Petróleo nem sempre traz prosperidade
No Estado da Louisiana, assim como na Nigéria, na Venezuela e no Iraque, o setor petrolífero favorece a dependência, a corrupção e a indiferença aos danos ambientais
Em lugar de abençoar a Louisiana com a prosperidade, o setor petrolífero favoreceu a dependência, a corrupção e a indiferença pelos danos ambientais. As riquezas de petróleo e gás da Louisiana – assim como as do Delta do Níger, da Faixa do Orinoco na Venezuela e do Iraque – também frearam seu desenvolvimento, fazendo com que ela ficasse bem mais atrasada em comparação a países dotados de menos recursos naturais.
Segundo dados do Departamento do Censo e da Universidade Harvard, a Louisiana está em 49.º lugar entre os Estados em expectativa de vida, tem a 2.ª maior taxa de mortalidade infantil, é o 4.º em crimes violentos, o 46º em porcentagem de pessoas acima dos 25 anos com formação universitária, e está empatado em 2.º em termos da porcentagem de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. Reportagem de Steven Mufson, The Washington Post.
Evidentemente, não foi a riqueza do petróleo que criou estes problemas, mas o que mais surpreende é que não os tenha sanado. “Sempre fomos o Estado das plantações”, disse Oliver Houck, professor de direito do meio ambiente da Universidade Tulane. “O que petróleo e gás fizeram foi substituir a cultura das plantações agrícolas por uma cultura da produção de petróleo e gás.”
A produção de petróleo e gás da Louisiana atingiu seu pico na década de 70 e muitas companhias transferiram seus escritórios para Houston. Entretanto, as refinarias, as instalações para a importação de petróleo na costa e uma rede de milhares de quilômetros de dutos petrolíferos continuam tornando o setor uma poderosa força no Estado. O setor petrolífero está profundamente arraigado na infraestrutura mental e econômica da Louisiana, e continua sendo um dos seus principais empregadores. O recente desenvolvimento do gás de xisto, no norte, a região mais pobre do Estado, aumentará ainda mais a sua influência.
“Não existem maneiras de produzir a energia da qual hoje dependemos isentas de risco”, escreveu a senadora Mary Landrieu, democrata da Louisiana, em uma carta de junho em que pedia ao presidente Barack Obama que levantasse a moratória da perfuração em águas profundas. Ela afirmava que deixar ociosas plataformas de exploração em alto-mar equivalia “fechar 12 grandes montadoras de veículos, de uma vez”.
Moratória. Também o governador republicano Bobby Jindal e o senador David Vitter, republicano da Louisiana, pediram o fim da moratória. E Vitter advertiu que a interrupção da exploração “poderá acabar com milhares de empregos na Louisiana”.
Este argumento goza de um raro consenso em ambos os partidos, em um momento de profundas divisões. Uma pesquisa realizada pela Resmussen Report, no mês passado, mostrou que 79% dos eleitores do Estado acham que as perfurações em alto-mar deveriam continuar, muito acima dos 60% dos que afirmam o mesmo em todo o país.
Como nos países estrangeiros produtores de petróleo, os bilhões do petróleo provocaram discussões quanto à receita fiscal e aos royalties.
Quando Harry Truman era presidente, os que controlavam o poder político na Louisiana rejeitaram um acordo de divisão da receita do petróleo de alto-mar extraído em águas federais; depois de uma prolongada batalha judicial, o Estado acabou sem nada.
Portanto, a Louisiana acreditava conseguir finalmente o que lhe era devido quando obteve um acordo semelhante ao que o Estado rejeitara meio século atrás. Em 2006, em negociações a respeito da exploração em um novo setor das águas federais do Golfo, Landrieu conseguiu que o governo federal repassasse 37,5% dos royalties aos Estados do Golfo para a preservação e manutenção dos hábitats costeiros.
Dessa vez, foram os parlamentares de outros Estados que ficaram revoltados pelo fato de o governo abrir mão de bilhões de dólares de futuras receitas. A questão das receitas era uma repetição, de uma maneira mais civilizada, das disputas ocorridas entre os Estados do Delta do Níger e o governo central da Nigéria, ou entre curdos, xiitas e sunitas sobre a divisão das receitas petrolíferas no Iraque.
Embora o setor petrolífero tenha uma influência enorme na economia da Louisiana, o dinheiro que ele representa andou se reduzindo nos últimos anos, e o Estado luta para cobrir o déficit resultante. A Louisiana Mid-Continent Oil and Gas Association afirma que o setor representa 13% da receita estadual, em comparação com 40% quando a produção de petróleo e gás era maior. E, ao contrário de nações ricas em petróleo como a Noruega, que reservou cerca de US$ 437 bilhões das vendas de petróleo em fundos de pensão e em fundos de riqueza soberana, a Louisiana não dispõe de uma reserva para investimentos em épocas de dificuldades financeiras.
Por outro lado, os próprios moradores do Estado não cuidaram de diversificar sua economia. Nesta parte do país não há um Vale do Silício, ou um corredor de tecnologia como o da Virginia. Na década de 90, quando a Louisiana se deu conta de que precisava de novas fontes de receitas fiscais para compensar o declínio das receitas do petróleo, a melhor ideia foi a expansão dos cassinos de apostas no litoral.
A riqueza econômica do setor petrolífero permitiu-lhe conquistar o establishment político do Estado, que o apoiou e por sua vez recebeu seu apoio.
O ex-senador John Breaux, democrata da Louisiana, diz que o relacionamento não é diferente do que se estabeleceu entre os políticos do Michigan e as grandes fabricantes de veículos ou os políticos da Califórnia e os setores do entretenimento ou de alta tecnologia. “Nós os apoiamos e eles nos apoiaram”, afirmou.
Depois que deixou o cargo, em 2005, Breaux montou uma empresa de lobby com o republicano Trent Lott. Em 2009, a companhia recebeu US$ 530 mil da Chevron, US$ 330 mil da Royal Dutch Shell e US$ 600 mil da Plains Exploration and Production, uma petrolífera independente.
Como as holdings de energia são uma presença muito comum nas carteiras de investimentos dos mais importantes cidadãos da Louisiana, até mesmo membros do Judiciário, talvez seja difícil encontrar um juiz imparcial para ouvir um caso referente ao petróleo.
Imparcialidade. Em outubro do ano passado, os autores de uma ação inusitada sobre aquecimento global não conseguiram juízes de apelação suficientemente imparciais para ouvir sua ação, na qual alegam que, ao emitir os gases que produzem o efeito estufa as indústrias de energia e químicas aumentaram a “ferocidade” do furacão Katrina, causando danos ainda maiores às propriedades dos reclamantes.
Oito dos 16 juízes do Tribunal de Recursos dos EUA da 5.a Circunscrição Judiciária de New Orleans recusaram por causa do conflito de interesses. Além disso, as informações referentes à transparência mostram que quatro dos juízes que não se recusaram tinham investimentos em sociedades ou companhias do setor energético. Um juiz tinha ações em cinco companhias: BP, Chevron, ConocoPhillips, Devon Energy e Diamond Offshore Drilling.
Na década de 70, o ministro do petróleo da Venezuela previu que o petróleo, que ele chamou de “excremento do diabo”, levaria seu país à ruína. Mais de uma geração depois, a nação é governada por um líder volúvel que distribui gasolina barata na tentativa de eliminar uma persistente desigualdade social.
“Temos inúmeras características dos países petrolíferos embora usemos este termo para os outros”, disse o economista Jeffrey Sachs. Ele se refere à excessiva dependência dos EUA do petróleo e de uma política fiscal que mantém o petróleo relativamente barato. Além disso, acrescenta: “um setor petrolífero muito grande influi de uma maneira pouco natural na nossa política… O petróleo elege presidentes, determina nossa política externa, nossa política interna, nossa política de mudanças climáticas… Nos levou a adotar terríveis políticas energéticas e a uma paralisação da regulamentação. Consideramos o Delta do Níger como um exemplo do que um Estado petrolífero faz ao seu ambiente, mas é precisamente isto que estamos fazendo ao nosso próprio ambiente.” /
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
Reportagem do Washington Post, em O Estado de S.Paulo
EcoDebate, 26/07/2010
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