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Comunicação de risco. Entrevista com Rosane Lopes

A entrevistada de hoje, Rosane Lopes, esteve na Unisinos, na última semana, apresentando seu trabalho na área de comunicação de risco. Ela conversou pessoalmente com a IHU On-Line sobre este tema, explicando-o e mostrando em que situações ele se aplica. Além disso, através de suas experiências em situações de risco, como, por exemplo, logo após os terremotos no Haiti, Rosane falou sobre os novos meios de comunicação e a importância do planejamento e transparência em situações de perigo ou ameaça. “Vimos que, em todas as grandes situações de crise, as redes sociais funcionaram muito bem, porque elas contrapõem a hegemonia das pautas de uma mídia”, disse.

Rosane Lopes é graduada em Ciências Sociais pela Unisinos. Já trabalhou nas Nações Unidas e, por isso, viajou o mundo para atender situações de emergências. Esteve em Angola quando o país viveu uma epidemia de pólio, enquanto trabalhava na UNICEF. Em Cabo Verde, atendeu a epidemia de Dengue quando trabalhou pela Organização Mundial de Saúde. Também já atuou na questão da influenza aviária no Egito e, mais recentemente, nos terremotos no Haiti. Na Universidade de Harvard (EUA), fez mestrado em Comunicação de Risco.


IHU On-Line – Como a senhora define a “comunicação de risco”?

Rosane Lopes – A ideia de comunicação de risco começou a partir da discussão em torno da questão do risco. Alguns autores começaram a pensar nisso depois de Chernobyl. Antigamente, as situações de perigo eram geridas por fortuna, as coisas iam acontecendo. Começou-se a falar em comunicação de risco quando se entendeu que podemos ter um gerenciamento destes riscos, ou seja, um controle maior de alguns processos.

Ao mesmo tempo, a sociedade civil começa a exigir algumas posturas do governo e das empresas de terem um controle para que as coisas não aconteçam sem essa participação do público. Definindo: a comunicação de risco é quando se tem um processo de gestão de possíveis riscos nas empresas, no Estado, na sociedade, ou seja, é uma construção de um entendimento compartilhado com o público sobre a natureza do risco e as medidas necessárias para responder a este problema através do diálogo.

IHU On-Line – Em que situações a “comunicação de risco” se aplica?

Rosane Lopes – Quando estudei em Harvard sobre comunicação de risco, minha turma tinha 60 alunos dos mais variados setores da sociedade: gestores públicos, indústrias farmacêuticas, seguradoras. Enfim, todos os setores hoje têm um departamento de gerência de risco. Um exemplo é o vazamento de petróleo no Golfo do México. Ali há uma gestão de risco para que se possa trazer à população informações sobre as consequências que esse incidente pode causar.

É preciso pensar que o risco que mata as pessoas não é o mesmo que alarma. Então, a comunicação de risco se divide em concreto, quando existe perigo de morte, e ameaça, que é quando há a percepção do risco. Vou usar um exemplo bem genérico: a dengue. A dengue mata, mas muitas pessoas não percebem essa problemática e continuam deixando água parada em casa, porque elas acham que não vão pegar, que nada vai acontecer, por vários motivos genéricos. A dengue é uma doença que você precisa ter a participação das pessoas. Isso é comunicação de risco, é ter um cenário e trabalhar com todos os envolvidos neste cenário para conseguir atingir um objetivo.

IHU On-Line – Quais os pontos fundamentais para se ter um bom sistema de comunicação de risco?

Rosane Lopes – Um dos pontos fundamentais para se ter um bom sistema de comunicação de risco é ter planejamento. Planejar é ter um plano b e um plano c e fazer um mapeamento de todos os cenários possíveis. Para atuar em um contexto de risco é preciso construir confiança, uma vez que ela é fundamental entre a instituição, o público e o privado. Muitas empresas já estão alertando para alguns riscos que determinado produto pode ter, porque isso constrói a confiança.

Outro ponto fundamental é a agilidade em comunicar. Se você não tiver um processo de planejamento do cenário, quando alguma coisa acontecer, você vai demorar para comunicar algumas coisas. Comunicar não quer dizer exatamente ter certeza. Você pode muito bem falar: “neste cenário que estamos hoje, a probabilidade é esta, mas amanhã tudo pode mudar”. Foi o que vimos no Golfo do México, onde o cenário mudou várias vezes.

“Há casos em que o perigo é muito alto,
mas as pessoas não percebem isso como ameaça,
então é preciso, portanto, trabalhar para aumentar a
percepção da ameaça”

Também é preciso ter transparência, respeitar a preocupação do público. O fator confiança, em uma situação normal, é responsável por 80% da competência do processo. Mas, numa situação de estresse, isso não importa mais, é preciso juntar a isso a honestidade. Se uma empresa ou o Estado não constrói essa comunicação antes, será muito difícil construir isso num momento de crise. Em comunicação de crise, se trabalha medindo um pouco o perigo real e a ameaça. Há casos em que o perigo é muito alto, mas as pessoas não percebem isso como ameaça, então é preciso, portanto, trabalhar para aumentar a percepção da ameaça.

Temos ainda outra situação que é quando há perigo baixo e uma ameaça alta. Por exemplo: a febre amarela, em algumas circunstâncias, não demandava tanto perigo, e as pessoas estavam muito alarmadas, correndo para se vacinarem. Isso é gestão da ameaça, é comunicação de risco. No caso do Haiti, trazendo outro exemplo, a comunicação utilizada foi a de crise, que é usada quando você tem uma situação e uma percepção de perigo elevado. Numa situação como essa, há o estresse, é preciso se comunicar constantemente com a imprensa, o público está inquieto, você vai ter que ajudar a amenizar o sofrimento. No Haiti, por exemplo, não tínhamos meios de comunicação, rádio e televisão caíram. Então, as pessoas começaram a usar o SMS e funcionou muito bem.

IHU On-Line – Qual a importância dos novos meios de disseminação de informação, como as redes sociais, na cultura da comunicação de risco?

Rosane Lopes – Esta questão é muito importante, vimos que, em todas as grandes situações de crise, as redes sociais funcionaram muito bem porque elas contrapõem a hegemonia das pautas de uma mídia. O Twitter funcionou perfeitamente no Haiti, assim como mensagem de textos. Lógico que isso é para uma certa camada da população, nem todo mundo tinha acesso. O SMS foi o melhor meio de comunicação porque telefone é um bem que todo mundo tem, é bastante popular no Haiti.

IHU On-Line – Em função da comunicação de risco, a senhora já viajou o mundo todo. De todas suas experiências, quais foram as mais marcantes?

Rosane Lopes – São várias. Já fiquei na Angola, em Cabo Verde, mas o Haiti foi a experiência indescritível, pois foi uma tragédia de dimensão muito grande, arrasou cidades inteiras, foram milhões de mortos. Eu fui visitar uma escola de arte e, independente de toda a tragédia, as pessoas eram felizes e tinham esperança, tinham uma fé nesta reconstrução. Isso foi uma das coisas que mais me surpreenderam no Haiti. Vi o sofrimento das pessoas, mas a esperança delas era sinal de que meu trabalho também trouxe um resultado concreto.

Dois dias depois da catástrofe, o país não tinha dinheiro, o Banco Mundial teve que levantar o sistema para poder fazer circular dinheiro no país. Nós estávamos em um acampamento onde tinham umas 300 pessoas de todas as áreas. Saber que o mundo inteiro estava preocupado com isso, que estavam todos juntando forças para atuar frente à situação foi comovente.

A situação de dengue em Cabo Verde foi emocionante também. Lá tive que comunicar o primeiro caso de dengue. Fizemos um trabalho com os jornalistas de como passar essa informação, explicamos o que era a dengue. Em Angola, o risco era a pólio, que atingiu crianças e mães. Angola é um país rico em cultura, mas é um país que ainda está se reestruturando em função das guerras que lá ocorreram. Muitas coisas que eu vivi em Cabo Verde e Angola me ajudaram a entender a situação do Haiti, assim como o Haiti me fará entender outra situação. No fundo, a comunicação de risco se dá quando não se tem a possibilidade de salvar todas as vidas. E meu trabalho visa justamente a construção de um processo de diálogo, de comunicar os riscos ou ver os riscos que uma cidade vive e, dessa forma, poder atuar, fazer planos.

(Ecodebate, 29/06/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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