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Clima feroz: Um verão de extremos, artigo de Stefan Rahmstorf

Rússia: Pontos de calor e emissão de CO2, pelos incêndios florestais, entre 1 e 8/8/2010, em foto da NASA
Rússia: Pontos de calor e emissão de CO2, pelos incêndios florestais, entre 1 e 8/8/2010, em foto da NASA

"Esta década está sendo, no mundo inteiro, a mais quente em mil anos"

[Valor Econômico] Este verão tem apresentado extremos relacionados com o clima na Rússia, Paquistão, China, Europa, no Ártico – e muitos outros lugares. Mas terá isso algo a ver com o aquecimento mundial, e serão as emissões humanas as culpadas?

Embora não possa ser cientificamente comprovado (ou, a propósito, negado) que o aquecimento mundial causou algum evento extremo em particular, podemos dizer que o aquecimento mundial muito provavelmente torna vários tipos de condições meteorológicas extremas mais frequentes e mais intensas.

Durante semanas, a Rússia central esteve nas garras da sua pior onda de calor na história, que provavelmente causou milhares de mortes. Como resultado da seca e do calor, mais de 500 incêndios grassaram, descontrolados, sufocando Moscou com fumaça e pondo em risco várias instalações nucleares. O governo russo proibiu as exportações de trigo, o que fez disparar os grãos em todo o mundo.

Enquanto isso, o Paquistão está lutando com inundações sem precedentes que já mataram mais de mil pessoas e afetaram outros milhões. Na China, as enchentes já mataram mais de mil pessoas e destruíram mais de um milhão de casas. Em menor escala, países europeus como a Alemanha, Polônia e República Checa também sofreram graves inundações.

Enquanto isso, as temperaturas mundiais nos últimos meses estiveram em seus níveis mais elevados em registros que remontam a 130 anos. A capa gelada do mar Ártico atingiu seu mais baixo nível médio registrado num mês de junho em todos os tempos. Na Groenlândia destacaram-se dois enormes pedaços de gelo em julho e agosto.

Haverá uma inter-relação entre esses eventos?

O simples exame de eventos extremos individuais não revelará sua causa, assim como assistir algumas cenas de um filme não revelam sua trama. Mas, examinadas num contexto mais amplo, e usando a lógica da física, partes importantes da trama podem ser entendidas.

Esta década foi marcada por alguns extremos surpreendentes. Em 2003, a onda de calor mais intensa em uma geração quebrou recordes anteriores de temperaturas por grande margem e causou 70 mil mortes na Europa. Em 2005, a mais intensa temporada de furacões já testemunhada no Atlântico devastou Nova Orleans e quebrou recordes em termos do número e da intensidade de furacões.

Em 2007, incêndios sem precedentes assolaram toda a Grécia, quase destruindo a antiga Olímpia. E a Passagem Noroeste, no Ártico, ficou sem gelo pela primeira vez na memória viva. No ano passado, mais de cem pessoas morreram em queimadas na Austrália, que surgiram após seca e calor recordes.

Esse conjunto de eventos climáticos recordistas poderia ser apenas uma série surpreendente de azar. Mas isso é extremamente improvável. É muito mais provável que seja resultado de um aquecimento climático – uma consequência de esta década ser, no mundo inteiro, a mais quente em mil anos.

Todo clima é influenciado por energia, e o sol, em última instância, fornece essa energia. Mas a maior mudança na conta corrente energética terrestre deve-se, de longe, à acumulação, na atmosfera, de gases causadores do efeito de estufa, que limitam a transmissão de calor para o espaço. Devido às emissões de combustíveis fósseis, há hoje um terço a mais de dióxido de carbono na atmosfera do que em qualquer momento há pelo menos um milhão de anos, como revelou a perfuração da mais recente amostra de gelo na Antártida.

As mudanças no balanço energético do planeta causadas por variações solares são pelo menos dez vezes menor, em comparação. E elas vão na direção errada: nos últimos anos, o sol tem estado mais fraco desde que as mensurações por satélites começaram em 1970. Assim, quando eventos climáticos extremos sem precedentes ocorrem, o principal suspeito é, naturalmente, a maior mudança na atmosfera ocorrida no curso dos últimos cem anos – que foi causada por emissões humanas.

O fato de ondas de calor como a registrada na Rússia se tornarem mais frequentes e extremas num mundo mais quente é fácil de compreender. A ocorrência de chuvas extremamente fortes também se tornou mais frequente e intensa em um clima mais quente, devido a outro simples fato da física: ar quente pode reter mais umidade. Para cada grau Celsius de aquecimento, 7% mais água fica disponível para despencar de massas de ar saturado. O risco de secas também aumenta com o aquecimento – mesmo onde a chuva não diminui, maior evaporação seca o solo.

O efeito do dióxido de carbono também pode alterar os padrões dominantes da circulação atmosférica, o que exacerba extremos de calor, secas ou chuvas em algumas regiões, reduzindo-os em outras. O problema é que a redução nesses extremos aos quais já estamos bem adaptados resulta em benefícios apenas modestos, ao passo que novos extremos aos quais não estamos adaptados podem ser devastadores, como mostram os recentes acontecimentos no Paquistão.

Os eventos deste verão mostram como as nossas sociedades são vulneráveis aos extremos climáticos. Mas o que vemos agora está acontecendo após apenas 0,8º Celsius de aquecimento mundial. Com ação rápida e decisiva, ainda podemos limitar o aquecimento mundial a um total de 2º Celsius, ou um pouco menos. Até mesmo esse grau aquecimento exigiria enorme esforço de adaptação a condições climáticas extremas e crescentes níveis do mar, que precisa começar agora.

Com ações débeis, como as prometidas pelos governos na conferência de Copenhague em dezembro do ano passado, estaremos a caminho de 3º ou 4º Celsius de aquecimento mundial. Isso provavelmente ultrapassará a capacidade de adaptação de muitas sociedades e ecossistemas. E se nada for feito, o planeta poderá até mesmo aquecer entre 5º e 7º Celsius até o final deste século – e ainda mais, depois. Marchar conscientemente nesse caminho seria insano.

Devemos encarar os fatos: nossas emissões de gases estufa são, provavelmente, ao menos parcialmente culpadas por esse verão de extremos. Apegar-se à esperança de que tudo é fruto de acaso e natural parece ingênuo. Esperemos que este verão de extremos seja um grito de alerta de última hora a ser ouvido por autoridades decisórias, pelo mundo empresarial e pelos cidadãos.

Stefan Rahmstorf é professor de Física dos Oceanos na Universidade de Potsdam e membro do Conselho Consultivo Alemão sobre Mudanças no Mundo

Artigo originalmente publicado no Valor Econômico.

EcoDebate, 18/08/2010

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