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Na contramão da redução de emissões a demanda mundial de carvão é cada vez maior

Infográfico do aumento do consumo de combustíveis fósseis, de 1990 a 2008. Fonte: Der Spiegel
Infográfico do aumento do consumo de combustíveis fósseis, de 1990 a 2008. Fonte: Der Spiegel

Infográfico do percentual de geração de energia a partir do carvão. Fonte: Der Spiegel
Infográfico do percentual de geração de energia a partir do carvão. Fonte: Der Spiegel

Usinas de energia a base de carvão são grandes geradoras de CO2, gás que contribui para o efeito estufa, mas não há alternativa para o combustível no futuro próximo. As companhias de energia esperam que a captura de carbono e as tecnologias de armazenamento sejam a resposta, mas muitos moradores locais não querem que o CO2 seja armazenado em seus quintais.

Quando Rolf Martin Schmitz, gerente da gigante energética alemã RWE, viajou para a ilha de Sylt no Mar do Norte no verão passado, viu imediatamente as placas. Ao longo das estradas do estado de Schleswig-Holstein no norte da Alemanha, foi recebido com imagens de crânios. Os moradores colocaram placas para protestar contra os armazéns subterrâneos de dióxido de carbono que poderão ser construídos na região. Reportagem de Frank Dohmen, Alexander Jung e Wieland Wagner, em Der Spiegel.


Os cidadãos temem o perigo de vazamento do gás, que pode ser prejudicial em altas concentrações, e outros riscos à saúde. Schmitz, por outro lado, está preocupado com o futuro de sua companhia.

Schmitz é chefe de operações da RWE na Alemanha, a segunda maior produtora de eletricidade do país, cuja principal fonte de energia é o carvão. Queimar o material gera quantidades imensas de CO2, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa. As companhias de energia estão trabalhando a toda velocidade para desenvolver tecnologias de captura e armazenamento de carbono, que envolvem capturar o CO2 e armazená-lo sob o solo. Schmitz acredita que a tecnologia oferece uma forma de resolver os problemas de emissão causados pelas usinas de energia elétrica que usam o carvão.

Resistência ferrenha

Para Schmitz, é incompreensível que os locais de armazenamento de gás que foram planejados estejam enfrentando tanta resistência, principalmente porque já existiam estruturas de armazenamento de gás natural sob o solo no norte da Alemanha há décadas, que nunca foram vistas como um perigo. “De repente isso virou uma obra do demônio”, disse ele surpreso.

Na última quarta-feira, Schmitz se sentiu um pouco aliviado. Foi quando o ministro da Economia alemão Rainer Brüderle, membro do partido FDP que é a favor das empresas, e o ministro do Meio Ambiente Norbert Röttgen, que pertence ao conservador CDU, lançaram, num raro momento de harmonia, uma lei para regulamentar a construção de depósitod de CO2. De acordo com a nova legislação, os armazéns poderão testar a nova tecnologia, pelo menos em algumas instalações-piloto. Röttgen avaliou a medida como “uma contribuição importante para a proteção ao clima”, enquanto Brüderle jurou que a tecnologia “não poderia ser mais segura”.

As companhias de energia também veem o sinal verde de Berlim para a tecnologia como um sinal de que a eletricidade gerada por carvão tem um futuro na Alemanha novamente. Quase metade de toda eletricidade gerada na Alemanha vem do carvão, e a porcentagem é ainda maior em outros países. Na China, por exemplo, é de mais de 80%, e a demanda lá só deve crescer.

Demanda crescente

O carvão está passando por uma retomada fenomenal em toda parte. A demanda cresceu consideravelmente, transformando o carvão na segunda maior fonte de energia em todo o mundo, depois do petróleo. Bilhões de pessoas dependem do carvão para o fornecimento de energia.

Especialistas da Agência Internacional de Energia (IEA) em Paris estimam que a demanda pelo carvão aumentará nas próximas duas década muito mais do que por qualquer outra fonte de energia, exceto a eólica e solar, e passará dos níveis atuais de cerca de 6,7 bilhões de toneladas por ano para quase 10 bilhões de toneladas em 2030. A China e a Índia são as principais responsáveis pelo aumento da demanda de carvão, e os dois países já respondem por mais da metade da demanda global. De acordo com o IEA, eles terão mais do que duplicado seu consumo de carvão até 2030. Na China, quase toda semana uma nova usina elétrica a base de carvão é colocada para funcionar.

O carvão move máquinas, ilumina apartamentos e casas, aquece fornos e movimenta trens de alta velocidade. A matéria-prima que tornou a industrialização possível no século 19 continua sendo um elemento essencial da vida moderna no século 21.

Políticos de todo o mundo, especialmente da Alemanha, podem se entusiasmar o quanto quiserem com os possíveis benefícios das fontes renováveis de energia, mas quando o governo da Alemanha divulgar sua nova estratégia energética nos próximos meses, ele também incluirá o carvão como parte da mistura energética. A verdade suja é que o futuro do fornecimento de energia do mundo é negro. Dadas as alternativas, o que mais pode ser?

Abundante e barato

Muitas pessoas acham a energia nuclear muito perigosa. A produção de petróleo bruto está ficando cada vez mais difícil e cara. O gás natural gera uma dependência de fornecedores temperamentais. E as energias solar, eólica e hidrelétrica não estão suficientemente desenvolvidas ainda para cobrir uma grande fatia do fornecimento de energia. Então resta o carvão, consagrado pelo uso.

Nenhum outro combustível fóssil está disponível em tamanha quantidade; as atuais reservas de carvão durarão por gerações. Nenhum combustível fóssil é tão barato. Custa apenas cerca de 5 centavos de euro (cerca de US$ 0,06 ou R$ 0,11) para gerar um quilowatt-hora de eletricidade a partir do carvão, comparado com cerca de 40 centavos (R$ 0,90) a partir da energia solar. E nenhum combustível fóssil tem uma distribuição tão ampla. Todos os continentes têm reservas adequadas e, diferentemente do petróleo, a maior parte dessas reservas são encontradas em regiões relativamente estáveis em termos geopolíticos, como a América do Norte, Europa e Austrália.

Mas nenhuma outra matéria-prima é tão devastadora para o meio ambiente quando usada. O carvão é o pior vilão do clima na história da humanidade.

O carvão tem um alto custo ambiental. Quase um quilo de dióxido de carbono é emitido para gerar um quilowatt-hora de eletricidade a partir do carvão negro, e as emissões do linhito são ainda mais altas. Em comparação, uma indústria de energia de gás moderna emite cerca de 350 gramas de CO2 por quilowatt-hora gerado, enquanto a energia nuclear é responsável por cerca de apenas 30 gramas.

Em outras palavras, não é a geologia que define os limites do crescimento. Em vez disso, as preocupações ambientais levantam dúvidas quanto à viabilidade futura do combustível. “O carvão é o problema ambiental do século 21”, diz Ottmar Edenhofer, economista-chefe do Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático. A menos, é claro, que possamos encontrar uma forma de usar essa fonte energética sem destruir o ambiente. Será que o carvão limpo é algo concebível?

Intervenções brutais na natureza

A ideia do carvão limpo parece absurda para qualquer um que já tenha espiado a cratera da mina aberta de linhito de Garzweiler. A mina, que é localizada perto da cidade de Colônia no Estado alemão de North Rhine-Westphalia, tem cinco quilômetros de diâmetro e mais de 200 metros de profundidade. Ela foi escavada pelas maiores escavadeiras do mundo, e a cada dia elas retiram mais um pedaço dessa paisagem lunar. Há poucos lugares na Terra em que o homem interveio de forma tão brutal na natureza.

A máquina mais velha em uso na mina, a escavadeira 258, é dos anos 50, um monstro arcaico que pesa quase 7 mil toneladas. As vigas de aço ainda são soldadas, e alguns dos controles ainda são feitos de bakelite, mas a máquina gigante é agora controlada por uma tecnologia de ponta. Usando um monitor, o piloto pode observar a lâmina circular que escava o carvão para fora da fenda na beira do poço, num movimento descendente constante. “Veja, tem um cano de água”, diz ele, apontando para um ponto vermelho piscando que se aproxima da escavadeira. Ele move o controle e a lâmina, que tem um diâmetro de cerca de 18 metros, desviando-a por um fio do cano de concreto.

Disponível em abundância

A cada segundo, a escavadeira 258 retira mais de uma tonelada de linhito do chão. O linhito, também conhecido como carvão marrom, é um material úmido e sedimentar, criado a milhões de anos a partir dos restos de plantas nos quais a energia resultante da fotossíntese foi armazenada. Hoje os seres humanos utilizam esta antiga energia solar. Embora o valor energético do linhito seja apenas moderado, porque mais da metade do material é composto por água, está disponível em abundância na área de mineração de carvão entre as cidades alemãs de Aachen e Colônia, no oeste do país.

Esteiras de vários quilômetros de extensão transportam o carvão para vagões de trem ou diretamente para uma das usinas de energia nas vizinhanças. Lá, ele é secado e moído até atingir a consistência de café em pó, e depois colocado numa câmara de combustão e aquecido a mais de 1.100 graus Celsius.

A alta temperatura faz com que a água evapore, e a fumaça resultante flui a alta pressão contra as lâminas de uma turbina, colocando-a em movimento com exatas 3 mil revoluções por minuto. Um gerador transforma a força rotacional em energia elétrica, e finalmente a eletricidade é enviada para a rede.

A RWE controla todo o processo, desde as grandes escavadeiras em Garzweiler até as linhas de alta-tensão. E o executivo Rolf Martin Schmitz da RWE supervisiona tudo isso.

“Uma fonte de energia com futuro”

Schmitz cresceu com o linhito. Original de Mönchengladbach, uma cidade na região industrial de Ruhr na Alemanha, ele estudou engenharia em Aachen e começou uma carreira ilustre, com passagens pela Steag, Veba, Thüga e E.on antes de começar a trabalhar para a RWE.

“O carvão é uma fonte de energia que tem futuro”, disse Schmitz certa vez, e ele ainda acha isso hoje. “Nós precisamos de cada vez mais eletricidade no mundo”, diz ele.

A RWE supre quase um terço da demanda total de eletricidade da Alemanha. A maior parte de sua eletricidade vem de 100 milhões de toneladas de linhito que são extraídas e queimadas por ano. A companhia sediada em Essen está até mesmo investindo na expansão de algumas de suas instalações de produção. Em outras palavras, também no futuro, o linhito continuará a garantir o lugar da RWE como a maior produtora de eletricidade da Alemanha.

Isso também faz com que a gigante da energia seja a maior poluidora do ar da Europa. Nenhuma outra companhia emite tanto CO2 quanto ela. E em nenhum outro lugar o gás é lançado na atmosfera de uma forma tão concentrada quanto nos arredores da mina de Garzweiler.

Três usinas de eletricidade – Niederaussem, Neurath e Frimmersdorf – estão localizadas a um raio de apenas 3.300 metros. O vapor de água das torres de resfriamento costuma escurecer o céu, e um filme de poeira de cor ocre cobre a paisagem. E além disso, há o dióxido de carbono. Juntas, as três usinas emitem cerca de 65 milhões de toneladas de CO2 por ano, o mesmo que cerca de 25 milhões de carros. Muitos moradores da área estão cansados da poeira, dos céus escurecidos e das emissões de gases.

Eles estão lutando contra a exploração exagerada no solo e a poluição do ar. Depois de 50 anos de mineração do linhito, eles dizem, já basta. A região que eles chamam de lar está sendo literalmente queimada. Um movimento de oposição está começando a se formar, e não só na região de Ruhr.

Apagão energético iminente

Em muitos lugares, as companhias de energia querem modernizar as antigas usinas de linhito ou construir novas usinas de energia de carvão negro. Os oponentes desses planos protestam em todos os lugares, e foram surpreendentemente bem sucedidos. As usinas já abandonaram ou postergaram uma dúzia de projetos, às vezes por causa de questões ligadas à lucratividade, mas com frequência por causa das objeções dos moradores locais.

O setor já alerta para um potencial apagão no fornecimento de energia se mais projetos forem desativados. A Agência de Energia alemã estima que em 2020 o país terá um déficit de cerca de 13 mil megawatts na capacidade de geração de energia, que corresponde a cerca de 10 grandes usinas de energia a base de carvão. “As coisas estão ficando apertadas”, diz Schmitz, que alerta que está ficando cada vez mais difícil garantir o suprimento elétrico do país.

Os críticos do carvão respondem que esta suposta falha no fornecimento de energia é uma invenção do setor energético. O movimento contra o carvão é liderado pela chamada Aliança Climática, um grupo de cerca de 100 organizações, incluindo a BUND (o braço alemão da Amigos da Terra) até a grande organização beneficente cristã Brot für die Welt. A Aliança Climática tem dois membros que não fazem nada além de fornecer assistência às iniciativas de cidadãos locais que estão tentando impedir os projetos de energia. Toda vez que há uma audiência sobre a construção de uma usina de energia em algum lugar na Alemanha, um membro da Aliança Climática está presente, como numa audiência recente na cidade de Brunsbüttel no norte, na foz do rio Elba.

Preocupações com a saúde

Há planos para construir o maior complexo de usinas de energia a partir de carvão negro em Brunbüttel, a pouca distância da antiga usina nuclear. Südweststrom (SWS), uma aliança de mais de 50 usinas municipais, planeja construir as duas primeiras unidades. Bettina Morlok, presidente da SWS, chegou à audiência com uma grande comitiva.

A audiência foi realizada para abordar o tema das possíveis concentrações de poluentes no ar. Morlok trouxe consigo um especialista em medicina ambiental de Giessen na Alemanha central para testemunhar. O professor garantiu ao público que tudo ficará bem, e que nada de fato mudará para os moradores locais. Muitos membros da audiência balançaram a cabeça em descrença.

“Parece que vai sair chantili das chaminés da usina”, disse um cidadão ironicamente. Um fazendeiro de maçãs expressou suas preocupações de que a poeira fina chova sobre suas frutas no futuro. Uma mãe explicou que sua filha sofreu com infecções respiratórias. “O que vai acontecer com ela quando tivermos as usinas de carvão?”

Os moradores locais estão irritados. Alguns já tiveram experiências em protestos contra o setor energético, como os dirigidos contra as usinas nucleares em Brunsbüttel e na vizinha Brokdorf há três décadas. Na época, as audiências foram acompanhadas por policiais com cães, diz Karsten Hinrichsen, meteorologista aposentado de Brokdorf. O movimento de resistência, diz ele, era mais radical, mais apaixonado e mais esquerdista. “Hoje nós temos uma abordagem mais prática e burguesa”, diz o ativista veterano. Talvez seja assim porque hoje o movimento anti-carvão passe por todas as classes sociais, de médicos a fazendeiros, ministros de igreja a cientistas.

Mais cooperativo

Mas seus adversários também se comportam de um jeito diferente hoje em dia. Eles são mais espertos, mais abertos e mais cooperativos. “Levamos isso muito a sério”, diz a presidente da SWS Morlok. Afinal, a aliança da SWS com as instalações municipais também incluem Tübingen, uma cidade com um prefeito do Partido Verde.

Morlok ouve com atenção quando um morador local, que sofre de asma, fala sobre seus temores. “Posso entender muito bem as preocupações das pessoas”, insiste Morlok. Naturalmente isso não a impedirá de construir a usina no mesmo minuto em que as autoridades concederem as autorizações necessárias.

Brunsbüttel é visto como um lugar ideal para a usina de energia a base de carvão. Graças ao rio Elba, as usinas não precisarão ter sua própria torre de resfriamento, porque o fluxo simplesmente carrega a água quente para o mar. E mesmo os maiores navios de carvão do exterior podem descarregar ali o que corresponderia a quatro ou cinco milhões de toneladas por ano.

Diferentemente do linhito, o carvão negro doméstico representa apenas um papel secundário para as usinas alemãs hoje. Elas estão comprando cada vez mais material fora do país, principalmente na Rússia, mas também da Colômbia, que já é a quarta maior exportadora de carvão, e da Austrália.

As companhias de mineração como a BHP Billiton, Rio Tinto, Xstrata e a Peabody Energy estão competindo por licenças para extrair carvão nas melhores áreas de produção. Elas estão espalhadas em torno do mundo inteiro, por exemplo, no Vale Hunter na Austrália, na bacia do Rio Powder no Estado norte-americano do Wyoming, e na costa leste de Kalimantan, um das duas principais ilhas da Indonésia. Em lugares como estes, o carvão está facilmente acessível, a mineração é barata e os custos de mão de obra costumam ser baixos.

Entretanto, apenas uma em cada sete toneladas de carvão vai para o comércio global. Os maiores países produtores de carvão precisam eles próprios da maior parte do combustível. Na China, principalmente, a indústria do carvão está em alta.

A dura realidade da mineração do carvão

Na província de Shanxi no norte da China, um trem de carvão após o outro atravessa a paisagem sedimentar, a caminho do porto de Qinhuangdao na costa leste do país. Uma fileira aparentemente interminável de caminhões, com as caçambas cobertas de forma inadequada com lona, trafegam pela estrada ao longo da linha de trem. Os motoristas se arriscam com seus caminhões super carregados, o que é comprovado por um ou outro caminhão tombado próximo das curvas da estrada.

A região de Shanxi é uma das jazidas de carvão mais importante do país. Durante o dia ela lembra um bar cheio de fumaça. Cerca de 1.500 minas funcionam lá, com milhares de mineiros que trabalham em turnos, exceto quando um incêndio interrompe a produção.

Em dezembro, 12 mineiros foram mortos numa mina próxima à cidade de Jeixiu. As autoridades a fecharam desde então. Liang, 57, um dos sobreviventes, especula que grandes quantidades de poeira de carvão no subsolo detonaram a explosão.

Liang trabalha na mina, a cerca de 800 metros de profundidade, desde os 22 anos. Os túneis são tão baixos, diz ele, que os trabalhadores só conseguem se movimentar agachados ou engatinhando. Eles retiram o carvão das fendas com martelos e pás, e às vezes até mesmo com as próprias mãos. Eles ganham o equivalente a US$ 169 por mês por esse trabalho que arruína com a coluna.

Bilhões em danos

Quando completou 55 anos, numa idade em que os mineradores já não são mais considerados ágeis e flexíveis, seu patrão o colocou numa tarefa diferente. Depois disso, o trabalho de Liang consistia em arrastar vigas de aço e de madeira, que são usadas para reforçar os túneis subterrâneos. “Este trabalho”, diz ele com um suspiro, “é até mais difícil.”

Os acidentes são comuns nas minas chinesas. Cerca de 3.215 trabalhadores morreram em acidentes só em 2008. Raramente as tentativas de resgate são tão bem sucedidas quanto uma operação espetacular no começo de abril, quando as equipes de resgate conseguiram retirar 115 mineiros com vida da mina de Wangjialing depois de terem ficado presos ali por oito dias. Mas não é apenas na China que a mineração do carvão é um trabalho sujo e perigoso, como descreveu o Greenpeace num relatório de 2008 intitulado “O Verdadeiro Custo do Carvão”.

No Estado norte-americano de Kentucky, por exemplo, as companhias mineradoras explodem o topo inteiro de montanhas para chegar com mais facilidade ao carvão. Na África do Sul, a água ácida dos poços de minas abandonadas está contaminando rios. E no Camboja, as mineradoras estão desalojando famílias para expandir a mina de Cerrejón, a maior mina aberta de carvão negro. A mina de Cerrejón é uma fonte importante de carvão para os fornecedores de energia da Alemanha, e a SWS também está pensando em importar de lá o carvão duro para Brunsbüttel.

De acordo com os cálculos do Greenpeace, o negócio de carvão provoca cerca de 360 bilhões de euros em danos a cada ano. Os ambientalistas alertam que se a humanidade continuar nesse caminho, as emissões de CO2 a partir do carvão irão aumentar mais 60% até 2030. Dadas as consequências, será que o mundo pode continuar se dando ao luxo de depender da energia do carvão?

O futuro do carvão

Parte da resposta pode ser encontrada emSpremberg no sul de Brandenburgo. No ano passado, a produtora de energia Vattenfall operou uma pequena usina piloto em sua estação de energia Schwarze Pumpe em Spremberg que separa o CO2 do carvão e depois o captura. “A tecnologia está funcionando”, diz Tuomo Hatakka, chefe da Vattenfall Europe. Em alguns dias, a companhia sueca pretende construir uma usina de energia de demonstração e testá-la para ver como ela funciona em grande escala. “Há um futuro para o carvão”, diz Hatakka. “Carvão sem emissões de CO2.”

Outra parte da resposta está na cidade de Ketzin no noroeste de Brandemburgo. Lá, cientistas do Geo Research Center de Potsdam estão comprimindo o CO2 em camadas porosas no subsolo. Até agora, eles injetaram 36 mil toneladas a uma profundidade de 650 metros. Os resultados até agora são promissores, diz o coordenador Hilke Würdemann. “As condições são exatamente as que esperávamos.”

O setor energético está depositando suas esperanças numa combinação dos projetos de Spremberg e Ketzin. A esperança é que a tecnologia CCS possa até mesmo se transformar numa fonte significativa das exportações, à medida que abre novas áreas de negócios para companhias alemãs como a Linde, Siemens e BASF. Os Estados Unidos e a China querem experimentar as primeiras usinas de energia a base de carvão de nova geração nos próximos anos.

Está claro que o custo disso será enorme. Adaptar as usinas, transportar o CO2 através de canos e comprimi-lo no subsolo – tudo isso aumenta muito os custos, o que afetará o preço da energia proporcionalmente. Os especialistas estimam que levará pelo menos dez anos para que a nova tecnologia seja usada em larga escala em todo o mundo.

Muito em jogo

Muita coisa está em jogo para as instalações alemãs. Suas usinas são velhas e precisam de reformas urgentes. As companhias precisam tomar decisões que serão válidas por pelo menos 40 anos, a duração de uma geração de usinas de energia. O problema é que ninguém sabe se o uso da tecnologia CCS vale a pena. Tudo depende do que acontecer com os preços dos direitos de emissões de CO2 de 2013 em diante, quando as usinas deverão adquirir certificados em leilões.

Se os preços continuarem baixos, será mais barato comprar direitos de emissões do que investir na CCS. Especialistas acreditam que o marco ficará em 50 euros por tonelada de CO2, em comparação com o preço atual de cerca de 15 euros por tonelada. Mas se os preços dos certificados aumentarem consideravelmente, como observam alguns especialistas, o uso da tecnologia valerá a pena – o que seria desastroso se das companhias elétricas não tomarem nenhuma atitude hoje.

Também há outros problemas a serem resolvidos. Quando a CCS é usada, as usinas de energia perdem cerca de 10% de sua eficiência, porque a captura do dióxido de carbono consome uma imensa quantidade de energia. Em outras palavras, mais carvão precisa ser queimado para produzir a mesma quantidade de eletricidade, o que essencialmente significa que a matéria-prima está sendo desperdiçada.

Mas não importa o quão sofisticada a tecnologia, o maior obstáculo continua quase impossível de ser superado: a falta de aceitação dos cidadãos que moram perto dos locais planejados para armazenar o CO2. Representantes das comunidades locais no leste de Brandemburgo expressaram suas reservas quando visitaram a usina piloto de Ketzin na última quarta-feira. Não se pode permitir que o lugar se transforme numa nova Asse, alertaram, referindo-se ao controverso repositório permanente de lixo nuclear no Estado da Baixa Saxônia.

Uma aposta enorme

Mas nem todos têm essas preocupações. Até o movimento ambientalista está dividido em relação à questão da CCS. O Greenpeace e a BUND rejeitam firmemente o processo. O Greenpeace argumenta que a tecnologia constitui “uma aposta enorme”, enquanto a BUND a descreve como nada além de uma forma de as companhias mascararem suas emissões. A União pela Conservação da Natureza e da Biodiversidade da Alemanha (NABU) e a organização conservacionista WWF, por outro lado, acreditam que vale a pena pelo menos tentar. Seu argumento pragmático é de que seria tolice descartar essa opção desde já. Mas será que o mundo tem uma escolha?

Não importa o que aconteça, Lord Nicholas Stern não vê alternativa à tecnologia de carvão limpo no futuro próximo. O economista, que causou polêmica há quatro anos com seu relatório sobre os custos da mudança climática, previu um cenário sobre a mistura de diferentes fontes de energia no futuro. De acordo com ele, o carvão tem um papel fundamental na mistura ainda por muitos anos – porque não há outra escolha.

Mesmo que as previsões mais otimistas se tornem realidade e o mundo possa satisfazer metade de sua demanda de energia a partir de fontes renováveis, enormes quantidades de combustíveis fósseis ainda serão necessárias, explica Stern. Ele acredita que o setor, se pretender atingir as metas climáticas mundiais, precisa fazer tudo o que for possível para reduzir as emissões de CO2 – e que o uso da tecnologia CCS será uma parte inevitável da equação. “Precisamos de milhares de usinas”, disse Stern recentemente numa conferência em Berlim.

Em outras palavras, a era do carvão está longe do fim. Até que a água, o vento e o sol possam fornecer energia suficiente, o carvão “limpo” poderia pelo menos desempenhar um papel na transição para as tecnologias renováveis. É claro, Stern não tem ilusões em relação ao tempo que levará para que um futuro de baixo carbono possa chegar. “Será uma transição longa”, diz ele.

Tradução: Eloise De Vylder

Reportagem [The World’s Ever-Increasing Hunger for Coal] do Der Spiegel, no UOL Notícias.

EcoDebate, 26/07/2010

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