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Artigo

Ambiente por Inteiro: Dois Londrinenses morreram nesta semana, artigo de Efraim Rodrigues

[EcoDebate] Um foi José Janene. Não quero, não preciso e nem devo recontar sua história.

O outro é o Seu Sebastião, plantador de alface orgânico há bem mais que uma década. Faz uns sete anos que levo meus alunos para conhecer seus hectares de alface sem uma gota de agrotóxico, tratados só a esterco de galinha. Até mesmo este esterco é escolhido para não trazer veneno para dentro de sua propriedade.

[Leia na íntegra]Meu amigo, que de ontem em diante me ouvirá por fim quieto, não nasceu agricultor orgânico. Sua conversão foi complicada como é mesmo para todo agricultor orgânico. Plantas e solos submetidos à proteção de agrotóxicos assim como aos nutrientes em excesso dos fertilizantes sintéticos, perdem suas defesas próprias e sofrem muito na passagem para a agricultura orgânica, quando a resistência própria das plantas é mais exigida.

Também meu amigo foi mais exigido naquele momento. Ao contrário da regra, foi o pai que trouxe a novidade da agricultura orgânica para casa e teve que convencer os filhos ao longo de dois anos em meio às perdas típicas da conversão, mas tanto convenceu que eles continuam até hoje a trabalhar com ele. O alface orgânico sustenta uma penca de filhos, noras e alguns netos que correm pela horta gigantesca.

O alface orgânico do Seu Sebastião ia para supermercados e sacolões igual a qualquer outro, a preço de mercado. Tem muito londrinense comendo alface orgânico e nem sabe. Mas o que ele ganhava com isto então ? Segundo ele, ganhava em deixar os netos andar pelos canteiros sem medo do veneno e ganhava também na economia de insumos. Vendendo alface pelo preço de mercado, ele ganhava 30% a mais que os outros, porque economizava no veneno, sempre caro. Além disto, era raro sobrar alface no Seu Sebastião. A toda hora tem gente indo pegar o alface que dura geladeira. Essa era minha deixa todo ano para explicar que como o alface orgânico leva menos nitrogênio, ele demora um pouco mais para ficar maduro e estes dias a mais de sol deixam a parede celular mais rígida, evitando pragas no campo e bactérias na geladeira que melam o alface, além de ser mais crocante para comer.

Poucos alunos percebiam que não os levava na propriedade do Seu Sebastião só para aprender como produzir alface sem veneno. Eu os levava para aprender a lição Socrática de fazer-se rico pela redução do próprio querer. Talvez eu também quisesse aprender isto voltando sempre lá. Pelo menos para mim ainda seria preciso muitos anos mais ouvindo Seu Sebastião dizer “-O alface dá o que preciso, no fim do ano vamos para praia, tomamos um banho de mar, para que mais ?”.

Seu Sebastião gostava muito do que fazia, imagino que trabalhou até o último dia, mas isto não deve ter sido um problema para ele.

Fica para você interpretar a ironia destas duas mortes no mesmo dia e na mesma cidade.

Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim{at}efraim.com.br) é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva

EcoDebate, 22/09/2010

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