Água de lastro: ameaça ao meio ambiente marinho de dimensões incertas, artigo de Maria Alice Doria e Patricia Guimarães
[EcoDebate] A problemática da água de lastro ganhou destaque no Brasil após se descobrir a conexão existente entre esta água utilizada para garantir a estabilidade de navios e plataformas e a introdução de uma espécie exótica de crustáceo no ecossistema marinho brasileiro, denominada mexilhão dourado.
O mexilhão dourado, crustáceo originário da China, foi trazido às águas da América do Sul através da água utilizada como lastro pelas embarcações em suas navegações de longo curso por volta do início da década de 90, e, portanto, não possuindo predadores naturais no ecossistema marinho brasileiro acabou se proliferando de forma alarmante e prejudicial. Até os dias atuais essa espécie exótica continua causando danos ao meio ambiente marinho brasileiro e prejuízos milionários ao setor hidrelétrico nacional, na medida que o mexilhão dourado acaba se fixando nos dutos, turbinas e demais equipamentos de usinas hidrelétricas, prejudicando, assim, a operação dos mesmos e demandando constante manutenção e limpeza.
Assim, considerando os prejuízos suportados pela introdução do mexilhão dourado no país, o crescimento do comércio internacional por meio do transporte marítimo globalizado, além do reaquecimento da indústria naval brasileira com a exploração offshore de óleo e gás, verifica-se uma crescente preocupação das autoridades brasileiras com a problemática da água de lastro.
Tal fato pode ser exemplificado através da recente publicação, ocorrida em março de 2010, do Decreto Legislativo nº 148/2010 aprovando o texto da Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e Sedimentos de Navios. A publicação deste decreto demonstra o reconhecimento do Poder Legislativo brasileiro com a contemporânea necessidade de se dar atenção ao tema, além de maior severidade no gerenciamento da água de lastro nos portos brasileiros por intermédio das Autoridades Marítimas locais.
Ademais da preocupação brasileira com os riscos ambientais provenientes da água de lastro das embarcações, o assunto possui grande repercussão também em âmbito internacional. A título exemplificativo, a Austrália vem sofrendo graves consequências com a invasão de uma espécie de microalga “Gymnodinium catenatum”, originada do Japão, que prejudica não só o meio ambiente, mas a pesca e a agricultura industrial.
Nesse panorama internacional, destaque-se que a Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e Sedimentos consiste em uma resposta aos danos biológicos e ambientais provocados pela inserção de organismos vivos não nativos, organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos em determinado bioma, prejudicando seu desenvolvimento saudável. Por meio da referida Convenção, os Estados Soberanos signatários (dentre os quais o Brasil) pretendem minimizar os prejuízos financeiros e ambientais decorrentes do deslocamento e transporte de organismos ao redor do mundo através da água utilizada como lastro pelos navios.
A mencionada Convenção ainda não está em vigor no âmbito internacional, vez que prevê, para tanto, que deverá possuir assinatura de pelo menos 30 Estados e totalizar no mínimo 35% da arqueação bruta da frota mercante mundial. Até o momento, no entanto, somente 22 países assinaram a Convenção, totalizando 22,65% da arqueação bruta da frota mercante mundial, número ainda insuficiente para a entrada em vigor da aludida convenção no plano internacional. Países economicamente fortes e de notória e significativa participação no comércio internacional, como EUA e China, ainda não ratificaram a Convenção.
Isso mostra que apesar dos prejuízos milionários advindos da poluição provocada pela água de lastro, a questão ainda não ganhou a notoriedade necessária. Entretanto, considerando-se as catástrofes naturais enfrentadas por diversos países, o aumento da consciência ecológica dos Estados e os prejuízos econômicos que serão suportados globalmente em virtude da falta de gerenciamento adequado da água de lastro carregada pelas embarcações, espera-se que nos próximos anos a Convenção alcance a adesão necessária a sua entrada em vigor no plano internacional.
Assim sendo, em que pese os danos ambientais que podem ser provocados pela água de lastro das embarcações serem ainda imprecisos e pontuais, o aumento do comércio global por via marítima agrava os riscos e a freqüência da contaminação dos diferentes ecossistemas marinhos ao redor do globo, o que acaba por impor às nações e a toda a comunidade marítima internacional maiores preocupações com o tema.
Um maior desenvolvimento tecnológico com a redução dos custos das técnicas existentes para o tratamento dessa água de lastro e para a minimização dos riscos de danos ambientais é uma questão bastante atual e que demanda um rápido retorno da comunidade ambiental e marítima internacional.
Maria Alice Doria e Patricia Guimarães – respectivamente sócia e advogada da área ambiental do escritório Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados Associados
* Colaboração de Ana Finatti, para o EcoDebate, 14/07/2010
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