A exuberância físico-ambiental do Baixo Parnaíba Maranhense, artigo de Mayron Régis
[EcoDebate] Nem bem se acendeu um fogareiro para assar uma carne ou um peixe, um grupo recém-desembarcado no povoado de São Raimundo, município de Brejo, Baixo Parnaiba maranhense, e os filhos do seu Lourival, pequeno proprietário de terras, acionaram uma temporada de causos a respeito daquela região de Chapadas e Baixões muito tempo antes que os “gaúchos” afivelassem a maior parte das Chapadas para os seus “benditos” plantios de soja.
Regrava-se a conversa com um prato de arroz, fatias de carne de gado, pedaços de peixe Bandeirado e goles de café. Nada comparado aos excessos gastronômicos praticados pelo Damião, segundo Didi, filho mais velho do seu Lourival. Em mais de meia hora, Didi deitara falatório sobre o Damião e suas epopéias curiosas de lavrar a terra, comer em demasia e banhar em cocho. Provavelmente, nos tempos atuais, poucos se encorajariam com uma história dessas e com um tipo como o Damião. No máximo, ririam de um ou outro detalhe que soasse como inconfessável ou como escabroso.
[Leia na íntegra]As epopéias de Damião retratam uma exuberância físico-ambiental do Baixo Parnaiba maranhense que a sociedade dos dias de hoje prescindiu nas suas afetações político-administrativas, em prol de um relativo conforto alimentar proporcionado pela monocultura da soja e suas variáveis domésticas. Tal exuberância físico-ambiental decorria dos imensos babaçuais e bacurizais que arredondavam os Baixões e as Chapadas dos povoados do Pacoti, Boi Morto, Santa Tereza e da comunidade quilombola de Saco das Almas, na qual o povoado de São Raimundo ascende.
Teve uma vez em que Damião percorreu dez quilômetros da propriedade que arrendara em direção a uma comunidade vizinha para transportar só com a força dos braços em sucessivas idas e vindas cofos e mais cofos de arroz, pois se agastara com a demora na entrega por parte de quem lhe vendera. Explicava-se essa força descomunal pela grandeza de comida que ele punha na boca todo dia. Sem pestanejar, teve aquela vez em que, sozinho, o Damião devorou três bacias entaladas de cuscuz de milho até a borda. Pro serviço ficar completo molhou os cuscuzes com mais de dez litros de azeite de babaçu.
Pelos meados do ano de 1974, a família do seu Lourival se viu obrigada a mudar de perto do rio Buriti, onde moravam, para a Chapada fugindo da quantidade impressionante de chuva que caíra naquele ano em todo o Baixo Parnaiba maranhense. Quanta diferença para os últimos invernos no Baixo Parnaiba que nem chegam perto em intensidade. Para as comunidades do Baixo Parnaiba a falta de chuva prejudicou bastante porque quebrou a safra de arroz. Um plantou um hectare. Outro plantou três hectares. O que deu, deu muito pouco para sustentar uma família. Na casa do seu Lourival, o arroz que se comia fora armazenado havia dois anos.
Mayron Régis, é Assessor do Fórum Carajás e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 20/09/2010
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