Pesquisadores no Rio de Janeiro desenvolvem uma mistura de asfalto com o uso de bagaço da cana-de-açúcar
Infográfico no Correio Braziliense. Para acessar o infográfico no tamanho original clique aqui.
Econômico e sustentável – Os resíduos da produção de álcool são especialmente eficazes em pavimentos que exigem mais resistência
Com um olho no futuro e o outro no desenvolvimento sustentável, pesquisadores do Rio de Janeiro criaram uma mistura de asfalto que substitui a fibra de celulose pelo bagaço da cana-de-açúcar. O método, além de mais barato e mais simples, reutiliza as sobras do processo de fabricação do açúcar e do álcool.
O estudo, realizado por cientistas do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Fluminense (IFF), é parte da tese de doutorado do engenheiro civil Claudio Leal. Ele comprovou a eficácia do bagaço como aditivo estabilizador para o asfalto, evitando que o cimento escorra durante as etapas de mistura ou aplicação do pavimento. “As características do bagaço da cana e da fibra de celulose são praticamente as mesmas. O bagaço apresentou até mais reentrâncias que acomodam e seguram os agregados (brita) do asfalto”, observa Leal. Reportagem de Silvia Pacheco, no Correio Braziliense.
A aplicação desse aditivo é especialmente eficiente no asfalto de matriz pétrea (SMA, sigla em inglês), muito utilizado em rodovias com tráfego intenso, aeroportos, estacionamentos, áreas de carga e descarga e paradas de ônibus, entre outros pavimentos que requerem maior resistência. “O uso do bagaço de cana na mistura evita que toneladas desse resíduo sejam descartadas sem aproveitamento”, acrescenta o pesquisador.
Porém, o engenheiro destaca que a principal vantagem do bagaço da cana em relação à fibra de celulose é a economia, já que a fibra é um produto feito na Alemanha e importado pelo Brasil. Além disso, o processo de obtenção do bagaço como aditivo da mistura asfáltica é extremamente simples (veja infografia). “O bagaço precisa apenas ser seco e peneirado, enquanto a produção da fibra de celulose envolve a polpação da madeira — de onde é retirada —, um processo químico complexo e que gera alguns efluentes (produtos líquidos e gasosos produzidos pelas indústrias)”, compara o coordenador da pesquisa.
Benefício ambiental
Atualmente, são produzidas no Brasil cerca de 132 milhões de toneladas de bagaço de cana. Cada tonelada de cana moída gera cerca de 270kg do bagaço. Embora a maior parte seja queimada nas caldeiras das próprias usinas, para gerar energia térmica ou elétrica, cerca de 20% do resíduo não é aproveitado, sendo lançado no meio ambiente. “Considerando-se que a produção de uma tonelada de SMA absorve cerca de 3kg de aditivo, o gasto com a fibra de celulose é entre R$ 10 e R$12 por tonelada de asfalto. Sua substitutição, portanto, representaria uma redução de custo a quase zero”, demonstra Regina Aquino, professora do IFF e orientadora de Leal no estudo.
Para João Paulo Souza Silva, engenheiro civil e coordenador do Laboratório de Engenharia Rodoviária da Universidade de Brasília (UnB), pesquisas como a do IFF dão alternativas de uso sustentável e responsável dos rejeitos da produção industrial. “A pesquisa sobre a utilização de resíduos é imprescindível, pois há uma escassez de material de boa qualidade para nossa engenharia.” Silva ressalta que as técnicas de reutilização desses rejeitos devem ser práticas, simples e ter viabilidade. “Não adianta ter o resíduo e dar a ele um tratamento caro até chegar ao resultado final. Os métodos devem ser simples e ter uma destinação viável e responsável, que, de preferência, não gere novos resíduos”, opina o engenheiro da UnB.
O próximo passo do estudo do IFF é a construção de um trecho experimental na BR-356, entre Campos dos Goytacazes e São João da Barra, no norte do estado do Rio de Janeiro, usando a nova fórmula do SMA.
O uso do bagaço de cana na mistura evita que toneladas desse resíduo sejam descartadas sem aproveitamento” – Claudio Leal, engenheiro e coordenador do estudo
UnB pesquisa uso de fibras naturais
Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) entraram com um pedido de patente para o uso de fibras naturais na melhoria do solo para pavimentação. O método é mais uma alternativa para o uso de rejeitos produzidos em grande quantidade, mas que não têm destino. Segundo José Camapum, um dos engenheiros envolvidos no estudo, as fibras naturais podem ser fios de cabelo, pelos de animais e até penas de aves. “Essas fibras dão mais resistência à tração nos pavimentos e trazem economia para a produção do asfalto, no processo de pavimentação e na manutenção.”
As fibras funcionam como ligantes entre as britas e o restante do material, exatamente como o bagaço de cana citado no estudo do IFF. Elas estabilizam o asfalto e também o solo arenoso que recebe o pavimento. “A resistência é para que tanto o asfalto quanto o solo não trinquem por conta da tração”, explica Camapum.
Atualmente, são usadas as fibras sintéticas, algumas importadas, o que acaba sendo mais oneroso para a manutenção do pavimento, por exemplo. “A fibra sintética encarece o material de 30% a 40%. No nosso método, eliminamos dois problemas sem qualquer custo”, defende Camapum.
Segundo o engenheiro, a Região Amazônica seria uma das mais beneficiadas por esse tipo de pavimento misturado às fibras naturais. “A região tem um grande problema de construção rodoviária, por conta da falta de agregados (britas e pó de pedra). Por isso, somos obrigados a trabalhar com um material de qualidade muito ruim. Para melhorá-lo temos que estabilizá-lo quimicamente, com cimento ou cal, ou adicionar areia. Mesmo assim não fica lá muito bom. Enquanto isso, o uso das fibras naturais que propomos sana esse probelma”, explica.
Força natural
Segundo o engenheiro, o fio de cabelo tem um resistência semelhante à de alguns tipos de aço. Para obter a comprovação dessa força, os pesquisadores submeteram, em laboratório, o fio de cabelo a um esforço e depois calcularam sua tensão até sua ruptura. “Essa tensão deu próxima à do aço. Dependendo do aço, o fio pode ser melhor”, alega Camapum. O resultado confirma a excelência do uso do fio de cabelo na argamassa do pavimento, ou mesmo do solo. “A resistência que o cabelo tem faz com que o pavimento não escorra na sua aplicação e dure mais, diminuindo o tempo de manutenção. No solo, o uso do fio dá robustez à terra, evitando que ela se abra e que, assim, o asfalto ceda”, explica o engenheiro.
“Essas fibras dão mais resistência à tração nos pavimentos e trazem economia para a produção do asfalto, na pavimentação e na manutenção” – José Camapum, engenheiro
EcoDebate, 15/07/2010
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