Para especialista em desigualdade, a chamada nova classe média é ‘fetiche do número’
O próximo presidente da República governará um país que nos últimos anos assistiu a ascensão econômica de 30 milhões de pessoas. O feito tem sido registrado por pesquisas que avaliam que o Brasil tem agora uma “nova classe média”, segundo o diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Neri.
A visão, no entanto, não é unânime. Para a economista Sônia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), falar em nova classe média não é adequado porque o termo vai além do poder aquisitivo e também se refere a formas de comportamento. “Você pode dizer que as pessoas estão ganhando, estão subindo para uma classe de consumo mais elevada. renda e consumo, né? Falar em classe média envolve valores de educação, conhecimento, conservadorismo político. Mistura uma série de características que definitivamente não é o caso”, disse.
O pesquisador e professor titular de sociologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Jessé Souza, que está lançando o livro Os Batalhadores Brasileiros, concorda com a economista e aponta que “o que se chama de nova classe média é uma espécie de nova classe trabalhadora, sem direitos e que trabalha de dez a 14 horas por dia – o que a permite consumir bens duráveis com grande esforço”, afirmou.
Para o pesquisador, esse segmento da população tem pouco volume de “capital cultural” (escolaridade e acesso a bens culturais) – “bem menor do que a classe média verdadeira”. Segundo o conceito, o “capital cultural” é incorporado desde o berço, permite melhor formação profissional e a ocupação dos melhores postos no mercado de trabalho.
Na opinião de Jessé Souza, há “muita celebração” sobre o suposto ingresso de brasileiros na classe média, isso, no entanto, é baseado no que classifica como “fetiche [fantasia] do número”. Para o professor, há “pouco cuidado científico e certa cegueira em relação ao continuado sofrimento e abandono que ainda marca o cotidiano de porção considerável da população brasileira”.
O pesquisador reconhece o “extraordinário impacto social, econômico e político” do Programa Bolsa Família e atesta como importante as melhorias verificadas na última Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad 2009), tais como o aumento da formalização do trabalho, da renda média, da taxa de escolaridade e da queda do trabalho infantil.
Conforme o acadêmico, esses indicadores revelam que “a pobreza absoluta diminuiu”, mas a desigualdade “é um conceito relacional e diz respeito à distância – no nosso caso abismo – entre as diversas classes que disputam recursos escassos em uma sociedade”.
Segundo Jessé Souza, essa porção corresponde a mais de 30% da população e “tem inserção precária tanto no mercado quanto na esfera pública”. Essas pessoas costumam a ser percebidas, por exemplo, quando a sociedade se choca com a violência e a criminalidade, trata dos problemas do transporte e da saúde pública, ou toma conhecimento sobre a repetência escolar e a desqualificação da mão de obra.
Para o pesquisador, essa percepção limitada tende a perpetuar a precária situação socioeconômica das pessoas mais pobres. Na avaliação de Souza, essas pessoas vivem como “subgente” ou “ralé”, pois são “a mão de obra barata a serviço das classes média e alta” que contam “com o exército de empregadas, faxineiras, motoboys, porteiros, zeladores, carregadores, babás e prostitutas, para o serviço pesado e desvalorizado”.
Diminuição da desigualdade ocorreu porque a renda dos mais ricos não cresceu, diz Sônia Rocha
Na avaliação da economista Sônia Rocha, autora dos livro O Brasil Dividido – Espacialização Alternativa e Pobreza (editora Publit) e Pobreza no Brasil: Afinal, de que se trata? (editora FGV), a ascensão econômica de 30 milhões de brasileiros, iniciada em 2001 e acelerada desde 2004, está diminuindo a desigualdade entre pobres e ricos.
Longe, no entanto, de ser efeito de uma política redistributiva deliberada, a desigualdade está diminuindo porque os estratos de mais baixa renda e de menor escolaridade se beneficiaram mais do que os segmentos mais ricos e escolarizados do crescimento econômico. As classes mais baixas são positivamente afetadas pelas políticas (distributivas) de ganho real do salário mínimo e pelas transferências de renda do programa Bolsa Família.
“São os mais pobres, as pessoas que ganham em torno de um salário mínimo, que estão ganhando mais. Todos estão ganhando, mas as pessoas mais qualificadas que recebem mais estão se beneficiando relativamente menos; quer dizer, o ganho delas é menor proporcionalmente ao que elas ganhavam antes”, explicou.
Para a especialista, que atualmente é pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), o fenômeno é “uma evolução desejada” e diferente do que ocorreu por exemplo à época do chamado “milagre brasileiro” (1969-1973). “Em períodos que a gente teve crescimento elevado como nas décadas de 1960 e 1970, houve crescimento da renda para todos, um crescimento forte da economia, mas as pessoas mais qualificadas ganhavam mais. Quer dizer, havia um aumento brutal da desigualdade”, rememorou.
Sônia Rocha assinala que o atual momento também se caracteriza pelo aumento do consumo puxado pela oferta de crédito. “O volume e a facilidade de obter crédito tem permitido aumento do consumo, que, por sua vez, alimenta a roda da economia. Famílias na base da pirâmide da distribuição de renda, que não tinham acesso a certos tipos de bens, têm acesso muito fácil hoje”, lembra.
Reportagem de Gilberto Costa, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 18/10/2010
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Na minha opinião, o governo de FHC comeu o pão que o diabo amassou para vencer a crise, destaque ao plano real. Entretanto, os efeitos positivos desse plano somente afloraram no governo atual. A alegação de que trinta milhões de brasileiros ascenderam a classe média não procede, haja vista que na verdade, essa ascenção foi limitada. Por exemplo, entre os milhões de brasileiros, muitos envidaram esforços no mercado informal, isto é, buscam mercadorias no Paraguai e correm o risco de serem surpreendidos por conta do descaminho. Outros milhões de brasileiros aderiram a onda do consumo e por conta disso possibilitaram ao Brasil desvencilhar-se da crise mundial. O problema é que por um lado vencer a crise correspondeu a louros para o governo brasileiro, mas ao povo significou divída que se estenderá para os próximos cinco e trinta anos (financiamento de veículos e habitacional). Atentai bem, se a classe baixa tivesse sido alcançada por uma educação e assistência a saúde de qualidade poderíamos correr o risco de acreditar que tivesse havido mudança de classe social. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. Um país juntamente com seu povo só estaria bem se zerasse ou reduzisse drasticamente a dívida que tem com os outros. Concluindo, se nos próximos trinta anos não houver mudança do modelo de política que administra o Brasil, certamente, haverá incomensurável aumento da população que compõe a classe baixa – talvez tenhamos apenas duas classes, ou seja, a alta e a baixa.