Saúde alerta para os efeitos dos agrotóxicos no Brasil, o maior consumidor do mundo
Defensivo agrícola, pesticida, praguicida, veneno, são muitas as formas de se referir ao produto. A Norma Regulamentadora Rural nº 5, que acompanha a Lei nº 7.802/89, define os agrotóxicos como “substâncias, ou mistura de substâncias, de natureza química, quando destinadas a prevenir, destruir ou repelir, direta ou indiretamente, qualquer forma de agente patogênico ou de vida animal ou vegetal que seja nociva às plantas e animais úteis, seus produtos e subprodutos e ao homem”.
Os mais usados são inseticidas (que controlam insetos), fungicidas (fungos), herbicidas (plantas invasoras), desfoliantes (folhas indesejadas), fumigantes (bactérias do solo), raticidas (roedores), moluscocidas (moluscos), nematicidas (nematoideos) e acaricidas (ácaros). No país, as plantações de soja, milho e algodão estão entre as que mais recebem essas substâncias. Em geral, calcula-se que cada hectare de lavoura consome quatro quilos de princípio ativo de agrotóxico por ano. |
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Somente no ano passado, foram vendidas 725,6 mil toneladas dessas substâncias no país, movimentando US$ 6,62 bilhões, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag). Em 1987, o consumo não ultrapassava as 100 mil toneladas, como mostrava reportagem da revista Tema (edição 9) que era editada pelo RADIS. Considerado o motor do agronegócio brasileiro, o agrotóxico impacta os ecossistemas e a saúde da população, concordam pesquisadores da Saúde — que se envolvem cada vez mais com esta e outras questões do meio ambiente.
O relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde já previa a interseção: “A saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde”. Noção que foi contemplada na Constituição Federal de 1988.
A medida mais recente no processo de fortalecimento dessa relação foi a assinatura de termo de cooperação técnico-científico entre Fiocruz e Ministério do Meio Ambiente, no fim de março. “Entre outros pontos, o acordo estabelece como prioridade defesa da política de reavaliação dos princípios ativos de agrotóxicos no país”, informa Valcler Rangel Fernandes, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz. “A questão entrou definitivamente na agenda da Saúde Pública brasileira”, diz.
Anteriormente, outros passos foram dados nessa direção. No começo de 2010, a Fiocruz foi designada Centro Colaborador em Saúde e Ambiente da Organização Mundial da Saúde. Em dezembro de 2009, realizou-se a 1ª Conferência Nacional de Saúde Ambiental (Radis 91), organizada em conjunto pelos ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e das Cidades. Os delegados aprovaram propostas que tratam dos agrotóxicos: implementar a produção e o consumo agroecológico, eliminando o uso de agrotóxicos; atuar sobre os riscos relacionados aos processos de trabalho, tal como a exposição a essas substâncias; exigir receituário específico para minimizar e controlar sua aquisição e sua aplicação.
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O Ministério da Saúde ainda criou, em 2007, o Grupo de Trabalho para a Implantação do Plano Integrado de Ações de Vigilância em Saúde Relacionada a Riscos e Agravos Provocados por Agrotóxicos. Na prática, a aproximação dos setores teve início na Eco-92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. “Quanto ao agrotóxico, há cerca de cinco anos, o setor percebeu que é um dos principais problemas de saúde pública da atualidade”, estima o biólogo Frederico Peres, pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e um dos integrantes do grupo de trabalho.
Prejuízos para a saúde
Os agrotóxicos foram desenvolvidos para dificultar ou exterminar formas de vida; justamente por essa característica, são capazes de afetar a saúde humana. “O desenvolvimento de moléculas cada vez mais poderosas em seus efeitos biocidas não poupa as estruturas biológicas de seres que não são seus alvos”, diz Lia Giraldo, especialista em saúde ambiental, pesquisadora do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM/Fiocruz).
Lia defende a recuperação do conceito de veneno para essas substâncias. “Existe um verdadeiro sistema de ocultamento do risco, via permissividade de venda e de uso”. Para ela, o modelo produtivo da agricultura estabeleceu um clima favorável ao uso indiscriminado de agrotóxico. “Por trás do recorde no consumo, está uma política governamental que incentiva as monoculturas exportadoras por meio de linhas de crédito e outros benefícios”, acrescenta Frederico Peres.
Co-organizador do livro É veneno ou é remédio? (Editora Fiocruz), sobre o tema, Frederico explica que os efeitos dos agrotóxicos podem ser agudos ou crônicos. Os agudos são mais frequentes em trabalhadores rurais, com sintomas que aparecem até 24 horas depois da exposição: espasmo muscular, convulsão, náusea, desmaio, vômito, dificuldade respiratória. Os crônicos decorrem da exposição prolongada a baixas doses das substâncias, inclusive via alimentação, podendo surgir anos após o contato.
O inseticida Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT), por exemplo, foi proibido a partir da década de 1970 em todo o mundo: descobriu-se que interferia na cadeia alimentar animal, contribuía para o desenvolvimento de câncer em seres humanos e se espalhava facilmente pelo ar. Muitas outras substâncias foram e são apontadas por cientistas como cancerígenas, como os fenoxiacéticos (encontrados em herbicidas) e os ditiocarbamatos (que tem ação fungicida).
Recentemente, a Academia Americana de Pediatria relacionou o consumo de alimentos com resíduos de agrotóxicos organofosforados (presentes em inseticidas) a transtorno do déficit de atenção e hiperatividade em crianças. A Associação Nacional de Defesa Vegetal, que representa a indústria dos agrotóxicos no Brasil, alega que o resultado não é conclusivo e que “toda substância química, sintetizada em laboratório ou mesmo aquelas encontradas na natureza, pode ser considerada um agente tóxico”. O risco de efeitos indesejados, diz a organização em seu site, depende das condições de exposição, que incluem ingestão, contato, tempo e frequência.
No Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox/Fiocruz) e no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), foram registrados 19.235 casos de intoxicação por agrotóxico, em 2007, no território nacional. Para cada notificação, a Organização Mundial da Saúde calcula que ocorram 50 outros casos. “Esses dados são apenas a ponta do iceberg, já que representam em sua maioria os casos agudos graves, que também são subnotificados”, comenta Valcler. Os efeitos crônicos relacionados aos agrotóxicos quase nunca são contabilizados pelos sistemas de informações oficiais.
Trabalhadores vulneráveis
Os habitantes de áreas rurais, especialmente os trabalhadores da agricultura familiar, são os mais vulneráveis. O que aumenta o perigo não é o nível de toxicidade das substâncias, ressalva Frederico, mas a proximidade do contato. As grandes lavouras são altamente mecanizadas, com pulverização feita por tratores ou aviões; nas pequenas, é comum que o próprio agricultor dilua, manipule e aplique o agrotóxico, acompanhado dos filhos ou da mulher.
“Precisamos de uma rede ampla e concatenada para enfrentar as pressões do mercado”Luiz Claudio Meirelles/Anvisa |
O último Censo Agropecuário, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006, informa que a agricultura familiar respondia por 84,4% das propriedades rurais do Brasil — ocupava 24,3% da área destinada a agropecuária e era responsável por 38% do total da produção. Somente 1,8% de todos os produtores brasileiros adotavam a agricultura orgânica — livre de produtos químicos.
Em 70% das que recorriam a agrotóxicos, estes eram aplicados por pulverizador costal, equipamento que mais expõe o trabalhador — trata-se de pequeno tanque que, preso às costas, lança o veneno. Em visitas a lavouras, Frederico observa que são pouco comuns as medidas de proteção — uso de equipamentos de segurança, aplicação da dosagem correta, consumo de produtos autorizados, obediência às regras de armazenagem e descarte de embalagens. O Censo confirma: em mais de 21% das propriedades não se empregava qualquer equipamento de proteção individual. Nas demais, foram declarados principalmente o uso de bota (67,9%) e chapéu (53%).
Quando o assunto é descarte de embalagens, dados do IBGE também mostram que muitos agricultores ainda não seguem a norma. Em 2000, entrou em vigor a Lei nº 9.974, determinando que os usuários do produto devem devolver as embalagens vazias aos estabelecimentos comerciais em que as adquiriram no prazo máximo de um ano. As empresas que fabricam ou vendem agrotóxicos, por sua vez, ficaram incumbidas da destinação das embalagens — reutilização, reciclagem ou incineração. Para isso, criaram o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV).
Seis anos depois, 38,6% das propriedades devolviam as embalagens vazias aos comerciantes, 25,7% as queimavam ou enterravam, 13,3% as depositavam em áreas para serem retiradas, 10,3% recebiam órgão público para a retirada ou as entregavam a centrais de coleta, e 9% as abandonavam no campo.
A baixa adesão às medidas de proteção, aponta Frederico, é consequência de seu desconhecimento. “As intoxicações poderiam ser reduzidas com o uso correto, mas identificamos que essas informações nem chegam aos agricultores”. Os órgãos públicos responsáveis pela assistência ao agricultor, como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), recebem cada vez menos recursos, segundo Frederico. O pesquisador detectou que as recomendações são feitas, quase sempre, pelos vendedores desses produtos. “Há lugares que técnicos da Emater visitam anualmente, enquanto comerciantes visitam semanalmente”, diz.
A observação de Frederico é respaldada pelo Censo, segundo o qual 56,3% das lavouras que utilizavam agrotóxicos não recebiam orientação técnica. Em apenas 21,1% ocorriam visitas regulares de técnicos. Outra questão apontada pelo relatório é que 77,6% dos responsáveis pela direção declararam ter ensino fundamental incompleto ou nível mais baixo de instrução. “Como as orientações que acompanham estes produtos são de difícil entendimento, o baixo nível de escolaridade, incluindo os 15,7% que não sabem ler e escrever, está entre os fatores socioeconômicos que potencializam o risco de intoxicação”, conclui o documento.
Para alertar os agricultores, o Cesteh produz materiais educativos sobre agrotóxicos. Um exemplo é a revista em quadrinhos Descobrindo a agricultura com o jovem Neno, que mostra um menino aprendendo a ajudar o pai agricultor na lavoura. Outro é a fotonovela Menina veneno, que conta a história de uma jovem agricultora que abusa dos agrotóxicos e acaba intoxicada.
Além dos efeitos agudos, os trabalhadores podem apresentar efeitos crônicos, apresentando sintomas anos depois do início do contato. “Mesmo produtos menos tóxicos causam efeitos crônicos”, afirma. Nesses casos, é comum que profissionais de saúde não relacionem o sintoma à exposição ao agrotóxico, o que aponta para a necessidade de treinamento, de acordo com Frederico. As pessoas que moram no entorno das plantações também correm risco.
Perigo à mesa
O perigo chega à mesa do consumidor por meio de alimentos com resíduos das substâncias. Desde 2001, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária monitora essa contaminação no Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para). Amostras in natura de 20 culturas (alface, arroz, batata, cebola, feijão, laranja, pimentão e tomate, entre outras) são colhidas mensalmente em pontos de venda de todo o Brasil e encaminhadas a laboratórios.
O relatório do Para de 2009, divulgado no fim de junho, indicou que das 3.130 amostras analisadas, 907 (29%) eram insatisfatórias: em 2,8% havia agrotóxicos em níveis acima do limite máximo de resíduos, 23,8% tinham agrotóxicos não autorizados para a cultura e 2,4% apresentavam as duas irregularidades. As culturas com mais amostras insatisfatórias foram as de pimentão (80%), pepino (54,8%) e uva (56,4%). Além disso, 3,9% das amostras continham ingredientes ativos banidos do Brasil, ou que nunca foram registrados, e 25,1%, substâncias que se encontram em processo de reavaliação toxicológica. Foram investigados até 234 ingredientes ativos de agrotóxicos
Os resultados, publicados no site da Anvisa (www.anvisa.gov.br), são preocupantes, considera o gerente-geral de Toxicologia da agência, Luiz Claudio Meirelles. “O alimento com resíduo de agrotóxico não é visível como mofo em pão”, compara, observando que o Para é importante por apontar um risco que o consumidor não enxerga.
Apesar de não serem identificáveis pelo consumidor, nem causarem sintomas agudos, vegetais contaminados podem gerar efeitos crônicos — consequência de anos de contato com as substâncias. Os dados do Para servem para orientar as ações governamentais — do Ministério da Agricultura à Polícia Federal — e alertar os consumidores.
Lavar os alimentos não é suficiente para livrá-los dos agrotóxicos, explica Frederico Peres. Cozinhar ou descascar esses produtos diminui em até 70% os resíduos, mas não os elimina. A população e os institutos de defesa do consumidor, opina Luiz Claudio, estão atentos à questão. O setor varejista começa a tomar medidas que devem resultar na oferta de produtos de qualidade. “Ainda não chegamos ao ponto em que o produto rotulado no mercado será o com agrotóxico, e não o orgânico, como vemos hoje”, diz.
Prejuízos para o ambiente
O uso indiscriminado de agrotóxicos também impacta o ecossistema. Ao entrarem em contato com o ambiente, as substâncias podem ser degradadas ou se movimentarem, dependendo de fatores como característica do solo, condições climáticas e formas de aplicação. “Quando o produto não se degrada, pode contaminar solo, ar e água, colocando em risco a saúde da população, que ignora o risco, dada a baixa concentração das substâncias”, explica a pesquisadora Maria de Lourdes Fernandes Neto, que tratou do tema em sua tese de doutorado em Saúde Pública e Meio Ambiente, na Ensp.
Ainda preocupam os acidentes, especialmente os decorrentes da pulverização aérea de agrotóxicos. Um exemplo vem do município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso: em 2006, ventos carregaram para a área urbana pesticida despejado por um avião monomotor — num movimento chamado de deriva. Nos dias seguintes, hortas e árvores da cidade apareceram com as folhas queimadas, que logo caíram.
De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, são pouco comuns as práticas alternativas aos agrotóxicos, como controle biológico (que consiste no emprego de organismos como os parasitas para atacarem outros que causam danos às lavouras, técnica encontrada em 1,3% das propriedades), queima de resíduos agrícolas e de restos de cultura (0,9%) e uso de repelentes, caldas, iscas e demais métodos (7,8%).
Controle e fiscalização
“Ficou para a saúde a responsabilidade de controlar os agrotóxicos”, comenta Luiz Claudio. A Anvisa é protagonista nessa tarefa: cabe a ela, além da análise de resíduos nos alimentos, a avaliação toxicológica das substâncias, a fiscalização da produção, a coordenação da Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica e a proposição de regulamentos.
As substâncias importadas, exportadas, produzidas, transportadas, armazenadas, comercializadas e usadas no país precisam ser registradas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, num processo que tem a participação das pastas do Meio Ambiente e da Saúde, esta representada pela Anvisa, por meio de sua Gerência Geral de Toxicologia.
Uma equipe de 35 profissionais especializados em toxicologia atesta a segurança à saúde humana baseada em estudos científicos produzidos pelo detentor da molécula e em referências bibliográficas internacionais. “Trabalhamos para que cheguem à mão do trabalhador rural e à mesa do consumidor alimentos seguros”, explica Luiz Claudio.
Qualquer um dos três órgãos pode impedir o registro de determinada substância, caso ofereça risco à saúde, ao ambiente ou à agricultura. Essa decisão compartilhada, diz, é um avanço em relação ao sistema regulatório de outros países, em que geralmente cabe apenas a um ministério essa avaliação.
Há 451 ingredientes ativos e 1.400 produtos formulados com uso autorizado no Brasil. Quanto à saúde, predominam substâncias medianamente tóxicas (33%), seguidas das altamente tóxicas (25%), das pouco tóxicas (24%) e das extremamente tóxicas (18%). Em relação ao ambiente, 38% são consideradas muito perigosas, enquanto as perigosas somam 25%, as pouco perigosas, 8%, as altamente perigosas, 7% — 22% não têm classificação de periculosidade ambiental porque foram registradas antes de 1990.
Assim como acontece com a regulação da propaganda de medicamentos e com o exame de pedidos de patentes farmacêuticas, a atuação da agência no controle de agrotóxicos é contestada. A indústria dos defensivos agrícolas questiona, especialmente, o processo de reavaliação toxicológica. Por lei, a Anvisa pode determinar um novo exame sempre que julgar necessário — em geral, depois da publicação de estudo internacional condenando a molécula ou da proposição de banimento em outro país.
“A indústria tenta impedir na Justiça o nosso trabalho, mas as decisões têm sido favoráveis à Anvisa”, conta Luiz Claudio. Em 2008, os técnicos da agência ficaram meses impedidos de reavaliar substâncias por liminar concedida aos produtores de agrotóxico, depois que a agência retomou o exame de 14 ingredientes — processo que tem a participação da Fiocruz, por meio do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães.
Essa pressão, diz ele, é decorrente de interesses econômicos: empresas que tiveram seus produtos banidos no exterior lutam para continuar vendendo-os no Brasil. Série histórica mostra tendência de crescimento vertiginoso no consumo nacional de substância proibida internacionalmente. “Viramos o destino final de produtos banidos em outros países”, diz Luiz Claudio, que aponta como consequência o aumento de danos ao trabalhador rural, ao ambiente e à população em geral.
Desde 2001, ano em que começou a atuar nessa área, a agência já proibiu cinco ingredientes ativos (monocrotofós, heptacloro, lindane, pentaclorofenol e benomil), presentes em mais de 80 agrotóxicos, e restringiu o uso de outros 27. “Entre os três órgãos incumbidos da regulação, a Anvisa é o único contraponto na questão do agrotóxico”, opina Frederico, referindo-se aos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, além do da Saúde.
A partir do ano passado, a agência passou a fiscalizar a produção de agrotóxicos. Desde então, interditou cerca de 10 milhões de litros somente em seis fábricas, incluindo três das maiores empresas do setor no mundo (Syngenta, Bayer e Basf). Técnicos detectaram alterações na fórmula autorizada, produtos com nível tóxico acima do limite, matéria-prima com validade vencida e até substâncias proibidas. Mais pressão: a bancada ruralista convocou debate no congresso para questionar a fiscalização do Ibama e da Anvisa.
Que modelo?
Os efeitos dos agrotóxicos colocam em questão o próprio agronegócio. “Essas substâncias são fundamentais para a produção em larga escala e de alta competitividade”, afirma Frederico. Lia ressalva que nem sempre foi assim: “Até meados da década de 1970, a produção agrícola no Brasil não era químico-dependente”.
O ano de 1976 marcou o início do processo de expansão dessas substâncias no país, segundo a pesquisadora. “Em pleno processo desenvolvimentista e de ditadura, o governo aprovou o Plano Nacional de Defensivos Agrícolas, que condicionava o crédito rural ao uso obrigatório de agrotóxicos pelos agricultores”. De lá para cá, ela avalia, o país não parou de ampliar o mercado dessas substâncias até ser o maior consumidor do mundo. “O Mato Grosso, por exemplo, vive uma farra química”, critica.
Os pesquisadores ouvidos pela Radis consideram que orientar a produção pelo modelo agroecológico— que vai além da supressão do uso de fertilizantes minerais e de agrotóxicos, e defende a rotação de culturas, a pequena propriedade e a agricultura familiar — é uma opção viável ao agronegócio. “Seria de fato muito apropriada para o Brasil, seus interesses do desenvolvimento humano e sua sustentabilidade”, opina Lia.
Frederico acredita que a agroecologia já funciona bem para a agricultura familiar — especialmente quando conta com incentivo governamental, como a compra da produção para ser usada na merenda escolar. Lia afirma que este modelo já conta com tecnologia para a produção de alimentos em larga escala: “Não é um discurso vazio, só que precisa de incentivos como os oferecidos ao agronegócio”.
A Saúde presente
Para a Saúde, o desafio é fortalecer a presença do setor na área, de acordo com Luiz Claudio. “Precisamos de uma rede ampla e concatenada para enfrentar as pressões do mercado”, observa. Lia concorda: “A Saúde deveria ocupar seu lugar de vanguarda na condução da política para um desenvolvimento humano sustentável, o que no caso dos agrotóxicos significaria uma ação mais pró-ativa em defesa da qualidade da vida”, diz.
A pesquisadora indica ser necessário ampliar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, de saúde do trabalhador e ambiental e de segurança alimentar — sempre em articulação com outros setores, como Trabalho, Agricultura, Meio ambiente e Educação. “Também devemos reconhecer os grupos vulneráveis e articular a vigilância com os serviços de atenção à saúde nos três níveis de complexidade”, acrescenta.
Para Lia, é importante que se supere o estudo e a intervenção baseados no modelo linear de causa-efeito, passando a observar contextos sociais e ambientais de vulnerabilidade. Um exemplo: a precarização das relações de trabalho no campo, em que agricultores atuam sem carteira de trabalho e sem direito a previdência social. “A Saúde tem um enorme campo de atuação para promover, proteger e cuidar da saúde da população”, resume o grande desafio.
Reportagem de Bruno Dominguez, na revista Radis nº 95</strong> – Julho de 2009, publicada pelo EcoDebate, 20/07/2010
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