Obesidade infantil no Brasil, artigo de Antonio Silvio Hendges
[EcoDebate] 1 – CONDICIONANDO HÁBITOS E COMPORTAMENTOS ALIMENTARES
A obesidade é uma característica que aumenta em praticamente todas as classes sociais, principalmente nas cidades ocidentais industrializadas, em que os hábitos alimentares e modos de vida estimulam o consumo de alimentos e bebidas calóricas e com pouca qualidade nutricional. As crianças são as mais expostas a este modelo em que não consumir é estar marginalizado, onde agentes de produção e estímulos condicionam os comportamentos, inclusive alimentares.
No Brasil, a obesidade está em crescimento, principalmente com a transição da população rural para urbana e a padronização de hábitos que estimulam o consumo de frituras, gorduras saturadas, farináceos, açúcar refinado, bebidas e alimentos industrializados. Estudos da Drª. Isabella Vasconcelos de Oliveira, da Universidade de Brasília, com base nos dados da Pesquisa do Orçamento Familiar do IBGE de 2002 e 2003 indicam que entre 1974 e 2003 a obesidade cresceu 255% no país. O mesmo estudo mostra que entre a população adulta atual, 0,64% são obesos. Embora seja um índice bem inferior aos EUA (4,9), alerta para a necessidade de campanhas educativas dos hábitos alimentares e melhoria da qualidade de vida, principalmente das crianças brasileiras.
2 – OBESIDADE E SOBREPESO – FATORES GENÉTICOS E AMBIENTAIS
A obesidade é o excesso de gordura relacionado à massa do corpo e o sobrepeso é a desproporção entre o peso e a altura. Geralmente estas duas condições se apresentam associadas de modo multifatorial em suas origens e consequências:
Os fatores genéticos têm ação permissiva para que os fatores ambientais possam atuar, como se criassem “ambiente interno” favorável à produção do ganho excessivo de peso (sobrepeso e obesidade), e são alguns os estudos que apontam para o papel de fatores biológicos no seu desenvolvimento. As preferências alimentares das crianças, assim como atividades físicas, são práticas influenciadas diretamente pelos hábitos dos pais, que persistem frequentemente na vida adulta, o que reforça a hipótese de que fatores ambientais são decisivos na manutenção ou não do peso saudável. Portanto, a informação genética em uma causa suficiente para determinar sobrepeso e obesidade, mas, não sempre necessária, sendo possível reduzir-se a sua influência, através de modificações ni micro e macro ambiente em que vivem as pessoas (OLIVEIRA et al, 2003, p. 145).
Portanto, existe obesidade de características genéticas ou patológicas, fatores que são decisivos na minoria das incidências (aproximadamente 1% dos casos), mas a maioria dos problemas é causada por fatores ambientais e hábitos alimentares – excessivo consumo de hambúrgueres, pizzas, salgadinhos, bolachas recheadas, cachorro quente, sorvetes, chocolates, refrigerantes e muitos outros alimentos e bebidas industrializadas com muitas calorias e poucos nutrientes. A falta de exercícios físicos e as muitas horas de entretenimentos eletrônicos contribuem sinergicamente aos (maus e excessivos) hábitos alimentares no desenvolvimento da obesidade e do sobrepeso em crianças e adolescentes.
3 – OBESIDADE E SAÚDE PÚBLICA
A obesidade e o sobrepeso devem ser considerados problemas de saúde pública quando contribuem para a diminuição da qualidade de vida individual ou coletiva, sejam estas situações causadas por patologias físicas, distúrbios psicológicos, tendências genéticas ou maus hábitos pessoais e sociais. Existem várias doenças associadas à obesidade, algumas de tratamentos caros e contínuos como hipertensão, diabetes, desgastes articulares, problemas renais, infartos e baixa imunidade. Estudos indicam maior incidência de distúrbios psicológicos em pessoas obesas, principalmente ansiedade, depressão e problemas comportamentais de auto aceitação e nos relacionamentos sociais. Em 2006 foram realizadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) 2517 cirurgias de redução de estômago, com um custo unitário de R$ 3.178,38 cada intervenção. As cirurgias são utilizadas em casos extremos como última possibilidade de manter uma qualidade de vida aceitável ao paciente.
Nas crianças e adolescentes a obesidade/sobrepeso deve ser prevenida, possibilitando o desenvolvimento de adultos saudáveis e produtivos. Nos casos em que fatores genéticos e patológicos são predominantes, os tratamentos necessários devem ser garantidos pelos órgãos públicos responsáveis pela saúde pública e a assistência social (SUS, Secretarias estaduais e municipais de saúde e assistência social, hospitais públicos e filantrópicos). “Penso que de nada adianta, através de um monitoramento da saúde da população, apenas se chegar à conclusão de que a obesidade infantil irá se tornar um grave problema de saúde pública num futuro não muito distante” (RAMOS, 2005).
4 – EDUCAÇÃO E PREVENÇÃO
Atitudes educativas e preventivas dos hábitos alimentares e de saúde são os principais instrumentos na prevenção da obesidade infantil, mas não podem ser programas esporádicos, circunstanciais. É preciso considerar que muitas famílias e grupos sociais não possuem (ou não tem condições econômicas e sociais) bons hábitos alimentares e de cuidados com a saúde, sendo indispensáveis informações ao conjunto da sociedade, de modo constante e utilizando-se os órgãos públicos e os veículos de comunicação como ferramentas permanentes de esclarecimentos e mobilização popular.
As campanhas educativas devem ser acompanhadas de atitudes práticas que alterem as relações culturais e de consumo estabelecidas nos hábitos alimentares. As escolas públicas ou privadas devem ser responsáveis por ofertar aos seus alunos produtos de qualidade, evitando-se que nestes estabelecimentos sejam comercializados alimentos e bebidas com valores nutritivos baixos ou excessivamente industrializados. Estabelecimentos como bares, lancherias, restaurantes e supermercados precisam ser monitorados para disponibilizarem aos consumidores informações nutricionais sobre os produtos que comercializam, direitos dos consumidores e alternativas disponíveis.
Programas de Segurança Alimentar desenvolvidos pelos órgãos públicos federais, estaduais e municipais também podem contribuir para prevenir-se a obesidade e o sobrepeso, principalmente entre a população pobre, evitando-se a “desnutrição calórica” e as doenças associadas que acompanham a ingestão de alimentos pobres em nutrientes. A agricultura familiar pode ser utilizada para a produção de alimentos saudáveis, distribuídos regionalmente de acordo com as características e necessidades das populações alvo. O incentivo ao (re)aproveitamento integral dos alimentos através de treinamentos dirigidos à escolas, donas de casa, agentes comunitários e associações também devem fazer parte das ações educativas e assistenciais desenvolvidas.
A disponibilidade de áreas públicas para a prática de exercícios físicos (skate, ciclismo, futebol, vôlei, corridas, natação e outros esportes), evitando-se o sedentarismo como modo de vida de crianças, adolescentes e adultos é outro investimento público com retorno garantido. A publicidade de alimentos e bebidas industrializadas deve ser limitada, incentivando-se os programas públicos (e privados) de educação alimentar, saúde preventiva e nutrição adequada. O aleitamento materno, comprovadamente eficaz na prevenção da obesidade infantil, é uma alternativa barata e de fácil aceitação popular.
5 – TÁ NA MESA
Embora no Brasil a desnutrição infantil seja epidêmica, principalmente nas regiões mais pobres e nas periferias das (grandes e pequenas) cidades, nas regiões industrializadas como o sul e sudeste existe um aumento significativo da obesidade/sobrepeso de crianças e adolescentes da classe média e alta, onde a alimentação industrializada, os hábitos sedentários, os excessos calóricos e os entretenimentos eletrônicos são constantes, demonstrando que os hábitos de consumo e o modo de vida são fundamentais para que esta se estabeleça.
Entre a população mais pobre, a obesidade/sobrepeso se manifesta através de desequilíbrios alimentares causados pelo consumo de alimentos de baixa qualidade, excessivamente calóricos, sem variedade e critérios. A ingestão calórica excessiva está relacionada com as incertezas quanto à disponibilidade de alimentos (desnutrição calórica) e a falta de atividades físicas com a ausência ou pouca disponibilidade de espaços públicos adequados.
São necessárias atitudes coletivas para prevenir-se a obesidade e o sobrepeso infantil. Não bastam campanhas localizadas e somente informativas: são indispensáveis atitudes amplas e contínuas, programas de educação alimentar, saúde preventiva e nutrição adequada em escolas, centros sociais, sindicatos, igrejas, organizações comunitárias, hospitais e meios de comunicação, com incentivos estruturais dos poderes públicos e apoio da comunidade.
A defesa dos direitos dos consumidores e a fiscalização de estabelecimentos industriais, de armazenagem e comércio (atacado e varejo) de gêneros alimentícios, bem como da publicidade relacionada com alimentos e bebidas também são ações indispensáveis para que a população tenha acesso às informações nutricionais, estabelecendo uma consciência de que qualidade de vida é uma responsabilidade e um direito coletivo.
6 – REFERÊNCIAS
GALVÃO, Elis. Obesidade cresce no Brasil. Disponível em: www.abeso.org.br/reportagens. Acesso em: 14 abr. 2008.
OLIVEIRA, Ana Mayra de et al. Sobrepeso e Obesidade Infantil: Influência dos Fatores Biológicos e Ambientais em Feira de Santana, BA. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia Metabólica. V. 47, n.2, p. 144-150, abr. 2003.
RAMOS, Luís Marcelo Alves. Como anda a alimentação de nossas pequenas grandes consumidoras: as crianças? Disponível em: www.universia.com.br/matéria. Acesso em: 14 abr. 2008.
Colaboração de Antonio Silvio Hendges, Professor de Biologia, Agente Educacional no RS, para o EcoDebate, 16/07/2010
E-mail: as.hendges{at}gmail.com
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