Oficina ‘Mudanças Climáticas’ na Resex Prainha do Canto Verde, CE, artigo de Mayron Régis
[EcoDebate] A expressão “bater fofo”, na gíria urbana de São Luis, capital do estado do Maranhão, diz respeito a um tapa que uma criança descreve com uma das mãos sobre um monte de figurinhas para que elas mostrem suas faces verdadeiras. Quem desvira mais figuras ganha a partida. Ela também é bastante utilizada quando alguém descumpre com um acerto firmado anteriormente por razões inexistentes ou imprecisas.
Simplesmente, a humanidade “bate fofo” ao vilanizar o processo de mudanças climáticas como uma forma de amedrontar os “verdadeiros” culpados pela emissão de gases do efeito estufa. Quem realmente começou com e aonde realmente começaram as mudanças climáticas? Vá saber, alguém diria.
Acontece que, para quem está no vórtice das decisões e das discussões, obter uma resposta, ou mesmo várias, torna-se fundamental à medida que a temperatura no planeta Terra aumenta. “A vilanização das mudanças climáticas” se dedica ao mesmo repertório de vilanizações que a humanidade sufragou ao longo da história. Bastaria que a produção de alimentos caísse para que se suspeitasse da presença do demônio e da falta de Deus no lugar.
Ao longo da história, a vilanização bate seu ponto “religiosamente” no inconsciente coletivo a fim de que os donos do poder desconversem sobre as razões naturais e humanas das crises sócio-ambientais que arrastam boa parte da humanidade. Como em outras épocas e de acordo com o sobe-e-desce da gangorra das emoções humanas, o Estado alista um pequeno exercito de imponderabilidades como se fossem capazes de solucionar, em curto espaço de tempo, as mudanças climáticas de séculos atrás como bem ou mal o faz um médico que consulta um doente e receita o remédio para os sintomas sem se debruçar sobre as causas e sobre o histórico do paciente.
Na verdade, a humanidade vê a natureza, desde a idade média, como um espetáculo de eventos suscetíveis ao maligno e que ocasionam malignidades na espécie humana. Quando se generaliza um fato, este draga com sua corpulência uma série de elementos que possibilitaram o seu crescimento. O processo de mudanças climáticas não é um fato novo e nem atingirá a todos como um corpo só, que nem alardeiam uns.
Para os povos e comunidades tradicionais reunidos na “Oficina Justiça Climática no Nordeste: afirmação dos territórios tradicionais como estratégia para o enfrentamento da crise climática” em plena reserva extrativista Prainha do Canto Verde, município de Beberibe, estado do Ceará, o tema das mudanças climáticas não pode ser como um quadro branco no qual se vai tentando riscar novas teorias para fatos já muito bem conhecidos.
As mudanças climáticas impactam diretamente os seus espaços territoriais e suas vidas cotidianas e, portanto, não é um debate que se encerra apenas no campo da ciência e da macropolitica. Ele se insere dentro de toda uma gama de territórios étnico-ambientais nos quais comunidades quilombolas, agroextrativistas e indígenas se circunscreveram e se circunscrevem por mais de um século.
Os governos e os cientistas “fazem arte” com o tema e com a consciência humana, pois “vendem” uma idéia de que o clima endoidou de uma hora para outra em função da emissão de gases do efeito estufa que se iniciou no final do século XIX e que nos séculos XX e XXI alcançou seu ápice. A partir dessa premissa, a simples diminuição dos gases do efeito estufa na atmosfera resolveria o problema do aquecimento global e isso se obteria com eficiência em todos os campos produtivos. Encontra-se a raiz do problema mais abaixo e mais alargada do que se supõe e do que anseiam alguns.
A inscrição do processo de mudanças climáticas nos seus territórios étnico-ambientais permite às comunidades tradicionais relutarem em acatar quaisquer visões cientificas ou não que enfeixem a discussão e as propostas numa direção única e numa temporalidade exacerbada. Os modos de vida desses povos e comunidades nos territórios étnico-ambientais, em diferentes biomas como a Zona Costeira, a Caatinga e o Cerrado e outros, possibilitou um manejo dos recursos naturais que integra sociedade e natureza de forma que as temporalidades sócio-econômicas de um não aniquilem as temporalidades físico-ambientais do outro.
Mayron Régis, jornalista, é Assessor do Fórum Carajás e articulista do Portal EcoDebate.
EcoDebate, 10/09/2010
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