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A bolha midiática e social. Análise de Umair Haque

A “inflação de relacionamentos” é quando “você tem muito mais relacionamentos – mas, na realidade, poucos, se é que há, são realmente valiosos. Assim como a inflação da moeda deprecia o dinheiro, a inflação social degrada os relacionamentos.”

A análise é de Umair Haque, diretor do Havas Media Lab e fundador da Bubblegeneration, uma agência de consultoria para estratégia e inovação. O artigo foi publicado em seu blog na página da revista Harvard Business Review, 23-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.


Eu gostaria de propor uma hipótese: apesar de toda a empolgação em torno das mídias sociais, a Internet não está nos conectando tanto quanto nós pensamos que ela esteja. Ela é, em grande parte, o lar para conexões fracas e artificiais, o que eu chamo de relacionamentos tênues [thin relationships].

Durante a bolha do subprime, os bancos e os corretores venderam uma dívida ruim atrás da outra – dívidas que não poderiam ser transformadas em boas. Hoje, as mídias “sociais” estão fazendo trocas em conexões de baixa qualidade – ligações que provavelmente não vão produzir relacionamentos significativos e duradouros.

Chamemos isso de inflação de relacionamentos. Nominalmente, você tem muito mais relacionamentos – mas, na realidade, poucos – se é que existem – são realmente valiosos. Assim como a inflação da moeda deprecia o dinheiro, a inflação social degrada os relacionamentos. A própria palavra “relacionamento” está sendo banalizada. Ela costumava designar alguém com quem você podia contar. Hoje, ela significa alguém com quem você pode trocar bits.

Os relacionamentos tênues são a ilusão dos relacionamentos reais. Os relacionamentos reais são padrões de investimento mútuo. Eu invisto em você, você investe em mim. Pais, filhos, esposos – todos são investimentos de múltiplos dígitos, de tempo, de dinheiro, de conhecimento e de atenção. Os “relacionamentos” no centro da bolha social não são reais, porque eles não estão marcados pelo investimento mútuo. No máximo, estão marcados por um pequeno pedaço de informação ou de atenção aqui ou ali.

Aqui está o que dá apoio à minha hipótese.

Confiança. Se tomarmos a mídia social em seu valor nominal, o número de amigos no mundo cresceu em 100%. Mas temos visto um aumento conjunto de confiança? Eu diria que não. Agora, talvez, levará tempo para que os ganhos sejam visivelmente percebidos. Mas as redes sociais já existem há meia década, e a sociedade parece ter melhorado em pouca coisa.

Perda de poder. Se as ferramentas sociais criam ganhos econômicos reais, nós esperamos ver um efeito de substituição. Elas substituem – desintermediam – os “gatekeepers” de ontem. No entanto, cada vez mais, elas estão dando poder aos “gatekeepers”. Suas redes sociais favoritas não estão desintermediando agências de relações públicas, recrutadores e outros tipos de corretores. Elas estão criando legiões de novos. A própria Internet não está tirando o poder do governo dando voz aos tradicionais sem voz. Ela está dando poder aos Estados autoritários para limitar e enquadrar a liberdade pela redução radical dos custos de vigilância e coação. Assim como os relacionamentos diretos e imediados.

Ódio. Existe uma velha metáfora: a Internet funciona no amor. Da mesma forma, porém, ela está cheia de ódio: reações impulsivas e irracionais contra a pessoa, o lugar ou a coisa mais próxima que seja só um pouco diferente. Você leu as seções de comentários online de qualquer jornal ultimamente? Normalmente, eles são poças gigantes de bílis e veneno. Veja estes e-mails a Floyd Norris. Longe de alimentar uma conversa significativa, a “web social” de hoje é um mundo cheio de equivalentes linguísticos aos tiroteios motorizados.

Exclusão. O ódio acontece, pelo menos em parte, por causa da homofilia: pássaros do mesmo bando voam juntos. O resultado é que as pessoas se auto-organizam em grupos de gostos iguais. Mas raramente as brechas entre as diferenças são superáveis. No entanto, é aí que as relações mais valiosas começam. Ser “amigo” de 1.000 pessoas que também são obcecadas por modelos de óculos da década de 60 não é amizade – é apenas um único e solitário interesse compartilhado.

Valor. A prova final está nos fatos. Se os “relacionamentos” criados na Internet de hoje fossem importantes, talvez as pessoas (ou os anunciantes) pagariam pela oportunidade de participar neles. No entanto, poucos, se é que há, fazem isso – em qualquer lugar, desde sempre. Pelo contrário, pelo fato desses “relacionamentos” não serem valiosos, as empresas – diz-se – são forçadas a testá-los e a rentabilizá-los de forma extractiva e eticamente questionável. Isso porque não há nenhum “lá” lá. Eu posso trocar bits com pseudoestranhos em um número qualquer de sites. “Amigos” como esses são uma mercadoria [commodity] – e não um bem valioso e único.

Quais são os preços a serem pagos pela inflação de relacionamentos? Três tipos de câncer que corroem a vitalidade da web de hoje. Em primeiro lugar, a atenção não é alocada de forma eficiente, as pessoas descobrem menos o que elas valorizam do que aquilo que todo mundo gosta. Segundo, as pessoas investem em conteúdo de baixa qualidade. O Farmville [aplicativo que simula uma fazenda online, em que o fazendeiro é o usuário do Facebook] não é exatamente [o filme] “Casablanca”. O terceiro ponto e mais prejudicial é o enfraquecimento contínuo da Internet como força do bem. Não apenas o Farmville não é “Casablanca”, mas ele também não é o Kiva [rede online de microcréditos]. Um dos exemplos seminais da promessa das mídias sociais, o Kiva distribui microcréditos de forma mais significativa. Em contraste, o Farmville é em grande parte socialmente inútil. Ele não favorece as crianças de forma tangível. Ele apenas favorece os anunciantes.

Vamos resumir. Do lado da demanda, a inflação de relacionamentos cria efeitos de concursos de beleza, nos quais, assim como cada juiz vota na concorrente que eles pensam que os outros irão gostar mais, as pessoas transmitem o que elas pensam que os outros querem. Do lado da oferta, a inflação de relacionamentos cria efeitos de concursos de popularidade, nos quais as pessoas (e os artistas) lutam para chamar a atenção de forma imediata e visceral – em vez de fazer coisas impressionantes.

O social não tem a ver com concursos de beleza e concursos de popularidade. Eles são uma distorção, uma caricatura da coisa real. O social tem a ver com confiança, conexão e comunidade. Isso é o que menos há na paisagem midiática de hoje, apesar de todo o frisson ao redor das mídias sociais. A promessa da Internet não era meramente inflacionar os relacionamentos, sem acrescentar profundidade, ressonância e significado. Era de fundamentalmente religar as pessoas, comunidades, sociedade civil, empresas e Estado – através de relacionamentos mais espessos, mais fortes e mais significativos. É aí onde se encontra o futuro da mídia.

Agora, isso é apenas uma hipótese. Sinta-se livre para discordar de mim, me desafiar – ou para ampliá-la e elaborá-la. Da próxima vez, vou discutir o que podemos fazer com relação a isso.

(Ecodebate, 26/07/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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