Terras na Amazônia: de quem são? artigo de Rogério Almeida
[EcoDebate] A grande propriedade rural, com base de mão de obra escrava, numa lógica de monocultura agro-exportadora foi o fator estruturante do universo rural brasileiro. Tal desenho conferiu poderes econômicos e políticos por longo período aos senhores de terras até os anos inaugurais do século XX.
A posse de grandes extensões de terras foi o símbolo do status quo da época, que só a partir de 1930, com o advento de um processo de industrialização e urbanização, tem o curso alterado. Além de vastos territórios, o controle do Estado ancorou a reprodução social e econômica dos senhores de terras. Lembram da política do café com leite?
Controlar o Estado além da efetivação de recursos econômicos significou e ainda significa, o controle do aparato de coerção contra os seus adversários, rebeliões de escravos e camponeses. Não fosse assim, a representação do Congresso não seria tão expressiva e raivosa. Bem como a cobertura da grande mídia quando da disputa pela terra.
A concentração da terra nas mãos de poucos e a dos meios de comunicação configuram uma anomalia da nossa democracia. A presente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de ordenar a suspensão dos títulos de terras é um avanço para a superação de um aleijão democrático. O fato é histórico. A decisão foi tomada pelo Ministro Gilson Dipp. Os cartórios possuem prazo de 30 dias para atender a ordem.
Na recente história, a integração econômica da região amazônica ao resto do país no período da ditadura (1964-1985) é uma espécie de marco da concentração da terra. A política era baseada em incentivos fiscais às grandes empresas do capital comercial e financeiro. Período conhecido como modernização conservadora. O modelo de integração, baseado em incentivo fiscal, teve como conseqüência a concentração de terra e renda nas mãos de poucos. E posteriormente, na distensão da ditadura, na década, quando da existência da União Democrática Ruralista (UDR), o período mais violento contra camponeses e seus apoiadores.
A situação fundiária da Amazônia é um limite para que se possa estabelecer políticas públicas para a região. Nos parcos dados disponíveis não se percebe um diálogo entre as diferentes esferas do poder envolvidas na questão. O que facilita e incentiva a engenharia para o controle de grandes extensões de terras, que envolve políticos, técnicos do governo e cartórios.
O trabalho que desaguou do recente pedido de suspensão dos títulos foi silencioso. E teve entre os incentivadores o Ministério Público Federal (MPF). 6.102 títulos de terra registrados nos cartórios estaduais possuem irregularidades. Somados, os papéis representam mais de 110 milhões de hectares, quase um Pará a mais, em áreas possivelmente griladas.
Os dados resultam de três anos de pesquisa dos órgãos ligados à questão fundiária no estado, através da Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem (Tribunal de Justiça, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra e a Federação da Agricultura do Estado do Pará). O documento foi apresentado em 30 de abril de 2009 no auditório do MPF. Uma mobilização até então inédita.
Conforme o site do MPF, a magnitude dos problemas nos registros – que abrangem de fraudes evidentes a erros de escriturários – levou a um pedido, dirigido à Corregedoria do Interior do Tribunal de Justiça, para que iniciasse imediatamente o cancelamento administrativo de todos os títulos irregulares, já bloqueados por medida do próprio TJ. A desembargadora Maria Rita Lima Xavier, corregedora do interior negou o pedido no mês de março.
O cancelamento dos títulos pelo CNJ evitou a criação de seis mil processos para o cancelamento dos títulos, que poderiam durar infinitos anos no tribunal já sobrecarregado. Com o indeferimento da desembargadora Maria Rita Lima Xavier, a comissão recorreu ao CNJ para que o mesmo defira pelo cancelamento dos títulos falsos.
Felício Pontes Jr, procurador da República e representante do MPF na comissão, argumenta que os indícios de fraude são evidentes demais para ficarem esperando processo judicial. O pedido de cancelamento dos títulos foi subscrito pelo Ministério Público do Estado, Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e foi enviado ao CNJ através dos Correios no mesmo dia de apresentação dos dados.
Entre os episódios de grilagem mais famosos do Pará está o do “fantasma” Carlos Medeiros, ente jurídico e fisicamente inexistente que acumula 167 títulos de terra irregulares. Todos os títulos de Medeiros que somam 1,8 milhões de hectares estão bloqueados. As terras se espraiam em dez municípios paraenses. A mesma situação nubla os empreendimentos da Agrapecuária Santa Bárbara Xinguara S/A., no sudeste do estado, a fazenda Espírito Santo, no município de Xinguara.
Os professores e pesquisadores Treccani e Benatti, por ora técnicos do ITERPA, estão entre os responsáveis pelo processo. Mas, no curso da agenda do governo federal os projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) para a região, tendem a pressionar alguns territórios estabelecidos: reservas ambientais, reservas indígenas, projetos de assentamento rurais e quilombos.
Agora, mas que festejar, cumpre a vigilância.
Rogério Almeida é colaborador da rede Fórum Carajás e do Portal EcoDebate.
EcoDebate, 24/08/2010
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Para se analisar as causas dessa concentração e dos desmandos que levaram o Brasil à condição inédita de terceiro país mais desigual do mundo (atrás apenas do Haiti e da Bolívia), basta verificarmos que em 2004 – governo Lula – o chinês Lu Weiguang “comprou” 100 mil hectares de terras da União em território indígena no MT, e desde aquele ano é o “legítimo” proprietário -intocado pelo governo federal: FUNAI, INCRA, IBAMA, FFAA,Ministérios – dessa imensa parcela do nosso país.