Impactos sociais e ambientais das sementes industriais, artigo de Antonio Silvio Hendges
[EcoDebate] Agricultura é o cultivo do solo para produzir variedades vegetais úteis aos seres humanos e/ou para a criação de espécies animais utilizados na produção de alimentos como laticínios, ovos, proteínas e gorduras. Possui um conjunto de métodos e técnicas associadas aos cultivos e às características sociais, culturais, ecológicas e econômicas dos agricultores, formando uma rede de conhecimentos descentralizados, porém complementares em seus objetivos e características.
A diversidade de espécies cultivadas e a seleção e cruzamento de sementes pelos agricultores possibilitou que a biodiversidade fosse preservada e ampliada através da formação de variedades com características específicas. Durante a história da agricultura (aproximadamente 11.000 anos) os agricultores produziram suas próprias sementes e através da seleção e replantio, renovaram e enriqueceram os processos de reprodução da vida humana e do conjunto da biosfera.
Mas a partir do fim da Segunda Guerra, a reformulação da indústria bélica para reaproveitar as sobras de armamentos, impulsionou a indústria de adubos químicos e agrotóxicos e as variedades nativas/crioulas de sementes foram substituídas por um sistema agrícola baseado nas monoculturas em que as sementes são propriedade das empresas de pesquisas agrícolas.
A implantação do novo modelo, baseado em pacotes que incluíam além das “sementes milagrosas da revolução verde” (The Ecologist, Brasil, primavera/2004), máquinas agrícolas como tratores, colheitadeiras, pulverizadores, equipamentos de aragem e preparação das terras, adubos e técnicas de correção dos solos, agrotóxicos, sistemas especializados de transportes e armazenagem em que eram necessários grandes investimentos, inviabilizaram a agricultura tradicional, voltada à produção local e regional de alimentos e estabeleceram o êxodo rural como alternativa aos pequenos agricultores (em muitos casos eram posseiros, ribeirinhos, caboclos e foram expulsos) que venderam suas terras aos investidores agrícolas, que transformaram as áreas adquiridas em latifúndios especializados em produzirem lucros, principalmente para as corporações agrícolas multinacionais. Os agricultores que conseguiram manter suas atividades foram obrigados a buscar empréstimos com bancos e agiotas, tornando-se reféns de dívidas impagáveis, onde as terras garantiam o pagamento e em muitos casos foram tomadas na execução judicial dos contratos.
A consequência foi o crescimento desordenado dos centros urbanos e a favelização dos ex agricultores e seus descendentes, que passaram de produtores autônomos à mão de obra reserva dos empreendimentos industriais e agrícolas que antes os tinham expulsado dos campos. Houve, portanto, uma dupla exclusão dos produtores familiares: ao perderem suas terras para os latifundiários, bancos ou agiotas e como marginalizados dos serviços públicos e da qualificação necessária à integração produtiva na sociedade urbana industrial. O aumento da criminalidade, prostituição, tráfico, alcoolismo e outros problemas sociais foram as consequências imediatas do novo modelo agrícola baseado nas sementes e insumos industriais.
Os problemas ambientais foram agravados pela destruição das paisagens naturais, substituídas por grandes plantações de monoculturas que necessitavam da uniformização dos solos para tornarem-se viáveis. A substituição das espécies nativas por plantas exóticas alterou os ciclos naturais, destruindo os habitats e nichos ecológicos de espécies vegetais e animais, alterando os fluxos de energia e impactando de modo irreversível a biodiversidade. A utilização de adubos químicos e de agrotóxicos em grandes quantidades potencializou os efeitos negativos sobre os solos, espécies nativas e recursos hídricos (fontes, rios, lagos, reservatórios subterrâneos, etc.), inclusive em áreas distantes dos empreendimentos, prejudicando o abastecimento e a saúde das populações urbanas e remanescentes das áreas rurais.
A ocupação desordenada das regiões próximas às cidades possibilitou a formação de áreas de risco, sem as infraestruturas de habitação, saneamento, transporte, educação e lazer indispensáveis à qualidade de vida, exercício da cidadania e inclusão social dos ex agricultores, agora “desgarrados, pelas calçadas, pelos butecos, pelas esquinas” (Vitor Ramil*). Estes homens e mulheres rurais, antes autônomos, autosuficientes e integrados com o meio ambiente passaram a “peões de suas penas” (Dante Ramon Ledesma*), sem perspectivas presentes ou futuras de participação nos benefícios do desenvolvimento econômico e social dos modelos agroindustriais estabelecidos.
Portanto, os impactos sociais e ambientais das sementes industriais direcionadas à produção de matérias primas exportáveis e não para a produção de alimentos que abasteçam os mercados internos e garantam a soberania e seguranças alimentares, desorganiza as sociedades e exclui grandes contingentes humanos da dignidade, do acesso a terra e a uma alimentação saudável, suficiente e equilibrada, não somente nas áreas rurais, mas também nas cidades, que se transformam em depósitos de excedentes humanos descartáveis.
Reforma Agrária (e urbana) já!
*Vitor Ramil e Dante Ramon Ledesma são compositores/cantores do RS
Antonio Silvio Hendges, articulista do EcoDebate, é Professor de biologia e agente educacional no RS
Email: as.hendges{at}gmail.com
EcoDebate, 15/10/2010
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