Paternidade indesejada, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A morte de Eliza Samudio emocionou e chocou o Brasil. O seqüestro, a tortura em cárcere privado e o assassinato da jovem, executado com extrema crueldade, deixou o país em estado de perplexidade com este triste caso que envolve sexo, droga, cerveja, futebol, samba, lama, fama, drama e violência contra as mulheres e as crianças.
Não bastasse o bárbaro assassinato da advogada Mércia Nakashima, cujo corpo foi retirado de dentro de um carro em uma represa, na cidade de Nazaré Paulista, na Grande São Paulo, a morte de Eliza Samudio foi fruto de um crime ainda mais macrabo e hediondo. Ambas as mortes são exemplos paradigmáticos de uma doença provocada pelo “vírus” da violência que, infelizmente, se infiltra por todo o tecido social brasileiro. As estatísticas mostram que uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, em geral, vítimas de parentes, maridos, namorados e ex-companheiros rejeitados (segundo o Mapa da Violência, 2010).
Mas não quero falar da dor pungente das mulheres vítimas de violência. Nem mesmo quero recompor o doloroso sofrimento de crianças, como o bebê de Elisa Samudio que esteve ao lado da mãe durante todo seu calvário e em seus últimos “dias de cão”. Esta pobre criança estava no útero, quando Elisa procurou uma delegacia, em 2009, para registrar queixa de tentativa de aborto e agressão física por parte do goleiro Bruno e seu amigo Macarrão. A criança estava na macabra viagem do Rio a Belo Horizonte quando a mãe foi agredida a coronhadas, seguiu ferida e ficou presa em um quarto isolado em um sítio na cidade de Esmeraldas. Presenciou a via crucis e o estrangulamento da mãe e todo o inarrável absurdo que se seguiu.
Não sei como esta criança vai sobreviver a todo este drama e à “herança maldita” que vem de seus ascendentes. Os avós paternos do filho de Eliza abandonaram o pai quando criança e cometeram diversos crimes pelo país afora. O avô materno é acusado de crime de pedofilia e estupro e, sem dúvida, foi um péssimo marido e pai. Quem sabe a avó materna consiga dar um pouco de esperança para esta pobre criança, mais uma como tantas outras que sofrem na infância com famílias desestruturadas e despreparadas.
Mas o que pretendo tratar é sobre um possível motivo de tanta brutalidade. Segundo o delegado Edson Moreira, um dos responsáveis pelas investigações, em Belo Horizonte, a causa de tudo isto “é uma paternidade indesejada”. Ou seja, uma gravidez não planejada, fruto de uma festa dionísica, que gerou, de um lado, o desejo de reconhecimento da paternidade e de apoio material e, de outro, um desejo de vingança. É claro que nenhuma criança é responsável pela violência dos adultos, embora todo adulto tenha sido criança e possa trazer uma semente capaz de fazer brotar flores ou espinhos.
O fato é que muitos filhos, nascidos no Brasil e no mundo, são frutos de uma gravidez indesejada e muitos jovens se tornam mães ou pais sem estarem preparados e sem terem estrutura para garantir a educação das crianças, pequenos seres humanos que não pediram para nascer e que os próprios genitores não queriam que nascessem.
No mês de maio tivemos o dia das mães. No mês de agosto teremos o dia dos pais. Mas o que se precisa é do dia da “paternidade responsável”, pois temos histórias demais de crianças que crescem longe de seus pais e longe do amor e do carinho conjunto de seus progenitores. As pessoas precisam saber separar sexualidade de reprodução e cada indivíduo dever ter autonomia reprodutiva. Mas ao decidir pela geração de um filho precisam se comprometer com a criação de um ser especial que deve ter compromisso com a ética, a honestidade, a paz, o amor, a felicidade e a qualidade de vida da humanidade e do Planeta Terra.
Como contraponto a toda esta tragédia de paternidades indesejadas, segue (nestes 30 anos da morte de Vinícius de Moraes: 19/10/1913 – 9/07/1980) uma canção linda, tratando de uma paternidade desejada e sonhada:
O Filho Que Eu Quero Ter
Composição: Toquinho/ Vinicius de Moraes
É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem
De repente eu vejo se transformar num menino igual à mim
Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim
Um menino sempre a me perguntar um porque que não tem fim
Um filho a quem só queira bem e a quem só diga que sim
Dorme menino levado, dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado de tanta dor que ele tem
Quando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba e roçar no derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua mão vedar meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
Dorme meu pai sem cuidado, dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado, com o filho que ele quer Ter.
José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; expressa seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br
EcoDebate, 13/07/2010
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