contracepção. Para isso era necessária a liberdade da mulher, além de desejável em si mesma. A pobreza era explicada pela desigualdade social. «A procriação consciente» tornava-se necessária para evitar os baixos salários e a pressão sobre os recursos naturais. Esse foi um movimento bem sucedido, de baixo para cima, na Europa e na América, contra os Estados (que queriam mais soldados) e as Igrejas (Ronsin, 1980, Masjuan, 2000).
Neomaltusianismo após 1970: doutrina e prática patrocinadas por organizações internacionais e alguns governos. O crescimento da população é considerado como uma das causas principais da pobreza e da degradação do ambiente. Por essa razão, os Estados deveriam promover métodos de contracepção, mesmo sem o consentimento prévio das mulheres.
Antimaltusianismo: A concepção segundo a qual o crescimento da população não constitui uma das principais ameaças ao ambiente natural e que conduz mesmo ao crescimento econômico, como defenderam Esther Boserup e outros economistas.
Decrescimento sustentável
Uma transição para a sustentabilidade exige um novo pensamento a respeito de demografia e de transição socioecológica. Marina Fischer-Kowalski e Helmut Haberl do IFF (Instituto de Estudos Interdisciplinares), de Viena, influenciados pelo trabalho do historiador do ambiente Rolf Peter Sieferle e por antropólogos ecológicos, economistas ecológicos e ecologistas industriais, editou recentemente um livro intitulado Socio-Ecological Transitions (Transições Socioecológicas) (Fischer-Kowalski e Habert, 2007). Desde as sociedades de caçadores-recoletores às sociedades agrícolas e às sociedades industriais, os autores desse livro revelam padrões quantificáveis do uso da energia e dos materiais, das densidades de população, uso do território e tempo de trabalho.
Tentam também distinguir os futuros possíveis dos futuros impossíveis. Por exemplo, é plausível pensar um mundo de oito bilhões de pessoas com um dispêndio de energia de 300 GJ e um uso de materiais de 16 toneladas per capita e por ano? Ou estamos pelo contrário à beira de uma transição socioecológica que irá reduzir o uso de energia e de materiais nas economias ricas mesmo que isso implique um decrescimento econômico? As palavras chave da política ambiental dos últimos vinte anos soam pouco na presente crise econômica. Os cenários do IPPC nunca contemplaram (autocensura?) um declínio de 5 por cento do PIB dos países ricos seguido de um longo período de não crescimento, como poderá talvez acontecer. Isso não constava do roteiro dos economistas e dos ecologistas industriais. Ao longo de vinte anos, a palavra de ordem ortodoxa foi Desenvolvimento Sustentável (Relatório Brundtland, 1987), que significava crescimento econômico que fosse ecologicamente sustentável. Sabemos, contudo que o crescimento econômico não era ambientalmente sustentável.
A discussão sobre o decrescimento (francês: décroissance), iniciada por Nicholas Georgescu-Roegen há trinta anos, é agora assunto de debate nos países ricos porque «la décroissance est arrivée» (o decrescimento chegou). É agora o momento de substituir o PIB por indicadores sociais e ambientais a nível macroeconómico e de gizar projetos rumo a uma transição socioecológica segundo o comportamento desses indicadores. A transição exige uma reforma das instituições sociais (para enfrentar o desemprego) e também uma reforma das instituições financeiras para impedir que o nível financeiro da economia cresça sem referência às realidades físicas subjacentes. A venda imaginativa de derivados («produtos» financeiros) e a existência de atividade bancária offshore não regulada produziram um grande choque na opinião pública.
Forças políticas moderadas têm apresentado propostas sensíveis para transformar a banca num serviço público nacionalizado. Para além disso, a crise proporciona uma oportunidade para pensar a economia real-real. Deveriam ser introduzidas na origem taxas sobre a extração de recursos, com o objetivo de financiar uma sociedade ambientalmente sustentável. É necessário reduzir o consumo de energia e o uso de materiais por parte dos ricos. Os apelos frívolos nos países da OCDE a favor do crescimento populacional de modo a aumentar o emprego que ajudará a pagar as pensões dos idosos, não são nada convincentes de um ponto de vista ecológico, ou mesmo de um ponto de vista puramente financeiro, numa situação em que aumentam as taxas de desemprego. Estamos perante uma oportunidade para iniciar uma transição socioecológica.
Em alguns países, não apenas a quantidade absoluta de materiais, mas também a sua intensidade (toneladas de materiais/PIB) estavam a revelar cada vez maiores pressões sobre o ambiente. A convergência para a média européia de 16 toneladas por pessoa e por ano (apenas materiais, a água não está aqui incluída) multiplicaria por três os Fluxos Materiais a nível mundial com a atual população. As economias podem caracterizar-se por esses Fluxos Materiais.
Podemos analisar os padrões do comércio externo. Enquanto que a América do Sul exporta seis vezes mais em toneladas do que aquilo que importa, a União Européia importa quatro vezes mais em toneladas do que aquilo que exporta. Podemos compreender os padrões caraterísticos dos conflitos sociais, por exemplo, conflitos relacionados com a mineração e a extração de petróleo, ou resistência contra plantações de árvores destinadas a pasta de papel ou agrocombustíveis, ou o conflito internacional causado pelo acesso desigual aos sumidouros de dióxido de carbono (oceanos) ou ao «reservatório» temporário (atmosfera). A convergência rumo a 300 gigajoules per capita e por ano segundo um padrão europeu significaria multiplicar por 5 a energia atualmente existente na economia mundial. Se for usado o gás e especialmente o carvão, o dióxido de carbono produzido seria igualmente multiplicado por 4 ou 5. A AHPPL – apropriação humana da produção primária de biomassa – está também a crescer. O aumento da população, a utilização de solos, a alimentação à base de carne, a produção de papel e de agrocombustíveis aumenta a AHPPL. Quanto mais elevada ela for, menos biomassa fica disponível para outras espécies.
À primeira vista, os países do Sul têm alguma coisa a perder e pouco a ganhar com o Decrescimento no Norte, devido ao menor número de oportunidades para exportações de matérias primas e produtos manufaturados, e à menor disponibilidade de crédito e doações. Porém, os movimentos a favor da justiça ambiental e o «ambientalismo dos pobres» do Sul são os principais aliados do movimento por um decrescimento sustentável do Norte. Esses movimentos combatem a poluição desproporcionada (a nível local e global, incluindo exigências de reparações em pagamentos da «dívida de carbono»), opõem-se à exportação de resíduos do Norte para o Sul (por exemplo, do navio Clemenceau e tantos outros navios enviados a desmantelar nas praias de Alang no Gujarat, ou resíduos eletrônicos), rejeitam a biopirataria, e também a Raubwirtschaft (economia do roubo, cleptocracia), ou seja, a troca ecológica desigual e a destruição da natureza e dos meios de vida humanos nas «fronteiras das matérias primas». Denunciam igualmente as responsabilidades ambientais das empresas transnacionais.
O movimento mundial a favor da conservação deveria criticar a contabilidade econômica convencional e pressionar pela introdução de uma linguagem econômica que refletisse melhor as nossas relações com a natureza, embora não esquecendo a legitimidade de outras linguagens: os direitos territoriais, a justiça ambiental e social, o caráter sagrado dos meios de vida. Tudo isso é necessário para a aliança entre o movimento de conservação e o ambientalismo dos pobres, como se propõe numa brochura da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza, Transição para a Sustentabilidade, de Bill Adams e Sally Jeanrenaud, publicada em 2008. Essa aliança é difícil porque, a avaliar pela visibilidade dos patrocinadores no Congresso Mundial da Conservação, em Barcelona, em Outubro de 2008, o movimento mundial de conservação da natureza vendeu a sua alma a empresas como a Shell e Rio Tinto. John Muir teria ficado horrorizado.
O «ambientalismo dos pobres» combina as questões dos meios de vida, as questões sociais, econômicas e ambientais, com as questões da extração e da poluição. Em muitos casos esses movimentos inspiram-se no sentido de identidade local (direitos e valores indígenas como o caráter sagrado da terra). Tais movimentos opõem-se explicitamente à anexação das terras, florestas, recursos minerais e água por parte dos governos ou das grandes empresas. Poderia existir uma confluência entre conservacionistas preocupados com a perda da biodiversidade, as numerosas pessoas preocupadas com as alterações climáticas que pressionam a favor da energia solar, os socialistas e sindicalistas que lutam por maior justiça social no mundo, os okupas urbanos que defendem a «autonomia», os agroecologistas, os neorrurais, e o vasto movimento camponês (como se exprime na Via Campesina), os pessimistas (ou realistas) sobre os riscos e as incertezas da mutação tecnológica (ciência pós-normal) e o «ambientalismo dos pobres» que reivindica a preservação do ambiente para a subsistência.
Os movimentos internacionais a favor da justiça ambiental têm por objetivo uma economia que satisfaça de modo sustentável as necessidades de alimentos, saúde, educação e habitação para todos, proporcionando a máxima joie de vivre (alegria de viver) possível. Eles sabem que nos processos de decisão, a economia se torna uma ferramenta de poder. É o que acontece quando se aplicam análises custo-benefício a projetos individuais, e também a nível macroeconómico quando os aumentos do PIB ocultam outras dimensões.
A questão é esta: quem tem o poder de simplificar a complexidade e impor uma específica linguagem de avaliação? Os movimentos de justiça ambiental sabem na pele e na cabeça que a contabilidade econômica convencional é falsa, que ela esquece os aspetos físicos e biológicos da economia, o valor do trabalho doméstico não pago e o trabalho voluntário, e que de fato não mede o bem-estar e a felicidade da população. O que necessitamos é de um bom viver aristotélico (como proclama o Fórum Social Mundial) guiado pela oikonomia e não pela crematística.
Referências
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Estre artigo foi traduzido por José Carlos Marques, a partir do original disponível em http://www.eoearth.org/article/Herman_Daly_Festschrift:_Socially_Sustainable_Economic_Degrowth e retirado de http://gaia.org.pt/decrescimento/martinezalier .
Joan Martinez Alier* (Autor Principal), Joshua Farley (Editor de Assunto), 2009. «Herman Daly Festschrift: Socially Sustainable Economic Degrowth», in Encyclopedia of Earth. Eds. Cutler J. Cleveland (Washington, D. C.: Environmental Information Coalition, National Council for Science and the Environment, 2009.
Joan Martinez Alier: Professor de Economia e História Econômica na Universidade Autônoma de Barcelona. É autor de várias publicações tais como «Ecological Economics: Energy, Environment and Society» (1987) e «The Environmentalism of the Poor: A Study of Ecological Conflicts and Valuation» (2002). Foi presidente da International Society for Ecological Economics.
* Artigo socializado pela ALAI, América Latina en Movimiento e publicado pelo EcoDebate, 28/10/2010
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