Ambiente por Inteiro: Desertos de cada um, artigo de Efraim Rodrigues
[EcoDebate] Eu adoro ler jornal velho. Não chego a esperá-los envelhecer, mas guardo todos que não consigo ler no dia e aos poucos vou zerando meu déficit. O garimpo às vezes rende oportunidades como ler “a força das águas nas Cataratas do Iguaçu” (O Estado de São Paulo, 27/04/10) em meio a esta seca infernal.
Somos eficientes criadores de desertos. Seja na Mesopotâmia, no norte do Paraná ou no sul da Bahia, nosso negócio é criar ambientes onde esturricamos na seca e nos afogamos na época das chuvas. São Paulo da garoa ou o fog londrino de Londrina, nada disto restou. A cobertura vegetal na região do Itaim Paulista, extremo leste paulistano é de 2,16 %. Na zona rural de Londrina é por volta de 5%. São cidades-deserto alimentadas por zonas rurais-deserto. Some os solos degradados que estão por volta de 1 milhão de hectares em nosso país e você vai ver porque o dia 21 de setembro me deixa meio azedo.
[Leia na íntegra]Não vale colocar a culpa no efeito estufa, mesmo que ele torne tudo ainda muito pior. Nossa culpa é maior nesta realidade criada muito mais perto de cada um de nós.
Como se liga a preocupação com a coletividade nas pessoas? Não há muitos exemplos em que ganhamos terras dos desertos, mas sua existência prova que é possível.
Em primeiro lugar, é preciso que a tecnologia seja sustentável. Ganhar a briga com os desertos gastando muita energia ou um recurso finito é cobrir o santo de hoje com a coberta do santo de amanhã. A Líbia vem fazendo tirando água fóssil do subsolo para secá-la ao sol, assim como a Arábia Saudita. Eles próprios reconhecem que a coisa não vai durar muito, mas enquanto persiste está salinizando o solo. Mais e mais deserto por aí.
Não se ganha a briga com os desertos só plantando árvores. Tudo que retém água da chuva também ajuda. Cacimbas, matéria orgânica no solo e na sua superfície, plantios em nível. Dentro e fora das cidades precisamos expurgar uma cultura que fazia sentido quando menos de 300 milhões de pessoas tinham o planeta todo para si. Uma nova cultura deve cuidar de não só tentar colocar as coisas como eram mas ainda melhores. Se toda casa no deserto tiver uma cacimba e a água depois de utilizada servir para manter alguma vegetação viva, estaríamos ganhando recuperando solos, seja o sertão do Caicó ou o Itaim Paulista.
Grandes obras como piscinões do Maluf ou transposições do Lula só arranjam a vida de seus familiares. Isto, enquanto o dinheiro deles ainda puder comprar água.
Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br) é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva
EcoDebate, 29/09/2010
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