Macroalgas merecem mais pesquisa e podem movimentar indústria lucrativa no país
Algas industriais – Elas são usadas para branquear papel, na composição do envoltório de cápsulas de medicamentos, na fabricação de tintas e de cosméticos e como aditivos na indústria alimentícia, além de alimentos. São ainda fontes de inúmeras substâncias bioativas com aplicações na medicina.
Por essas razões, as algas marinhas mereceriam receber mais atenção no Brasil tanto de cientistas como de investidores. Essa é a opinião de especialistas em macroalgas marinhas que apresentaram o panorama da pesquisa científica nacional sobre esses vegetais durante a 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em Natal.
Yocie Yoneshigue Valentim, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), abriu a mesa-redonda com a história do consumo de algas marinhas no mundo e o papel ecológico dessas plantas na ciclagem de nutrientes no mar, na alimentação da fauna aquática, na proteção contra a erosão do substrato marinho e no fornecimento de abrigo para crustáceos.
“Com mais de 8 mil quilômetros de extensão litorânea, o Brasil guarda no mar um rico patrimônio”, disse Yocie, ressaltando que há muito o que descobrir a respeito das propriedades farmacológicas das macroalgas marinhas.
“As drogas vegetais terrestres são bem conhecidas e em qualquer bairro encontramos uma farmácia verde, com remédios feitos de plantas. Por outro lado, o nosso conhecimento em relação às propriedades medicinais dos vegetais marinhos é incipiente. Como comparação, o Japão movimenta US$ 1 bilhão por ano com o comércio de algas marinhas e seus subprodutos”, disse.
Pioneiro no uso de algas marinhas na alimentação, o Japão é o maior produtor e consumidor mundial da planta, que possui espécies mais ricas em vitaminas C e B do que frutas como a laranja, por exemplo.
“Isso explica por que os japoneses não costumam ter muitos casos de gota, uma doença relacionada à nutrição, por exemplo”, afirmou Yocie. A pesquisadora também salientou o papel importante que as macroalgas desempenham para a biotecnologia por sua capacidade de encapsular células animais e vegetais.
Farmácia marinha
O segundo maior produtor mundial de algas marinhas é o Chile, o que permite traçar uma perspectiva de produção brasileira de algas em escala comercial.
Para tal produção, é importante a fertilização em laboratório, de modo que se preserve o meio ambiente. Essa preocupação foi colocada por outra participante da mesa-redonda, Nair Sumie Yokoya, do Instituto de Botânica de São Paulo, que apresentou parte de seu trabalho de pesquisa.
O trabalho é realizado no âmbito do Projeto Temático “Estudos de bioprospecção de macroalgas marinhas, uso da biomassa algal como fonte de novos fármacos e bioativos economicamente viáveis e sua aplicação na remediação de áreas impactadas (biodiversidade marinha)”, coordenado pelo professor Pio Colepicolo Neto, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), e apoiado pela FAPESP – o projeto integra o Programa Biota-FAPESP.
Segundo Nair, no litoral brasileiro foram catalogadas 779 espécies de algas que habitam desde a região dos mangues até grandes profundidades. Para preservar esses ambientes ela defende a reprodução in vitro e o cultivo das algas comerciais de modo a evitar o extrativismo predatório, que poderia levar até a escassez de algumas espécies.
Já existem no país, segundo Nair, alguns cultivos experimentais cuja reprodução é feita por meio do método de biopropagação. Isso evita a retirada de mudas do ambiente natural.
Segundo Nair, o Brasil tem grande potencial biotecnológico em sua flora marinha, que pode fornecer substâncias com propriedades antitumorais, antibióticas, antiinflamatórias e antitrombóticas. Há também espécies que apresentam grande resistência aos raios ultravioleta, podendo ser utilizadas na prevenção ao câncer de pele.
Essas substâncias são fruto de várias interações a que essas plantas são submetidas no ambiente marinho. “Para desenvolver estratégias de defesa nesse ambiente complexo, as algas produzem um grande número de compostos químicos”, explicou.
“Mesmo com todo potencial, o Brasil utiliza pouco essas riquezas marinhas. Trata-se do terceiro recurso aquático mais usado no mundo, movimentando de US$ 5 bilhões a US$ 6 bilhões por ano, mas aqui o uso é incipiente”, disse Nair.
Anticoagulante
Hugo Rocha, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foi o terceiro participante da mesa-redonda e descreveu sua pesquisa sobre polissacarídeos sulfatados. Trata-se de moléculas encontradas somente nas algas e nos animais, mas as plantas aquáticas os produzem em quantidade e variedade muito maior, o que implica importante potencial farmacológico.
Rocha estudou as fucanas A e B, que são famílias de polissacarídeos sulfatados extraídos principalmente de algas marrons e que demonstraram ser um poderoso anticoagulante. “O principal anticoagulante comercializado hoje, a heparina, foi descoberto na década de 1930 e, desde então, não surgiu nada para substituí-lo”, disse.
Um dos grandes problemas causados pelos anticoagulantes está justamente na potência de seu efeito, impedindo a coagulação do sangue até mesmo em casos extremos, o que resulta em hemorragias.
Diferente da heparina, a fucana mostrou um risco bem menor de hemorragia, mostrando-se um substituto promissor do anticoagulante atual. “Além disso, a heparina é derivada de suínos e bovinos e a sua substituição pela alga representaria uma vantagem produtiva”, afirmou.
Reportagem de Fabio Reynol, na Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 30/07/2010
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