Falta de ação política e as mudanças climáticas. Entrevista com Osvaldo Canziani, climatologista
Queimadas, secas, tornados, furacões. Eventos climáticos não são novidades, mas a frequência entre eles tem aumentado, assim como sua potência e isso se deve às mudanças do clima. Porém, segundo o climatologista argentino Osvaldo Canziani, é a falta de ação política que torna as consequências desses fenômenos mais graves. “A falta de decisão política, particularmente nos países de maiorias pobres, tem freado o desenvolvimento de redes de observação e monitoramento e mostra a pouca preocupação no que diz respeito ao estabelecimento de sistemas de vigilância e alerta ambientais. Existem hoje mecanismos de Estratégia Internacional de Redução de Desastres, produzidos pela Organizaçao das Nações Unidas, que provém informação sobre este tipo de ação e para a educação da população. Os habitantes do Paquistão estiveram órfãos destes serviços”, relatou ele na entrevista que concedeu à IHU On-Line por email.
O climatologista Osvaldo Canziani atuou junto ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 1991 a 2008. Foi responsável pelo grupo que discutiu a vulnerabilidade, impactos e adaptação às mudanças climáticas no Quarto Documento de Avaliação produzido pelo grupo de especialistas no meio ambiente e no clima. Atualmente, é professor na Universidade de Buenos Aires.
IHU On-Line – Como o senhor analisa as recomendações feitas pelo grupo independente de metereologistas sobre o trabalho do IPCC?
Osvaldo Canziani – Antes de responder objetivamente à pergunta, preciso fazer um esclarecimento: os documentos do IPCC são elaborados por equipes multidisciplinares de especialistas de diferentes regiões do mundo, sejam elas desenvolvidas ou em desenvolvimento. Ainda que a área das ciências atmosféricas contribuiram somente com uma parte do documento, os processos do tempo e do clima são mesmo a parte mais visível e ubíqua do processo de mudanças climáticas, e, portanto, as ações e reações relativas às demais ciências integram estes documentos de avaliação. Sem dúvida alguma, os eventos extremos do tempo e do clima e, sobretudo, a gestação de um sistema climático novo, estão dando origem a uma transformação, transcendente no tempo, da paisagem, da sociedade humana, seu entorno urbano e rural e, obviamente, da economia global. É por isso que o Artigo 2 da Convenção Marco das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (CMNUCC) apresenta a urgência no sentido de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera a fim de:
– permitir que os ecossistemas se adaptem naturalmente;
– asseguras que a produção de alimentos não seja ameaçado;
– e permitir que o desenvolvimento econômico prossiga de maneira sustentável.
Agora, focando em sua pergunta, devo mencionar que as críticas feitas nesse novo relatório estão dedicadas, fundamentalmente, às repercussões regionais do aquecimento terrestre e suas projeções para o futuro. Durante o Quarto Período de Avaliação do Painel, como copresidente do IPCC, representando as regiões em desenvolvimento, além de ter me dedicado plenamente a sua elaboração, também participei de várias discussões sobre a qualidade da informação da base com que se trabalhava. Por isso, eu estou convencido de que o conhecimento científico e os progressos tecnológicos avançam de forma lenta, mas firmemente. Sabendo, além disso, que o progresso científico depende da disponibilidade da informação básica, tanto geofísica como biológica e ambiental, assim como a disponibilidade e informação social e econômica, podemos dizer que sua integração permite definir a vulnerabilidade dos setores e as regiões e determinar o efeito dos impactos sobre a sociedade. Estes dados devem ser suficientes, confiáveis e estar inseridos no espaço e no tempo, de maneira apropriada logicamente, na avaliação dos trabalhos científicos.
Uma das críticas se refere a alguns trabalhos utilizados na avaliação e que careciam de julgamentos confiáveis. Esta situação foi registrada quando avaliaram certos tipos de documentos, como o dos governos, identificados como parte da CMNUCC, desenvolvidos de acordo com os compromissos estabelecidos no artigo 4 desta convenção. De todas as formas, eram e são documentos dos governos.
Este documento, assim como outros (a exemplo: Global Environmental Outlook e os documentos sobre Desenvolvimento Humano das Nações Unidas), que se produzem em países em desenvolvimento com informações muito escassas, puderam mostrar alguns erros de magnitude, mas não como mostram essas implicações regionais relatadas nas críticas sobre as mudanças climáticas. Estes documentos também fizeram com que o conhecimento humano avançasse. Por isso, as críticas feitas ao IPCC, em minha opinião, definitivamente são tendenciosas. Perguntam-me frequentemente o que teria sido do desenvolvimento da Física e da Hidrologia sem os conhecimentos de Leonardo da Vinci? Destaquemos que da Vinci apresentou o Princípio da Massa mais de dois séculos antes que Isaac Newton e fabricou, assim como pôs em funcionamento, instrumentos para medições hidrológicas (ainda não implementadas neste século XXI em muitos rios de um bom número de países em desenvolvimento). Estas referências destacam que o progresso da Ciência e da Tecnologia é lento, mas apresenta situações de avanços surpreendentes e fantásticos. No entanto, os seres humanos não têm alcançado as capacidades necessárias para definir, por exemplo, como apareceu a vida em nosso planeta. Começou sobre a Terra ou foi transportada de outras galáxias?
O IPCC é um painel que, pura e simplesmente, evolui a literatura científica, com a obrigação inevitável que exige que os trabalhos tenham sido submetidos para avaliação. Claramente falando, quem pode garantir de maneira absoluta e total o grau de “veracidade científica” relativo às questões de indisciplinaridade. Isso evidencia, portanto, que as mudanças climáticas não são uma única, nem sequer a mais importante, Mudança Ambiental Global.
Não há dúvida de que tudo pode ser melhorado. No entanto, o feito do IPCC é valioso e caminha para alcançar o desenvolvimento que assegure ou que seja tão favorável como seja possível ao desenvolvimento sustentável da sociedade humana. Como sempre tem ocorrido, e seguirá ocorrendo, pois o ser humano não domina a natureza, haverá avanços. No entanto, o saldo líquido será, como é no trabalho feito pelo IPCC, totalmente positivo.
A 18º reunião do IPCC, que aconteceu em abril de 2008 em Budapeste, tomou conhecimento da necessidade de desenvolver cenários mais consistentes em relação à realidade social e econômica da sociedade atual, que vive entre grupos que possuem índices de conforto exagerado e níveis de pobreza extremos. Um mundo que carece de ética ambiental tem como causas básicas de deterioração ambiental questões como:
– tamanho da população;
– excesso de consumo;
– e falta de tecnologias apropriadas para produzir e consumir recursos e serviços.
A realidade é difícil num mundo onde a “pegada ecológica” dos países desenvolvidos excede em mais de 600% o valor médio de menos de dois hectares por pessoa num planeta de superfície finita, como é a Terra, habitado por quase sete bilhões de habitantes. É evidente que, no mundo, a falta de solidariedade mata muito mais pessoas do que os efeitos adversos das mudanças climáticas. A esta altura, a resposta parece estar na raiz da questão.
IHU On-Line – Muitos países estão vivendo desastres climáticos muito severos. Que lições podemos tirar dessas situações?
Osvaldo Canziani – Os desastres são eventos de variabilidade climática, a exemplo disso temos o fenômemo El Niño e outras as intensificações dos processos como as circulações atmosféricas que originam danos humanos e materiais. Estes eventos também ocorreram no passado. Atualmente, a mudança do sistema climático faz com que sejam mais frequentes e mais intensos tais eventos.
A falta de decisão política, particularmente nos países de maiorias pobres, tem freado o desenvolvimento de redes de observação e monitoramento e mostra a pouca preocupação no que diz respeito ao estabelecimento de sistemas de vigilância e alerta ambientais. Existem hoje mecanismos de Estratégia Internacional de Redução de Desastres, produzidos pela Organização das Nações Unidas, que provêem informação sobre este tipo de ação e para a educação da população. Os habitantes do Paquistão estiveram órfãos destes serviços.
Na mesma situação estão os habitantes de muitos países em vias de desenvolvimento ou, simplesmente, subdesenvolvidos que existem no mundo e na América Latina e Caribe. As recomendações das Agências Especializadas das Nações Unidas e do PNUMA provêm informação e assistência. A falta de decisão de muitos governos é a causa de desastres como os muitos que sejam registrados no mundo.
IHU On-Line – As negociações sobre o clima podem mudar a atual situação?
Osvaldo Canziani – É evidente que sim. No entanto, os interesses em jogo estão relacionados à questão econômica, aos interesses bastardos de grupos sociais que pretendem manter seus privilégios num mundo que já está vivendo seu limite de crescimento, estão demonstrando que a COP-16 (que será realizada em dezembro de 2010 em Cancun) seria um fracasso. Esperamos que não seja assim.
IHU On-Line – Estas catástrofes podem criar “refugiados do clima”? Que regiões podem sofrer mais com este problema?
Osvaldo Canziani – O Escritório do Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados informa que, neste ano de 2010, há mais de 80 milhões de refugiados, muitos deles por razões ambientais – secas, inundações, furacões, tornados, etc. As projeções para o ano de 2050 elevam esse dado para umas 250 milhões de pessoas. A mudança climática, pelos desastres derivados da inundação de zonas costeiras baixas e ilhas de nível baixo, agregaria a essas cifras entre oito e 35 milhões de refugiados adicionais por ano. O panorama apresenta sérias implicações geopolíticas nos países de um subcontinente pouco povoado, como os da América do Sul.
IHU On-Line – O problema das queimadas na Rússia também tem relação com as mudanças do clima?
Osvaldo Canziani – É evidente que o aquecimento global, ao produzir o secamento dos solos e da biomassa, gera condições muito propícias ao denominado wildfire, incêndio selvagem ou incêndio natural. Isso tem ocorrido já na Espanha, França e Portugal, assim como no Brasil e na Venezuela.
(Ecodebate, 16/09/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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