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Desmatamento: Volta ao passado na Amazônia? artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] De vários cantos surgem sinais preocupantes sobre aparentes indícios de retomada do crescimento do desmatamento na Amazônia, com a agravante de se estar ingressando numa conjuntura econômico-política favorável a esse desdobramento. Em março de 2010, a taxa de desmatamento foi 35% maior que a de 2009, segundo o Imazon. E de agosto de 2009 a fevereiro de 2010, foi 23,7% mais alta. Em janeiro último, por exemplo, a taxa foi 26% maior que um ano antes.

Até que se colocassem esses dados, a postura oficial parecia otimista, com a informação de que havia caído em 51% a taxa de desmatamento de agosto de 2009 a fevereiro de 2010 (Estado, 9/4). Para complicar um pouco mais, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais diz que, de janeiro a fins de maio, cresceram 117,2% as fontes de calor (queimadas) detectadas principalmente em Mato Grosso (3.617, ante 1.665).


O retorno das taxas crescentes vem sendo atribuído a três fatores: 1) Retomada do crescimento da economia; 2) conivência política, em ano eleitoral; e 3) dificuldades na fiscalização, inclusive com a greve na área do Ibama (este último apontado pela direção desse instituto). E ela vem em seguida ao período de menor taxa de desmatamento desde 1988 – embora na última década a média do desmatamento tenha chegado a 17,6 mil km2. Em 2009, ano mais favorável, a produção de madeira na Amazônia havia caído 46% (Estado, 16/5), de 26 milhões de m3 para 14 milhões, segundo o Serviço Florestal Brasileiro e o Imazon. Uma das evidências de que esses caminhos de fato têm pesado está na notícia da prisão de uma quadrilha fraudadora de licenças para desmatamento e venda de madeira em Mato Grosso, com a participação de figuras que haviam sido importantes no governo e no licenciamento no Estado. Por esse caminho foram retirados ilegalmente 1,7 milhão de m3 de madeira de 100 áreas indígenas e 20 unidades de conservação.

Também preocupante, nesta hora, é que o governo federal insista no caminho de licitar florestas públicas para gestão “sustentável” de empresas privadas. Agora, em 364 mil hectares na Floresta Nacional do Amaná, no Pará (Estado, 7/4). É uma área onde campeiam a extração ilegal de madeira e a pecuária em áreas invadidas, além de garimpos de ouro (32), em meio a uma população muito pobre (40% do total, segundo o IBGE). A licitação de florestas, como já foi escrito neste espaço muitas vezes, é caminho altamente problemático, condenado por especialistas do porte do professor Aziz Ab”Saber, da USP, que mostra haver ele conduzido vários países à perda de suas florestas; do almirante Ibsen de Gusmão Câmara, especialistas em biodiversidade, segundo quem é alternativa que leva à decadência e perda da diversidade biológica, pois, retirando os melhores espécimes de cada lote, instaura-se um processo de evolução às avessas, partindo dos mais fracos; e tecnicamente inviável, de acordo com o professor Niro Higuchi, pois não seria possível escolher em cada um dos lotes a serem explorados em um ano (para só voltar a ele 30 anos depois) os melhores espécimes, já que para isso seria preciso conhecer, em cada área, todos os exemplares, uma vez que o tempo de maturação de cada um é muito diferente (e corre-se o risco de explorar espécimes ainda imaturos). Há muitos outros argumentos – nunca respondidos -, mas pode-se ficar com esses.

Não bastasse, não se consegue avançar com o zoneamento ecológico/econômico da Amazônia, que pretende proteger 1,7 milhão de km2 no sul do bioma – embora admitindo obras do PAC até em áreas de conservação, pavimentação da Rodovia Transamazônica, criando facilidades na BR-316 (iniciativas sob fortes restrições em várias áreas). Sem falar que já se reduziram de 80% para 50% as áreas de reserva legal a serem recompostas ao longo da BR-163 – e que chegaram a provocar polêmicas públicas entre os ministros Carlos Minc e Alfredo Nascimento.

Mas ainda tem mais. Causou certa estupefação – como relatou neste jornal Marta Salomon (26/5) – a portaria do Ministério do Desenvolvimento para regularizar posses de terras no município de Manoel Urbano, no Acre, desde que o ocupante pague R$ 2,99 por hectare (mas pode ser menos) em áreas de até 200 hectares; uma área de 1.350 hectares (1,35 km2) poderá ser regularizada por R$ 638.820, a R$ 473,20 por hectare. Nada menos que 72 mil ocupantes de terras públicas já se candidataram a 80,1 mil km2. Há ocupantes de até mais de 9 mil hectares, entre 300 mil ocupantes de terras públicas, dos quais 180 mil em áreas da União. Podem-se fazer contas: 40,8% das áreas, com até 1.500 hectares, significam 32,68 mil km2; ao preço de R$ 473 por hectare, pagarão em 20 anos R$ 1,54 bilhão. Essa área corresponde a 13,1% do território paulista. Se o valor proposto na Amazônia fosse estendido a todo o território paulista, significaria pouco mais de R$ 10 bilhões. E nessas áreas a taxa de desmatamento (40,4% da área) é o dobro do limite legal na região.

Essas coisas acontecem na hora em que avança a consciência sobre a importância da conservação da floresta para a preservação da biodiversidade e para a regularização do clima. Um dos últimos estudos divulgados, do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG e outras instituições (Estado, 26/5), mostra que 595 áreas protegidas da Amazônia têm o potencial de evitar a emissão de 8 bilhões de toneladas de carbono até 2050. Mas é indispensável investir alguns bilhões de reais na proteção dessas áreas – o que pode ser um caminho para o REDD, o sistema de financiamento da preservação de áreas florestais, em discussão na Convenção do Clima. Mas a Organização Mundial para a Alimentação adverte que o Brasil, embora tenha avançado, continua “campeão mundial” do desmatamento. E a Amazônia brasileira já perdeu 17% de suas florestas.

É preciso reverter com urgência a tendência de voltar ao crescimento da devastação.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 07/06/2010

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