Hidrelétricas representam ameaça para povos indígenas, adverte relatório
Construção da hidrelétrica Gibe III , na Etiópia. Foto de Xan Rice/The Guardian
As represas do Brasil, Etiópia e Malásia irão forçar que as pessoas saiam de suas terras e irão destruir os campos de caça, diz a Survival International. A reportagem [Hydroelectric dams pose threat to tribal peoples, report warns] é de John Vidal, publicada no jornal The Guardian, 09-08-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Represas hidrelétricas gigantes em construção ou planejadas em áreas remotas do Brasil, Etiópia, Malásia, Peru e Guiana irão devastar as comunidades tribais, forçando as pessoas a deixar suas terras ou destruindo os campos de caça e de pesca, de acordo com um relatório da Survival International publicado nesta segunda-feira.
A primeira avaliação global do impacto das represas sobre as tribos sugere que mais de 300 mil povos indígenas podem ser empurrados para a ruína econômica e, no caso de alguns grupos isolados brasileiros, para a extinção.
As barragens estão destinadas a fornecer a eletricidade muito necessária e de baixo carbono para as cidades florescentes, mas o relatório diz que os povos tribais que vivem em seus arredores vai ganhar pouco ou nada com elas. A maior parte da energia gerada será tomada por grandes indústrias, conclui o relatório.
Pelo menos 200 mil pessoas de oito tribos estão ameaçadas, e outras 200 mil pessoas serão afetadas pela hidrelétrica Gibe III, no rio Omo, na Etiópia. Dez mil pessoas em Sarawak, na Malásia, foram deslocadas pela barragem de Bakun, que deverá ser inaugurada no próximo ano, e uma série de hidrelétricas na América Latina poderiam forçar milhares de pessoas a deixar suas terras.
Os autores dizem que o entusiasmo por grandes hidrelétricas está ressurgindo, impulsionado por um poderoso lobby internacional, que as apresenta como uma solução significativa para as mudanças climáticas. Lyndsay Duffield disse: “As lições aprendidas [sobre o impacto humano das grandes barragens] no século passado estão sendo ignoradas, e os povos tribais em todo o mundo estão sendo novamente postos de lado; seus direitos, violados; e suas terras, destruídas”.
O relatório diz que o Banco Mundial é um dos maiores financiadores de barragens destrutivas, apesar das críticas em todo o mundo na década de 90 pelo seu apoio a esses projetos. Sua carta está agora em 11 bilhões de dólares, com financiamentos de até mais de 50% em 1997.
A ONU agora subsidia a construção de hidrelétricas através do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), que permite que os países ricos compensem suas emissões de gases do efeito estufa com o investimento em energia limpa nos países pobres. O observatório CDM Watch diz que mais de um terço de todos os projetos de MDL registrados em 2008 foram para a energia hídrica, tornando-os o tipo mais comum de projeto que concorre por créditos de carbono.
A preocupação é crescente acerca do papel da China, o atual maior construtor e financiador do mundo de grandes barragens. A Three Gorges Corporation, empresa que está por trás da controversa represa de Três Gargantas, que deslocou mais de um milhão de pessoas em torno do rio Yangtze nos últimos 20 anos, foi contratada para construir uma represa sobre as terras da tribo Penan, em Sarawak.
O maior banco estatal da China, o Banco Industrial e Comercial da China, pode financiar a Gibe III, na Etiópia, que será a maior da África. O governo chinês financiou a maioria das barragens construídas na China, que representam cerca de metade do total mundial de grandes barragens.
O relatório diz que as tribos têm suportado o peso do desenvolvimento ao longo dos últimos 30 anos. Na Índia, pelo menos 40% dos deslocados por barragens e por outros projetos desenvolvimentistas são tribais, embora representem apenas 8% da população do país. Quase todas as grandes barragens construídas ou propostas nas Filipinas estão sobre as terras dos povos indígenas do país.
O relatório acusa os bancos e as construtoras de barragens de subestimar consistentemente o número de membros tribais afetados. “Há uma tendência endêmica na indústria de represas de subestimar significativamente o número de pessoas afetadas pelos seus projetos”, diz o documento.
“A revisão do Banco Mundial de grandes projetos de barragens durante 10 anos descobriu que o número de pessoas que realmente desalojadas foi de quase 50% superior às estimativas de planejamento”.
A Survival International pediu que todas as barragens hidrelétricas em terras tribais sejam interrompidas, a menos que as tribos deem o seu pleno consentimento. “No caso de tribos regiões isoladas ou sem contato, em que a consulta não é possível, não deve haver o desenvolvimento de usinas hidrelétricas nos seus territórios”, diz o relatório.
As represas do perigo
Etiópia – A barragem Gibe III, no rio Omo, na Etiópia, ameaça cerca de 200 mil pessoas de oito tribos no Vale do Baixo Omo. A represa vai interromper a enchente anual da qual as tribos dependem, destruindo suas formas de vidas, deixando-as vulneráveis à fome. Do outro lado da fronteira, no Quênia, 300 mil pessoas que vivem nas margens do Lago Turkana também serão afetadas.
Brasil – Uma série de barragens está planejada para o rio Madeira. As represas de Jirau e Santo Antônio vão afetar muitas tribos, incluindo grupos isolados, conhecidos por viver a poucos quilômetros de uma das áreas. A megarrepresa de Belo Monte, no rio Xingu, será a terceira maior do mundo e vai devastar uma área enorme. Os índios Kayapó e outras tribos da região têm protestado contra a barragem desde que ela foi proposta na década de 80.
Malásia – A barragem de Bakun, em Sarawak, que deve ser concluída neste ano, desalojou 10 mil membros de tribos, incluindo muitos membros da tribo seminômade Penan. Os Penan realojados agora não podem caçar e lutam para se sustentar em minúsculas porções de terra. Sarawak planeja mais 12 usinas hidrelétricas, o que irá forçar milhares de pessoas a se mudar.
Peru – Seis represas foram propostas, que inundariam terras ao longo do rio Ene, lar dos Asháninka, o maior grupo indígena do Peru.
Guiana – Mais grandes barragens estão previstas para o norte do Brasil e o do sul da Guiana, incluindo a controversa represa do Alto Mazaruni, que foi interrompida após protestos, mas que provavelmente será ressuscitada.
(Ecodebate, 12/08/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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