Reportagem Especial: Planos de saúde pecam pela má qualidade
- Alternativa para evitar os hospitais públicos, planos de saúde pecam pela má qualidade
- Para médico sindicalista, é melhor ser atendido pelo SUS, que não recusa paciente
- Planos de saúde remuneram mal os médicos conveniados, reclama sindicato
- Por causa do mau atendimento, usuários já admitem trocar planos de saúde pelo SUS
- Mensalidade dos planos de saúde subiu mais que a inflação na última década
* Alternativa para evitar os hospitais públicos, planos de saúde pecam pela má qualidade
Longas esperas por atendimento médico. Dificuldade para agendar uma consulta. Recusa na hora de contratar exames complexos ou obter remédios caros. Eis algumas das principais queixas de clientes insatisfeitos com planos de saúde aos órgãos de defesa do consumidor. Durante o ano passado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recebeu 12.728 denúncias de infrações cometidas pelas operadoras privadas. Além disso, pelo décimo ano consecutivo, as operadoras de seguro de saúde ocuparam o topo da lista de reclamações feitas ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Já os procons de 24 estados brasileiros, juntos, contabilizaram 14,8 mil queixas contra as operadoras no Sistema Nacional de Informação de Defesa do Consumidor (Sindec), do Ministério da Justiça. Para a assistente de direção do Procon-SP, Selma do Amaral, esses números são apenas um indício da situação, que ela diz ser pior.
“A situação é pior do que registramos. Há pesquisas que indicam que apenas 0,5% dos consumidores insatisfeitos reclama dos problemas com os planos”, disse Selma à Agência Brasil.
Diante da afirmação, a reportagem visitou hospitais particulares de São Paulo e Brasília e, em todos eles, encontrou gente alegando algum tipo de dificuldade para ter acesso ao serviço pelo qual pagam. “Os planos particulares não são a solução para todos os problemas. Há casos em que o cliente teve que recorrer à Justiça para conseguir ser atendido, mesmo estando quite com todas as suas obrigações”, arremata Selma.
A própria presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), Iolanda Ramos, admite a existência de problemas, mas defende que não se pode atribuí-los ao sistema como um todo. “O mercado de saúde tem planos e planos. O que o consumidor tem que fazer para evitar aborrecimentos é, antes de assinar um contrato, pesquisar a rede de estabelecimentos conveniados que as empresas oferecem, o padrão dos profissionais, os órgãos de defesa do consumidor. É preciso entender que não existem milagres e evitar comprar gato por lebre. Óbvio que um plano familiar por R$ 50/mês não vai ter qualidade”, afirmou a dirigente da entidade que representa 147 instituições de autogestão.
Para o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Carvalhaes, a questão não é essa. Apesar de reconhecer a importância do sistema de saúde suplementar, que ajuda a desafogar o atendimento nos hospitais públicos, Carvalhaes aponta a busca por maiores lucros como uma das causas do mau atendimento. Além disso, ele sugere que a ANS não tem cumprido a contento o papel de fiscalizar as operadoras e defende a primazia do sistema público sobre o particular.
“A importância dos planos privados é inegável e ninguém pretende que eles desapareçam, mas é preciso que cumpram uma função social mais relevante. As operadoras de saúde suplementar perseguem o lucro fácil, demonstrando enorme oportunismo e ganância”, afirmou Carvalhaes. “Há várias operadoras cujo atendimento é péssimo. Falta um monte de coisas nos hospitais, ambulatórios e prontos-socorros e toda a responsabilidade acaba recaindo sobre os médicos”.
Somados os clientes dos convênios de assistência médica e odontológica, o número de usuários de planos particulares ultrapassava 56 milhões de pessoas em março deste ano. O que equivale a dizer que um em cada quatro brasileiros paga pelo acesso à saúde que, constitucionalmente, deveria ser garantido pelo Estado.
De acordo com dados da ANS, o número de usuários cresceu acima dos 5% ao ano entre 2005 e 2008. Em 2009, a taxa foi de 4,9%. A distribuição dos usuários, contudo, reflete as discrepâncias econômicas regionais, com quase 80% dos clientes concentrados nas regiões Sul e Sudeste, sobretudo nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
* Para médico sindicalista, é melhor ser atendido pelo SUS, que não recusa paciente
Embora reconheça que o serviço de saúde privado cumpre um importante papel e que sem ele o Estado teria ainda mais dificuldades para oferecer à população um serviço de qualidade, o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Carvalhaes, defende as vantagens do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre os convênios particulares.
“Apesar da constante preocupação com a falta de recursos, no serviço público não se recusa atendimento, especialmente na urgência, nos tratamentos de alta complexidade e na oferta de medicamento de alto custo. Já na assistência privada, todos os dias nós observamos recusas de procedimentos”, declarou Carvalhaes à Agência Brasil, alegando que, apesar dos problemas, a assistência pública é “muito superior aos convênios particulares. “
De acordo com o médico, nenhum plano de saúde privado tem, hoje, condições plenas de oferecer assistência de urgência. Carvalhaes também questiona o fato de os procedimentos médicos de alta complexidade, como transplantes (exceto de córneas), tratamento de queimados, cirurgias complexas e distribuição de medicamentos de alto custo, serem feito pelo SUS mesmo quando o paciente paga por um plano privado.
“É preciso fortalecer o SUS e esclarecer as pessoas que, caso elas tenham uma doença mais grave, um traumatismo ou um acidente grave, acabarão sendo atendidas pelo SUS. E que elas devem torcer para que isso de fato aconteça porque nenhum hospital particular do país dispõe de um serviço de atendimento de urgência, de um pronto-socorro pleno. Todos têm equipes incompletas”, critica o médico.
A presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), Iolanda Ramos, refuta a acusação de que os hospitais particulares não estejam aptos a atender emergências mais graves, mas admite que os casos complexos e a distribuição de medicamentos caros ainda são problemas para as operadoras, pois encarecem demais os custos das empresas.
“Não nego que haja problemas e é isso que justifica a existência da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar], que tem autuado as empresas com problemas. Mas, se o número de usuários vem crescendo, se alguém contrata um plano de saúde, é porque as pessoas consideram isso importante. Imagina o serviço público, com todas as suas carências, tendo que atender aos mais de 50 milhões de clientes de planos particulares. Haveria um colapso”, alega Iolanda.
Com base nas reclamações recebidas pelos procons de 24 estados, a assistente de direção do Procon-SP, Selma do Amaral, sustenta que, apesar dos avanços recentes, a insatisfação com os planos é grande e motivada, principalmente, pelos aspectos citados por Carvalhaes. “Existe uma insuficiência das redes de atendimento às pessoas que todos os meses pagam um plano e que, na hora em que precisam dele, encontram problemas semelhantes aos encontrados pelos usuários da rede pública”, afirma Selma, para quem é necessário regulamentar a obrigação das operadoras de manter a oferta de consultórios, laboratórios e clínicas contratadas, como já acontece com os hospitais.
Algo com que a própria presidente da Unidas concorda. “A lei ainda não trata disso, mas estou certa de que, em breve, isso irá acontecer. Este é um mercado em constante mudança e altamente regulado de forma a garantir os direitos dos consumidores”.
Sem minimizar os problemas dos hospitais públicos, Carvalhaes atribui à publicidade e à mídia parte do interesse de uma parcela da população pelos planos de saúde. Para ele, a imprensa tende a adotar uma posição extremamente crítica em relação ao serviço público, expondo, “corretamente”, qualquer problema, enquanto trata de forma mais amena o que se passa nos hospitais particulares. “Isso induz a um conceito equivocado quanto à qualidade dos serviços oferecidos pelo SUS. Se não houvesse os serviços suplementares, o Estado teria que encontrar uma alternativa, que eu não sei qual é, para garantir o atendimento a todos os cidadãos.
* Planos de saúde remuneram mal os médicos conveniados, reclama sindicato
Os valores pagos pelas empresas operadoras de planos de saúde aos médicos conveniados têm provocado insatisfação entre os profissionais e, segundo o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Carvalhaes, prejudicado os pacientes que procuram atendimento nos consultórios e hospitais particulares. De acordo com Carvalhaes, os profissionais têm sido obrigados a atender a cada vez mais gente para conseguir fazer frente aos custos de um consultório, eliminando o que deveria ser um dos diferenciais do serviço privado em relação ao público, oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso, reclamações de pacientes afirmando não terem sido bem atendidos se tornaram frequentes.
Segundo Carvalhaes, um médico que atende a um paciente em seu próprio consultório recebe, em média, R$ 2 a menos do que receberia por uma consulta no SUS. A conta, segundo ele, é simples. As operadoras pagam aos profissionais, em média, R$ 29 por atendimento. Tendo São Paulo como exemplo, o custo para se manter um consultório, com despesas como aluguel, salário de funcionários, água, luz, telefone e mais os gastos operacionais é de cerca de R$ 22 por consulta. O lucro é de apenas R$ 7. No SUS, o médico receberia R$ 9 livres pelo mesmo serviço.
Como a quantia paga varia conforme a localidade, Carvalhaes disse que o problema não se altera muito quando se consideram outras cidades, onde os custos são menores e a remuneração, idem.
Em razão dos valores pagos aos ginecologistas e obstetras, a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp) lidera um movimento reivindicatório que pode levar os filiados a uma paralisação de advertência no dia 18 de outubro. Os profissionais esperam renegociar com as operadoras os R$ 200 pagos, em média, por um parto e os R$ 25 pagos por uma consulta ginecológica. Para demonstrar o que entende ser uma distorção, a categoria cita que um cinegrafista recebe, em média, R$ 400 para filmar um parto enquanto algumas maternidades cobram até R$ 250 para que um parente da gestante acompanhe o nascimento da criança.
* Por causa do mau atendimento, usuários já admitem trocar planos de saúde pelo SUS
Toda vez que precisa de um atendimento de urgência, a funcionária pública Denize Santana tem que percorrer cerca de 20 quilômetros, distância que separa a casa dela, em Sobradinho, cidade do Distrito Federal, do Hospital ProntoNorte, no Plano Piloto de Brasília. Segundo ela, não há nenhum hospital mais próximo conveniado ao seu plano de saúde.
Denize já enfrentou dificuldades quando precisou se submeter a uma cirurgia. “Na época, o plano de saúde estava com um problema com o hospital, que dizia não ter vagas. Só que eu liguei [para o hospital] me identificando como beneficiária de outro plano e aí eles não apontaram qualquer problema”, disse à Agência Brasil que, ao visitar hospitais particulares de São Paulo e Brasília durante a semana, não encontrou dificuldade para encontrar pessoas insatisfeitas com os planos de saúde.
Usuária de um plano de saúde familiar, a estudante Mayara Richter, de Brasília, considera ter sido vítima de uma “injustiça” que atribui à empresa responsável pelo convênio médico. “Eu precisava marcar uma consulta de urgência com o ginecologista e a recepcionista disse que, se fosse pelo plano, o médico só teria horário livre depois de dois meses, mas, se eu pagasse, ela encontraria um horário na semana seguinte”.
Conforme indicam os dados dos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), as queixas mais frequentes dizem respeito à demora no atendimento, a dificuldades para agendar consultas e, sobretudo, às recusas das operadoras na hora de aprovar exames complexos ou procedimentos caros, como internações.
“Os planos de saúde deixam a desejar e isso não é novidade”, disse a vendedora Daniela Gonçalves, alheia ao fato de que, apesar das frequentes queixas de usuários, desde 2005 os planos de saúde crescem a uma média de 5% ao ano. “Consulto dois especialistas com frequência e preciso de muitos exames, só que parte deles o plano não cobre. Além disso, às vezes, eu chego em um laboratório ou clínica e descubro que já não aceitam mais o meu convênio. A pessoa acaba deixando de se tratar porque perde a paciência”, concluiu a vendedora, que também mora de Sobradinho.
Embora considere que na rede privada alguns procedimentos, como exames, são feitos mais rapidamente do que no sistema público, o agente de viagens Flávio Vital considera que o atendimento nos hospitais particulares já não se diferencia muito dos hospitais públicos. “A diferença é que, nos particulares, os médicos são bons”, afirma, independentemente de saber que boa parte dos profissionais que atendem aos convênios em hospitais ou clínicas particulares também trabalha no Sistema Único de Saúde (SUS).
Já o taxista Gilberto Ferreira dos Santos, de São Paulo, optou por cancelar o plano de saúde após anos pagando pelo seguro. Segundo ele, além da insatisfação com o serviço, os preços cobrados também influenciaram na decisão. “Eu, que tenho mulher e três filhos, ou pago o plano ou pago as outras prioridades. E como, em geral, o serviço não é satisfatório, eu preferi tentar juntar o dinheiro para uma eventualidade em vez de todos os meses pagar por algo que eu vou usar de vez em quando”, explicou o taxista, admitindo, porém, a dificuldade de poupar dinheiro e o receio de não ter como pagar pelo tratamento médico em caso de uma doença grave.
* Mensalidade dos planos de saúde subiu mais que a inflação na última década
Um estudo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) revela que as mensalidades dos planos de saúde subiram 15,3% acima da inflação acumulada nos últimos 11 anos. De acordo com o levantamento, entre 2000 e 2010, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou reajustes anuais que somaram 136,6%. No mesmo período, a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 105,3%.
No último dia 11, os planos de saúde foram autorizados pela ANS a reajustar as mensalidades em 6,73%, percentual acima da inflação acumulada entre maio de 2009 e abril de 2010, que ficou em 5,26%.
Segundo o Idec, apenas em duas ocasiões o reajuste ficou abaixo da inflação medida pelo IPCA. A ANS alega que a comparação entre os índices inflacionários e o percentual de reajuste dos planos não é apropriada, já que o setor tem custos com equipamentos, insumos, remédios e salários que não entram na base de cálculo dos principais indicadores. Além disso, os gastos das empresas variam de acordo com o perfil da carteira de clientes.
De acordo com a presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), Iolanda Ramos, a chamada “inflação médica” é mais alta e é “”complexo” equacionar os interesses dos clientes com as necessidades das operadoras. “Se os usuários reclamam que o aumento é muito, os gestores reclamam que é pouco”.
Já o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Carvalhaes, alega que os custos e os rendimentos reais das empresas não são conhecidos por todos, principalmente pelos profissionais de saúde, que reclamam dos valores que os planos pagam pelos procedimentos. “É muito mais fácil encontrar as caixas-pretas do Airbus da Air France [que caiu no Oceano Atlântico em junho do ano passado] no fundo do mar do que os médicos terem acesso às planilhas de custos das operadoras de planos de saúde particular. A ANS deveria obrigar as operadoras a abrir as planilhas de custos, até mesmo para justificar os aumentos das mensalidades”, diz Carvalhaes.
Reportagem especial de Alex Rodrigues, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 28/06/2010
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