Rio Madeira: alteração no projeto de Jirau não vai beneficiar consumidor, artigo de Telma Monteiro
Telma Monteiro, coordenadora de Energia e Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, analisa o pedido das construtoras de aumentar a capacidade instalada da Usina Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia.
O consórcio ESBR, liderado pela franco-belga GDF Suez, quer aumentar a capacidade instalada da hidrelétrica Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Para isso aguarda a anuência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Matéria do Brasil Econômico da semana passada (01/09) informa que o objetivo é ampliar a receita da empresa aumentando a capacidade de geração da usina de 3.450 megawatts (MW) para 3.750 MW. O texto informa que seria um acréscimo de 46 turbinas para 50.
Porem há equívoco nos números citados na matéria. Em 03 de julho de 2009 foi emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) a Licença de Instalação (LI) N° 621/2009 para a usina de Jirau. A LI foi assinada por Roberto Messias Franco que era o presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e nela consta que a potência instalada é 3.300 MW e não 3.450 ou 3.750 MW e que o número de turbinas é 44 de 75 MW cada e não 46 ou 50.
Já em O Globo de 17 de agosto de 2010, o diretor de Desenvolvimento de Negócios da GDF Suez, Gil Maranhão, disse que com essa estratégia [de aumento da capacidade], haverá um reforço no fluxo de caixa com um incremento na receita para compensar o grande deságio no leilão de concessão. Outro equívoco, pois o deságio de 21,54% em relação ao preço-teto estabelecido pelo Ministério de Minas e Energia (MME), que deu à ESBR a vitória no leilão de Jirau, foi atribuido à mudança na localização do arranjo do eixo do barramento da usina para 9 km rio abaixo, que economizaria R$ 1 bi em escavações. Aliás, essa alteração foi objeto de várias ações que tramitam na justiça e que questionam a legitimidade da decisão aprovada pela Aneel depois das licenças concedidas pelo Ibama e depois do leilão.
Essa matéria ainda informou que a capacidade total de geração aumentará de 3.300MW para 3.750MW quando as 50 turbinas estiverem funcionando. Portanto, um acréscimo expressivo de 450 MW.
O Brasil Econômico de 20 de agosto, afirmou que a Aneel vai autorizar o acréscimo dos 450 MW com a instalação de outras seis turbinas além das 44 que constavam do projeto original. Nesse caso, o número de turbinas – 44 – confere com aquele autorizado na Licença de Instalação concedida pelo Ibama.
Em IG Economia de 30 de agosto, Maranhão disse que “O objetivo [do aumento do número de turbinas] é ter uma energia assegurada que seja suficiente para bancar o investimento adicional na compra das quatro turbinas de 75 MW cada.” Ora, então o objetivo de ter mais turbinas é ter o dinheiro para pagá-las? A matéria evidencia que o consórcio ESBR, sem autorização da Aneel, já havia elevado, por sua própria conta, o número original de turbinas em duas unidades, de 44 para 46, valendo-se da polêmica mudança da localização original de Jirau. Só que a LI licenciou o empreendimento com 44 turbinas. Como é que fica?
A produção da energia extra pretendida pela ESBR não foi objeto de licenciamento ambiental, não passou pelo crivo da Agência Nacional de Água (Ana), pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ou pela análise da equipe técnica do Ibama. Mas será vendida no mercado livre a preço muito superior ao do mercado regulado.
Gil Maranhão atribui a necessidade de aumentar a capacidade instalada de Jirau a “um descompasso entre os inventários e os projetos básicos” que mereceria uma regulação da Aneel. Essa, digamos, diferençazinha entre o projeto aprovado e o que o consórcio pretende parece normal para ele. Ou seja, “pequenos ajustes” no projeto básico seria uma forma de utilizar melhor o aproveitamento hídrico, desde que beneficie exclusivamente o consórcio!
Ora, ora! Então por que não buscar esses “pequenos ajustes” antes da aprovação do “aproveitamento ótimo” pela Aneel? Antes dos estudos ambientais? Antes do leilão? A planilha de custos do empreendimento, submetida, antes do leilão, à análise do TCU para exame da consistência e exatidão dos valores relativos ao orçamento dos materiais, serviços e obras a serem empregados na concessão, já poderia considerar o aumento da produtividade. Isso teria levado a um valor mais baixo do preço-teto para o leilão do mercado regulado que comprou 70% da energia de Jirau, no final de 2008.
Para entender o leilão de compra de energia
A contratação de energia é feita por meio de licitação conduzida pela Aneel, com preço teto definido pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e, com base em estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aprovados pelo TCU. O Novo Modelo do Setor Elétrico foi criado em 2004 pela Lei 10.848 e determinou que no edital do leilão deverá constar qual é o porcentual de energia gerado pelo empreendimento que será destinado para o mercado regulado (para os distribuidores de quem somos consumidores). No edital do leilão de Jirau está explícito que o porcentual mínimo de energia destinado ao Ambiente de Contratação Regulada (ACR) ou mercado regulado é 70% (setenta por cento).
Também está no edital que “as alterações no tipo e/ou número de turbinas não podem agravar os impactos socioambientais previstos nos estudos já apresentados ao Ibama, notadamente no que diz respeito: (a) à área do reservatório; (b) ao comportamento hidrodinâmico do reservatório; (c) à regra de operação, respeitadas as condições difinidas pela ANA; (d) à dinâmica de sedimentos; (e) aos impactos na descida de larvas e juvenis da ictiofauna; (f) aos impactos na subida dos espécimes adultos da ictiofauna; (g) aos impactos a jusante”. Quem vai analisar se o aumento da capacidade instalada com mais 6 turbinas não vai alterar mais ainda o comportamento hidrodinâmico do reservatório ou criar mais impactos no meio ambiente? E o valor pelo uso do bem público?
Outra dúvida seria com relação ao principal objetivo do Novo Modelo do Setor Elétrico que é promover a modicidade tarifária, fator essencial para o atendimento da função social da energia. Cabe questionar o porquê de não se fazer a otimização antes do leilão para reduzir o valor do preço-teto.
O consórcio ESBR venceu o leilão que comprou 70% da energia a ser produzida por Jirau para o mercado regulado pelo valor máximo de R$ 71,40 o megawatt hora. Que poderia ter sido bem menor se o aumento de capacidade instalada tivesse sido considerado. A energia adicional que será produzida pelas seis turbinas extras propostas vai ser vendida no mercado livre com preços muito mais altos que o do mercado regulado. Gil Maranhão ainda é categórico ao dizer que “Acho que está claro que essa energia é do mercado livre, porque é adicional.”
Ele quer dizer que essa energia não entrará como parte dos 70 % objeto do leilão. Então a conta não fecha. O leilão, conforme está no edital, licitou 70% de 3.300 MW (2.310 MW) e não 70% de 3.750 MW (2.625 MW). Se acrescentarmos o aumento da capacidade defendida pela GDF Suez, na verdade, o governo leiloou 61,6% da geração de Jirau. Isso conflita com o edital, fere a lei do novo modelo do setor elétrico e a lei de licitações.
O TCU entende que os empreendimentos hidrelétricos devem ser licitados com orçamento detalhado ou pelo menos com os Estudos de Viabilidade Técnico – Econômica (EVTE) com qualidade suficiente que contemple o melhor arranjo para geração de energia. Para o Tribunal, a legislação é suficientemente clara quando define que um estudo de viabilidade técnica e econômica adequado deve fundamentar um aproveitamento ótimo em uma licitação para outorga de concessão de “uso do bem público”, como no caso de construção de uma usina hidrelétrica.
Para se ter uma idéia do que são esses 450 MW adicionais de capacidade instalada, basta fazer uma comparação com as hidrelétricas que estão sendo planejadas no rio Teles Pires, em Mato Grosso: Foz do Apiacás – 275 MW, Colider – 342 MW, Magessi – 53 MW, Sinop – 461 MW. Então, o golpe do aumento da capacidade instalada de Jirau seria o equivalente à construção, por exemplo, de Colider e Magessi, ou Magessi e Foz do Apiacás, ou só Sinop e ainda sobraria troco!
A grande diferença é que a implantação dessas hidrelétricas no Teles Pires requer investimentos em projetos, construção de todas as obras civis, desapropriações, custos ambientais e sociais, compensações e devem passar pelo processo de licenciamento ambiental. O aumento da capacidade instalada de Jirau, equivalente a duas ou mais hidrelétricas no rio Teles Pires, não vai custar nem um tostão a mais ao consórcio liderado pela GDF Suez exceto as turbinas e, eventualmente, um upgrade na casa de força; mas vai acrescentar ricos 14% ao seu faturamento.
A conclusão é que o projeto está sendo alterado para aumentar a produtividade – ou otimizar, como gostam de chamar – passando por cima da declaração da ANA, dos novos impactos decorrentes de um empreendimento com características técnicas diferentes, dos custos aprovados pelo TCU para o leilão, da Licença de Instalação, do edital e da assinatura do contrato de concessão.
Além do mais, isso não vai reverter em economia para o mercado regulado – residencial, comercial, pequenas empresas – seria isso lícito? E isso com o aval do Presidente da República que durante a visita que fez às obras de Jirau aproveitou para chamar a atenção de seus assessores sobre a demora da autorização da Aneel e pediu urgência, já que só lhe restam quatro meses de governo. Será que a Aneel vai autorizar?
Para finalizar, o consórcio Santo Antônio Energia (SAESA), da usina de Santo Antônio, no rio Madeira, também pediu aumento da capacidade instalada à Aneel.
(Ecodebate, 13/09/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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