Considerações sobre a Política Nacional de Educação Ambiental, Lei 9.795/1999, artigo de Antonio Silvio Hendges
[EcoDebate] A política nacional de educação ambiental que tem origem nos artigos 205 e 225, VI, da Constituição de 1988, instituída pela Lei 9.795/1999 e regulamentada pelo Decreto 4.281/2002 é um componente permanente da educação nacional e deve estar presente de modo articulado, complementar e transversal em todos os níveis e modalidades de ensino, buscando desenvolver “processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (Lei 9.795/1999, artigo 1º).
A educação ambiental pode ser formal, ministrada principalmente pelos sistemas federal, estaduais e municipais de ensino, ou não formal, relacionada com programas e projetos vinculados às empresas publicas ou privadas, organizações da sociedade civil, universidades, meios de comunicação e coletividade. A educação ambiental não é uma disciplina específica dos currículos, devendo ser incorporada de modo inter e transdisciplinar em todas as etapas, atividades, níveis e modalidades do ensino brasileiro.
Importante destacar que esta orientação da disciplina de educação ambiental não ser específica dos currículos é da Unesco baseada em um estudo de 1968, respondido por 79 países. Em 1972, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, foi definido o primeiro Programa Internacional de Educação Ambiental, consolidado em 1975 na Conferência de Belgrado. Em 1977 em Tbilisi, na Geórgia, a Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental definiu os objetivos e indicou o ensino formal como um dos eixos fundamentais para atingi-los, definindo educação ambiental como “uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada para a resolução dos problemas concretos do meio ambiente por intermédio de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade” (Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, p. 229). Em 1987 em Moscou, a Conferência Internacional sobre Educação e Formação Ambiental, estabeleceu a necessidade dos sistemas educativos dos países introduzirem em seus ensinos formais a disciplina de educação ambiental. A Conferência Rio/92 no Brasil, originou a Agenda 21, conjunto de propostas de ação, estratégias e táticas dos governos e da sociedade voltadas para o desenvolvimento sustentável, inclusive com agendas regionais e locais. O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, prevê que a Educação ambiental deve ser dirigida para toda a sociedade, através de uma ampla participação da sociedade nos processos não formais do ensino desta disciplina.
Estas linhas de ação gerais são reconhecidamente indispensáveis. A educação ambiental é um avanço concreto diante dos problemas ambientais globais e da necessidade de novos paradigmas que possam construir um futuro sustentável. No entanto, as atuais diretrizes internacionais e a política nacional de educação ambiental não consideram e/ou reconhecem os direitos da natureza como essenciais às relações entre os seres humanos e o meio ambiente, estabelecendo uma visão unilateral em que o homem-sujeito aprende, protege, preserva, conserva, recupera, mas mantém seu direito de degradar a natureza-objeto sempre que isso for indispensável ao seu antropocentrismo. Embora todos tenham direito constitucional assegurado ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, este é acima de tudo um “bem de uso comum” (CF, artigo 225; Lei 9.795/1999, artigo 1º), que embora essencial à sadia qualidade de vida e o dever popular de defender e preservar para as futuras gerações os recursos naturais está submetido aos desmandos da livre iniciativa e da ausência de limites da propriedade e exploração de recursos essenciais como a água e a terra (e outros) e sua submissão à lógica do acúmulo privado ou das PPPs. Os direitos essenciais da natureza são mais que omitidos, negados deliberadamente, e ainda são utilizados os sistemas formais e informais de ensino para estabelecer como natural a necessidade de exploração contínua da natureza para sustentar as atividades antropogênicas em um modelo de livre mercado industrial.
A ausência de uma disciplina específica de educação ambiental em todos os níveis e modalidades de ensino (evidentemente sem prejuízo da inter, multi e transdisciplinaridade indispensáveis), impossibilita uma relação mais direta dos professores, alunos e comunidades escolares com o desenvolvimento de tecnologias ambientais e de soluções alternativas para problemas, inclusive em escalas regionais e locais, como geração e distribuição de energia, produção de alimentos, uso dos recursos hídricos, armazenamento e logística, transportes, ciclo das matérias primas, cooperação técnica e muitos outros setores que devem ser estimulados como estratégicos ao desenvolvimento de uma economia baseada no respeito aos direitos humanos sem esquecer dos Direitos Universais da Mãe Terra. Esta política da educação ambiental estar como assessório dos sistemas de ensino é uma atitude deliberada para a concentração da pesquisa, desenvolvimento e aplicação das tecnologias ambientais em algumas poucas universidades ou grandes corporações, inviabilizando a formação de técnicos e sufocando iniciativas e processos criativos autônomos e autosuficientes.
Antonio Silvio Hendges, articulista do EcoDebate, é Professor de biologia e agente educacional no RS. E-mail: as.hendges{at}gmail.com
EcoDebate, 17/09/2010
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