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Bertha Lutz: precursora da luta feminista, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Bertha Lutz: precursora da luta feminista, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Maria Julia Lutz (São Paulo, 1894 — Rio de Janeiro, 1976) foi uma das figuras pioneiras do feminismo no Brasil (Wikipédia)
Maria Julia Lutz (São Paulo, 1894 — Rio de Janeiro, 1976) foi uma das figuras pioneiras do feminismo no Brasil (Wikipédia)

[EcoDebate] No dia 2 de agosto, nasceu Bertha Maria Julia Lutz, em 1894, em São Paulo. Ela era filha do cientista e pioneiro da medicina tropical – Adolfo Lutz, oriundo de uma família suíça, e da enfermeira inglesa Amy Fowler. Bertha era zoóloga de profissão e estudou ciências naturais em Paris, na Sorbonne, com especialização em anfíbios.

Bertha Lutz, juntamente com Nísia Floresta, são consideradas figuras pioneiras do feminismo no Brasil. Ela é conhecida como a maior líder na luta pelo direito de voto das mulheres brasileiras.


Bertha Lutz conheceu os movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos nas primeiras décadas do século e foi responsável pela organização do movimento sufragista no Brasil. Com sua militância científica e política, lançou as bases do feminismo no país. Criou, em 1919, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, que foi o embrião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, criada em 1922 (centenário da Independência do Brasil). Representou o Brasil na assembléia geral da Liga das Mulheres Eleitoras, realizada nos EUA, onde foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana.

Após a Revolução de 1930, dez anos depois da criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, o movimento sufragista conseguiu a grande vitória, por meio do Decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, do presidente Getúlio Vargas, que garantiu o direito de voto feminino no país (as mulheres brasileiras conseguiram o direito de voto antes das francesas, por exemplo).

Nas primeiras eleições brasileiras com participação feminina, Bertha Lutz foi candidata pela “Liga Eleitoral Independente”, obtendo a primeira suplência, assumindo a cadeira de deputada na Câmara Federal em junho de 1936, devido à morte do titular. Sua atuação parlamentar, juntamente com a primeira deputada brasileira, Carlota Pereira de Queiros, foi marcada por proposta de mudança na legislação referente ao trabalho da mulher e do menor e em defesa da ciência.

Com a implantação do Estado Novo, em novembro de 1937, houve o fechamento do Legislativo brasileiro e grande recuo das liberdades democráticas. O recem fortalecido movimento feminista brasileiro sofreu um recuo e não foi capaz de se tornar ator principal, mesmo após a democratização de 1945. Porém, as mulheres brasileiras avançaram na educação, na saúde (aumento da esperança de vida), no mercado de trabalho e no alistamento eleitoral.

Bertha Lutz, do seu lado, após perder o mandato eletivo, entrou para o serviço público (sendo a segunda mulher a participar do funcionalismo federal), como chefe de botânica do Museu Nacional, aposentando-se em 1964. No Ano Internacional da Mulher, ocorrido em 1975, ela foi convidada pelo governo brasileiro a integrar a delegação do país no primeiro Congresso Internacional da Mulher, realizado na capital do México. Para Bertha Lutz, foi o seu último ato público em defesa da causa feminina e da equidade de gênero. Ela morreu no Rio de Janeiro, em 1976.

É como se ela estivesse passando o bastão para uma nova geração, pois o ano de 1975 foi também o início de uma nova onda do femininismo brasileiro. Além das conquistas nas áreas de educação, saúde, mercado de trabalho, já citadas, as mulheres passaram a lutar pelos direitos reprodutivos (com a implantação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM – de 1983) e por maiores espaços na vida democrática brasileira da Nova República.

No ano 2000 as mulheres conseguiram paridade nas listas eleitorais. Nos dez anos seguintes se tornaram maioria de eleitorado e serão, em outubro de 2010, cerca de 5 milhões de eleitoras sobre os eleitores brasileiros. Porém, mesmo com todo o avanço conseguido desde o início da luta de Bertha Lutz, as mulheres possuem pouco presença nos espaços de decisão do poder no âmbito público e privado.

Tendo como inspiração o movimento sufragista, a primeira experiência de políticas de cotas para aumentar a presença da mulher brasileira na política aconteceu logo após a IV Conferência Mundial de Mulheres, ocorrida em Beijing, em 1995. As Leis 9.100, de 1995 e 9.504, de 1997, estabeleceram regras para os partidos colocarem um percentual mínimo de candidaturas de cada sexo. A Lei mandou reservar 30%, no mínimo das vagas. Mas os partidos e o TSE, absurdamente, entenderam que a reserva não implicava preencher o espaço reservado.

Buscando o aperfeiçoamento da política de cotas, o movimento feminista e as forças sociais que defendem uma maior equidade de gênero na sociedade se mobilizaram para promover alterações na legislação eleitoral aplicável ao pleito de 2010 no Brasil. Depois de ampla negociação e da participação decisiva da atual bancada de deputadas federais, da Comissão Tripartite instituída pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), de acadêmicos e da sociedade civil foi aprovada uma nova redação na Lei 12.034, de 29 de setembro de 2009, que regula as eleições de 2010, e ficou assim redigida:

“Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

A alteração parece pequena, mas a mudança do verbo “reservar” para “preencher” significa uma mudança substancial na política de cotas.Com a nova redação, os partidos ficariam obrigados – no ato de registro da lista de candidaturas no TSE – a apresentar no mínimo 30% de candidaturas de cada sexo.

O resultado já pode ser percebido. O número de candidatas a deputadas federais passou de 490 mulheres (representando 11,41% do total), em 2002, para 737 candidatas (12,71%), em 2006 e chegou a 1253 candidatas (representando 21,45% do total), em 2010. Para deputadas estaduais, o número passou de 1767 (14,76%), em 2002, para 1995 (14,09%), em 2006, e chegou a 3225 (21,87%), em 2010. Portanto, houve um aumento considerável do número e do percentual de mulheres candidatas aos cargos proporcionais.

Tudo indica que as eleições de 2010 devem bater um recorde no número de mulheres eleitas para deputadas federais e estaduais. Contudo, este recorde poderia ser ainda maior se os 30% de piso mínimo de candidaturas para cada sexo fosse respeitado. Infelizmente, autoridades do TSE estão dizendo que a cota não foi cumprida porque não podem obrigar as mulheres a serem candidatas. Acontece que, neste ano de 2010, o país tem 2,5 mulheres para cada vaga da Câmara e quase 3 mulheres para cada vaga das Assembléias Legislativas (e distrital).

Portanto, não falta mulher candidata. Para que a disputa fique equilibrada e os eleitores tenham maior IGUALDADE DE OPORTUNIDADE DE ESCOLHA (de GÊNERO) a solução, então, é restringir o número de homens, pois, o que não é possível e nem justo é o TSE ignorar a mudança da LEI e fazer uma interpretação que favorece ao tradicionalismo machista na política. Os partidos podem mudar suas listas até o dia 04 de agosto de 2010. O que se espera é que os 30% sejam respeitados e sejam apenas o primeiro passo rumo à Paridade, isto é, participação meio a meio para cada sexo nas Instituiçõe representativas da democracia brasileira.

Desta forma, pode-se dizer que o século XX foi o período de conquista do direito de voto e de alistamento eleitoral. Porém, o século XXI apresenta um desafio maior, que é a ocupação dos espaços de poder e o aumento da capacidade de decisão das mulheres. Bertha Lutz, lançou uma semente que germinou e cresceu no século passado irrigada pelo DIREITO DE VOTO. Mas os frutos desta semente serão colhidos no corrente século, quando as mulheres brasileiras conseguirem o DIREITO DE DECIDIR!

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; expressa seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

EcoDebate, 02/08/2010

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